Entenda como a F1 perdeu espaço na TV aberta e veja caminhos para o futuro do esporte no país

quarta-feira, 2 de setembro de 2020 às 14:43

Galvão Bueno

A notícia de que a TV Globo não transmitirá a Fórmula 1 em 2021 rompeu uma forte relação de quatro décadas entre a emissora e o esporte, evidenciando de maneira ainda mais relevante o declínio da categoria do automobilismo no país. A decisão da alta cúpula da Rede Globosat traz algumas discussões importantes para os aficionados pelas corridas: como a F1 perdeu sua relevância na TV aberta do Brasil? E para além disso, qual o futuro do esporte no país?

Os domingos de Senna: altos índices de audiência na década de 1990

A Fórmula 1 atingiu números expressivos de audiência no Brasil durante a década de 1990, mais precisamente nos anos iniciais, enquanto Ayrton Senna figurou como um dos principais nomes da categoria, e brigava ano após ano por títulos do Mundial. À época, as corridas, como informa o próprio Ibope, chegava a picos de 40, 50 pontos de audiência.

“O fenômeno fica ainda mais claro quando se analisa a audiência das corridas de Senna pelo share, ou seja, pela porcentagem entre os aparelhos ligados: 70 a 80%. Uma audiência comparável à Copa do Mundo, com uma diferença que acentua ainda mais a importância de Ayrton: na Copa, os jogos eram concentrados e aconteciam de quatro em quatro anos”, cita Carlos Augusto Montenegro, diretor-presidente do Ibope na época em que Senna corria, que ainda completa.

Ayrton Senna

“No caso da Fórmula 1 dos tempos de Ayrton, o fenômeno era o fato de milhões de pessoas terem o costume de ligar a tevê de manhã, no domingo, de três em três semanas”, explica Montenegro.

Até durante as corridas na madrugada, a TV Globo chegava a registrar picos de 25 pontos na audiência. Na esteira do sucesso de Ayrton, surgiram programas na rede aberta para aproveitar o interesse do público, como o Sinal Verde. Apresentado por Reginaldo Leme, estreou ainda na década de 1980, mas teve dias memoráveis nos anos seguintes, chegando a atingir 45 pontos antes das corridas.

O século XXI e o impacto na audiência da Fórmula 1

Após o trágico falecimento de Ayrton Senna, o Brasil continuou a acompanhar a Fórmula 1, alçando o jovem Rubens Barrichello como principal figura nacional da categoria. Em 2000, já na Ferrari, Barrichello disputou continuamente o título mundial, chegando a ser vice duas vezes e travando batalhas épicas contra Michael Schumacher. Uma delas, inclusive, virou parte da cultura pop, quando, ao final de um Grande Prêmio, Cleber Machado soltou o icônico “hoje, não, hoje, não, hoje, sim”, logo após o brasileiro ceder a primeira colocação ao companheiro de equipe.

Na sequência de Barrichello, Felipe Massa passou a disputar nas cabeças da Fórmula 1. Depois de alguns anos na Sauber, chegou à Ferrari, em 2006, tornando-se um dos protagonistas da categoria. Nas temporadas seguintes, rivalizou com o inglês Lewis Hamilton pelo topo dos mundiais, alcançando o vice-campeonato em 2008. Sofreu um grave acidente em 2009, e após o retorno em 2010, não conseguiu o mesmo nível de disputa dos anos anteriores.

Felipe Massa

Os números da audiência seguiram rigorosamente o caminho dos pilotos brasileiros. De acordo com o Uol, em 2000, na primeira corrida do ano, a TV Globo registrou 26 pontos de audiência, com 48,1% de share. O índice se manteve na casa dos 16, até 2008, quando chegou em 10.4. Logo após a perda de protagonismo de Massa, a queda ficou mais visível, e os primeiros Grande Prêmios do ano foram de 7.1 em 2011 para 4.4 em 2018, um recorde negativo histórico para a TV Globo.

Falta de protagonismo do Brasil

A falta de brasileiros no topo da Fórmula 1 – atualmente, a ausência total na categoria – é uma das grandes responsáveis pela queda de popularidade no país. Os grandes momentos do esporte em território nacional tinham representantes do Brasil, com Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna, Barrichello e Massa.

Uma pesquisa realizada com leitores do jornal O Globo, um mês depois da conquista do tricampeonato de Ayrton, em 1991, mostrou que 39,46% dos entrevistados consideravam Senna o maior ídolo do esporte brasileiro. Enquanto isso, a Fórmula 1 era apenas o quarto esporte na preferência do público, com 7%, contra os 49% do líder futebol. Portanto, o interesse do brasileiro não era somente na Fórmula 1, mas sim nos competidores que representavam o país.

Eterno ídolo

A tese se confirma novamente na derrocada da audiência, quando em 2018, a corrida inicial do Mundial não alcançou os 5 pontos de Ibope. A temporada foi a primeira da atualidade a não contar com nenhum brasileiro na lista principal de competição. Logo, a falta de representantes nacionais afastou o público da TV.

