Motovelocidade e a força G
terça-feira, 26 de abril de 2016 às 0:54Colaboração: Carlos Alberto Goldani
A origem das Leis de Murphy está relacionada com pesquisas realizadas na base aérea de Edwards (EUA) em 1949, cujo objeto foi analisar os efeitos da desaceleração súbita (impacto da Força G) no corpo humano. Em uma época onde os recursos de simulação computacional eram inexistentes, os ensaios eram realizados fixando sensores em voluntários que, acelerados sobre trilhos, paravam ao bater em uma barreira fixa. Óbvio que, nestas circunstâncias, refazer testes era uma tarefa complicada. O Cap. Edward Murphy, um engenheiro do Air Force Project MX981 foi encarregado de um dos testes que, depois de realizado, descobriu-se que os transdutores haviam sido conectados invertidos e não registraram nenhum dado. Irritado com a desatenção do técnico na montagem, registrou no relatório de avaliação: “Se existir a mínima chance de fazer algo errado, ele vai fazer errado”.
A complexidade de entender a Força G começa por sua definição, sob a ótica da mecânica de Newton ela não pode ser classificada como uma força. Força é um dos conceitos fundamentais da Física, uma grandeza capaz de modificar o movimento de um corpo livre ou causar deformação em um corpo fixo. Em outras palavras, uma grandeza que tem a capacidade de vencer a inércia, a tendência de um corpo de permanecer parado ou em movimento retilíneo e uniforme.
Portando estes conceitos para as pistas, quando um piloto acelera uma moto o seu corpo tende a permanecer no movimento mais lento em que estava. Com o aumento de velocidade, o piloto tem que realizar algum esforço para manter a sua posição em relação ao veículo, tem a sensação de estar sendo empurrado para trás quando, na verdade, não está. Não há nenhum agente externo atuando e o piloto sente como se estivesse submetido a uma força. Esta sensação é a Força G. O piloto sente, mas é apenas uma ilusão mecânica, um efeito colateral da inércia.
No processo de frenagem, onde a moto tem uma aceleração negativa (ou desaceleração) o corpo do piloto tende a permanecer com a velocidade mais alta e, neste caso, continuar seguindo para frente. Também neste caso não há força aplicada, mas ele se sente empurrado. É mais uma ilusão mecânica.
Em uma curva, o corpo do piloto tende a continuar o seu movimento na direção tangencial, a direção do vetor velocidade que tinha antes de iniciar o contorno na pista. A moto vira seguindo o arco, mas o piloto tende a continuar em linha reta com a sensação de estar sendo forçado para fora da curva, é a Força G atuando na direção radial.
A tolerância do corpo de uma pessoa a esta força depende de fatores como duração, intensidade e o local onde é aplicada. O cálculo é simples, 1 G significa aceleração de, aproximadamente, 9.8 m/s2, igual a força gravitacional.
A força G produz efeitos colaterais de acordo com a duração e intensidade, em uma pessoa submetida a acelerações ou desacelerações bruscas pode até ser fatal. Embora não seja muito difícil resistir a pressões de 2 G, valores muito superiores podem tornar quase impossível a um indivíduo manter-se consciente. 3 G é o primeiro nível onde uma pessoa comum começa a sofrer com a desaceleração ou aceleração e, embora resulte em algum desconforto, raramente causa perda de consciência ou qualquer outro efeito mais grave. Algumas montanhas russas radicais podem atingir facilmente este nível. Entre 4 e 6 G um indivíduo sem um preparo físico adequado costuma sofrer do efeito chamado G-LOC, perda de consciência induzida pela Força G. Mesmo que consiga não “apagar”, quem é submetido a este nível de pressão costuma sofrer de vários outros problemas, como perda temporária da capacidade de ver cores, efeito “Visão de Túnel” onde a visão periférica é afetada ou em alguns casos perda temporária da visão.
O tempo ao qual o corpo humano é submetido a uma alta pressão devido a desacelerações súbitas é mais significativo que o valor máximo da força G. O choque de Robert Kubica contra um muro de concreto a 300,13 km/h no GP do Canadá em 2007 registrou 70 G de desaceleração. Em 2004 Ralf Schumacher se acidentou no GP Estados Unidos, perdeu o controle do carro e bateu de frente em um muro de proteção, sua desaceleração foi medida a 78 G (765 m/s²), o piloto sofreu uma concussão e duas fraturas menores em sua coluna vertebral. Quando submetidos este nível de esforço, os pulmões são comprimidos com tanta força que é impossível respirar e em menos de um minuto pode ser fatal, Kubica e Schumacher foram exigidos ao extremo, porém durante milésimos de segundo, tempo insuficiente para causar um dano permanente.
Motos são limitadas pela geometria do quadro em acelerações e desacelerações lineares. Em função da curta distância entre rodas em relação à altura do centro de massa do conjunto moto/piloto, o efeito da Força G tende a levantar a roda dianteira ao acelerar (wheelie) ou a roda traseira ao frear (stopie). Funciona como uma relação de troca, se o peso estático está concentrado mais perto da frente o limite de whellie na aceleração é maior, mas reduz o esforço na roda traseira durante as frenagens. Uma das maneiras de ganhar milésimos de segundo é o avanço/recuo do (peso do) piloto para deslocar o centro de massa e melhorar o comportamento da moto na redução ou retomada de velocidade.
A segurança da MotoGP está em constante evolução. As áreas de escape dos circuitos estão sendo ampliadas e recebendo asfalto em lugar de brita, o macacão dos pilotos é feito de material mais maleável e resistente, as articulações estão melhor protegidas e a última geração de botas, luvas e capacetes permitem sobreviver às quedas com um mínimo de dano. O airbag integrado ao macacão, além de garantir a integridade física do piloto, ainda fornece informações detalhadas da localização e intensidade dos impactos. Em 2013, nas etapas preparatórias do GP de Mugello na Itália, Marc Márquez perdeu o controle de sua Honda e caiu no final da grande reta enquanto desenvolvia uma velocidade de 282 km/h, os sensores do seu airbag indicaram impactos de 25 G em ambos os ombros, separados por 0,70 seg. O piloto sofreu apenas algumas escoriações no rosto e estava alinhado para a largada no dia seguinte. Em Sepang nos testes de inverno deste ano, o pneu traseiro da Ducati de Loris Baz explodiu em plena reta, o piloto sofreu na queda um impacto de 29.9 G no ombro esquerdo e todo o incidente resultou apenas em uma luxação. Em ambos os casos a ação da força G por tempos extremamente curtos (ordem de 0,075 seg) e foi administrada pelo preparo físico dos pilotos.
Pilotar uma moto de competição é um exercício complexo e exige treinamento físico para adquirir resistência muscular e excelente aptidão cardiovascular. Em condições de corrida, os pilotos da motovelocidade estão expostos a toda a sorte de manifestações da Força G. Na MotoGP, a categoria mais rápida, atuam até 1,6 G nas curvas e entre 1,5 e 1,7 G em acelerações e freadas.
Momento Cultural
O piloto britânico de Fórmula 1, David Purley, em 1977 colidiu de frente com um muro de concreto reduzindo a velocidade de 173 km/h para 0 no espaço de 66 cm. Acredita-se que esta desaceleração, calculada em 178 G, tenha sido a mais alta sobrevivida por um ser humano. Outra fonte atribui a Kenny Brack, um piloto sueco que venceu as 500 milhas de Indianópolis de 1999, ter sobrevivido a um acidente no Texas em 2003, cuja desaceleração foi estimada em 214 G.
Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS
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