Sem Fórmula 1 eu não vivo?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017 às 13:21
Bernie Ecclestone

Bernie Ecclestone

Colaboração: Victor Manoel de Oliveira Nunes

Talvez muitos não lembrem. Talvez muitos não façam ideia. Mas no início da era Orkut, meados de 2005/2006 , a rede social, tão importante ferramenta de comunicação na disseminação de conteúdo direcionado e relacionamento, fez com que eu (adolescente na época) tivesse impulso e criasse algumas comunidades…

Ao ler o primeiro parágrafo, você, amante do automobilismo pode pensar: “nossa o que isso tem a ver com o artigo?” Pois bem meus amigos. Não encontrei título melhor para definir o quão deve ser a sensação momentânea para alguém que comandou autocraticamente o esporte por quase quatro décadas, ser relegado a “mero” Presidente Honorário. Aceitará a homenagem? Antes que esqueça, a comunidade era “Sem Fórmula 1 eu não vivo” e tinha pouco mais de 2.500 (dois mil e quinhentos membros).

Visionário, trapaceiro, rancoroso, bilionário, egoísta, amedrontador. Adjetivos não faltam para qualificar este pequeno gênio inglês de 86 anos. Isso quem afirma não sou eu, mas personalidades como Ron Dennis, Frank Williams, Damon Hill, Niki Lauda…

Gostem ou não, Bernard Charles Ecclestone revolucionou o esporte. Tornando-o lucrativo, estável, seguro, global e incessante no pioneirismo tecnológico. Esperto, percebeu no fim da década de 60 e início da década de 70 que a FIA, possuía preconceito com equipes britânicas, privilegiando times como a Ferrari.

Na passagem do livro “Não sou um anjo” de Tom Bower, (colaboração: Reginaldo Leme), Bernie naquela época, conseguiu documento que apresentavam os gastos e receitas da Fórmula 1; e chegou-se a conclusão: os organizadores dos GPs estavam lucrando bastante. Por consequência, passou a exigir condições mais favoráveis, seja com os autódromos, prestadores de serviço e governo. A astúcia fez costurar junto as escuderias, comissão em 4% do valor total das premiações. Em troca, teria a garantia de melhores contratos e diminuição no custeio para transporte dos monocoques.

Interessante mencionar que Enzo Ferrari nutria antipatia por Ecclestone ter contribuído no desenvolvimento das escuderias britânicas. Na década de 1980, era evidente a diferença apresentada na aerodinâmica, se comparada aos carros italianos. Talvez seja por isso que Balestre e o Comendador fossem tão próximos. E o francês, de bobo não tinha nada, manipulava votos, modificando o regulamento técnico, no intuito de prejudicar os ingleses. Se acreditarmos que a F1 hoje ainda não é democrática; visto a distribuição de premiação ou desorganizada, no sentido de não criar regras mais simples e objetivas; o que diremos daquele período, onde dezenas de decisões eram tomadas autoritariamente e em surdina?

Inteligente, o premeditado Charles, magistralmente, conseguia causar discórdia entre as equipes, especialmente Mclaren e Ferrari, de modo que os seus interesses fossem atendidos. Alguém recorda a traição de Montezemolo com Dennis em 1996 ao assinar o Pacto de Concórdia?

Ambos concordavam o quão seria complicado para as equipes terem os direitos da Fórmula 1; Entretanto, orquestrado pelo “dono dos direitos da categoria”, houve ligação secreta ofertando ao presidente do Cavallino Rampante dinheiro extra, posteriormente aceita. E quando Ron compareceu a reunião, soube do acordo feito entre ele e as demais equipes; exceto Williams, a própria Mclaren e a saudosa Tyrrel (negociaram em conjunto). Ademais, o objetivo de Dennis na resolução do imbróglio era coletivo; isto é, maior benefício e quantia para as escuderias. Podem acreditar!

Em Bernie não é possível confiar. Quando menos esperar, algo acontecerá. Se for bom ou ruim, dependerá das circunstâncias do momento e do benefício que provavelmente conseguirá. Em 2002, chegou a afirmar que o domínio exercido pelos vermelhos prejudicava o esporte, ainda mais com os resultados dos GPs da Áustria e EUA e os fãs, na sua percepção, entenderam que se tratava de manipulação e deixaram de acompanhar as corridas.

E trapaça, bem, era corriqueiro entre as equipes. Em 2007, no “Spygate” a Mclaren foi condenada a multa exorbitante de 100 milhões de dólares. Enquanto isso, a Renault que a época possuía engenheiros que roubaram dados da Mclaren, não foi penalizada contundentemente. Detalhe: o Chefe do “Diamante Francês” era o amigo, sócio e antigo vendedor de roupas nos EUA, o folclórico e duvidoso Flávio Briatore.

Embora não gostasse do movimento da Ferrari, Ecclestone exercia influência pela função ocupada. Contudo, pouco fez na resolução do conflito. Muito pelo contrário; ao invés da suspensão de 02 (dois) anos, alguns indicam que partiu dele a sugestão da quantia a ser paga. Não basta pisar, tem que atropelar.

Há quase três anos, o pequeno gênio foi absolvido pelo Tribunal Londrino; não obstante o Juiz da Corte tenha reiterado: “Bernard pagou suborno, oriundo do pacto firmado anteriormente com o banqueiro Gribkowsky, de maneira que facilitou as vendas das ações da F1 para um comprador que atendesse aos interesses de Ecclestone”. Só não foi condenado porque o magistrado não vislumbrou hipótese de prejuízo a Constantin Medien.

Posteriormente, na Alemanha, fez acordo com a justiça e desembolsou também 100 milhões de dólares, escapando da possibilidade de ser preso por até 10 (dez) anos. Observem que no país germânico, as regras são feitas para serem cumpridas. O atual presidente do Bayer de Munique, Uli Hoeness em 2014, por exemplo, foi condenado a três anos e meio de prisão (sonegou milhões). Hoje, encontra-se em liberdade.

Condutas falam por si. Ética, comprovadamente questionada. Defini-lo em única palavra é impossível. Figura polêmica, ávido por dinheiro, trabalhador contumaz. Chegou a hora de dizer adeus. Como bem mencionou na sua despedida, “foi deposto”, tal qual um certo ditador?

A forma como expressa, ratifica que o momento necessita de mudanças. E não transformações quaisquer. Menos hierarquia, mais delegação. Poder redistribuído e não mais concentrado.

É indiscutível. A Fórmula 1 hoje, tornou-se o que é, graças a sua visão sistêmica e ânsia de querer sempre mais. No entanto, na vida há ciclos e a categoria nas mãos dos americanos e “auxílio esportivo” de Ross Brawn a tornarão mais humana (próxima ao público), digital, acessível, democrática entre equipes e menos engessada.

Afirmar que possui dinheiro para acompanhar o Mundial em algumas oportunidades, demonstra que é possível viver sem Fórmula 1. Será uma nova rotina, talvez difícil no início. Todavia, Bernie, você ficará marcado para sempre em nossa memória. Pelo lado obscuro e/ou empreendedor de sucesso. Basta escolhermos.

Victor Manoel de Oliveira Nunes
Natal – RN

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