Queda na competitividade: a Fórmula 1 não é mais como antes?

Um comentário bastante recorrente nas reclamações sobre o esporte se refere à falta de emoção nas corridas. Em declarações recentes, o próprio Lewis Hamilton reconheceu a questão e chegou a pedir desculpas: “não é o que os fãs querem e espero que as pessoas saibam que não é nossa culpa”, disse o astro após o GP da Bélgica.

A tal ”obviedade’ nos resultados se reflete até no mercado de apostas esportivas, sobretudo, nos portais especializados em predições para auxiliar os aportadores, que evidenciam a questão da competitividade em suas análises antes das provas. Observando as publicações dos sites é possível perceber que os prognósticos para as corridas da temporada trazem sempre os mesmos nomes: Hamilton, Bottas e Verstappen.

E não poderia deixar de ser, já que é assim que se configura o cenário atual do esporte. Nas sete primeiras corridas, por exemplo, a Mercedes venceu seis, o que tende a se manter durante toda a temporada de 2020, sem grandes surpresas.

Entendendo o cenário, a própria Federação Internacional tem buscado alternativas. Para 2021, será aplicado um teto de gastos para as equipes, com o objetivo de equiparar a competitividade entre os pilotos, já que Red Bull, Ferrari e Mercedes se descolaram demasiadamente das restantes e dominam os campeonatos.

Ainda há outras medidas sendo discutidas pelas equipes, como a redução da turbulência dos carros na pista, já para a temporada 2022; e o limite do desenvolvimento aerodinâmico. O objetivo é que o ‘top 3’ não produza projetos de veículos muito acima das outras marcas e continue com a superioridade evidente dentro das pistas.

A ‘salvação’ da audiência na TV e os novos caminhos da Fórmula 1

A Liberty Media, responsável pela gestão da marca Fórmula 1, assumiu os trabalhos já na década de 2010 com o objetivo de recuperar a audiência da categoria na TV e ‘levantar’ a presença digital da F1. Não é só no Brasil que o esporte perdeu terreno. Até o Reino Unido, importante mercado para os negócios, mesmo com o protagonismo de Hamilton, registrou queda dos números de audiência.

Valtteri Bottas

Pelo menos no Brasil, houve uma recuperação dos números na TV em 2019. Após anos consecutivos de queda, de acordo com o Painel Nacional de Televisão (PNT), a TV Globo conseguiu uma média de 9 pontos no Ibope ao longo do Mundial, o que representou um aumento de 18% em relação a 2018.

Nos 20 principais mercados da Fórmula 1, a Liberty Media estima que quase 2 bilhões de pessoas assistiram ao campeonato, um aumento de 6.2% em relação a 2018. O Brasil estaria próximo dos 100 milhões de expectadores.

Um dos grandes problemas para a Liberty Media é que certos países têm optado por deslocar a Fórmula 1 para canais pagos, o que ocorreu no Reino Unido. Com a saída da TV Globo, caso as partes não entrem em acordo e nenhuma outra rede aberta assuma o campeonato, a tendência é que ou ‘suma’ da TV brasileira ou se restrinja a canais fechados.

Por isso, além de reter audiência na TV, a Liberty Media luta para alcançar as novas gerações e criar o interesse pelo esporte. Assim, a Fórmula 1 tem lançado novas maneiras de interagir com seu público, principalmente os jovens, produzindo série para o Netflix e promovendo ligas de e-sports.

Um dos diretores globais da F1, Matt Roberts, cita que só 14% do público da Fórmula 1 tem menos de 25 anos. Apesar de fazer sentido com a própria população global, Matt reforça a necessidade de trazer novos fãs para a modalidade.

“Nós trabalhamos muito para descobrir quem está se tornando novos fãs. 62% dos novos fãs têm menos de 35 anos. Coisas como Netflix, eSports, F1 TV Pro, etc. têm sido extremamente úteis para aumentar esse público”, cita Matt.

Conclusões: para onde vai a Fórmula 1?

Apesar de não apresentar os números expressivos de audiência na TV que já foram constantes em outros tempos, a Fórmula 1 ainda pode encontrar diferentes nichos de mercado no Brasil. O ramo de apostas esportivas evidencia esse interesse mantido pelo público, visto que a modalidade continua sendo destaque nas páginas iniciais dos principais sites em operação no Brasil.

As altas cifras movimentadas pelo mercado também abrem a possibilidade para a criação de um universo de conteúdos relacionados ao ramo de apostas esportivas. O streamming para as corridas no YouTube e as publicações nas redes sociais também constituem novas maneiras de continuar abordando o esporte.

Portanto, ao mesmo tempo em que se percebe a redução do interesse pelo automobilismo na TV aberta e no rádio, observa-se também uma migração para outros lugares na internet. E isso não é uma exclusividade da Fórmula 1. Estaria a modalidade, então, seguindo um curso natural na atualidade?

AS - www.autoracing.com.br

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