Série Grandes Duelos Nelson Piquet X Nigel Mansell 18/03/2004)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 às 20:48
Mansell x Piquet

Os Duelos, na Fórmula 1, são ganhos dentro e fora das pistas. Abalar psicologicamente seu adversário faz parte do jogo, e pode render pontos preciosos no fim do campeonato. Nelson Piquet usou e abusou de sua malandragem para superar Nigel Mansell – mas não saiu dessa briga sem alguns arranhões.

A verdade é que Piquet errou ao menosprezar o Leão quando assinou com a Williams para a temporada de 1986. Como a Brabham já andava meio mal das pernas, perdendo o rumo por conta de seu dono, Bernie Ecclestone, envolver-se cada vez mais com a politicagem do circo da F-1, o brasileiro viu a proposta de Frank Williams como um grande negócio: voltaria a pilotar um carro com pinta de campeão e dividiria as atenções da equipe com um cara tido por muitos como um pateta veloz. Piquet pensou que seria sopa no mel detonar o inglês, só que não foi. Ainda na temporada de 1985, Mansell começou a mostrar os resultados que fariam seu nome no futuro. Detonou o companheiro de equipe Keke Rosberg, campeão do mundo em 1982, e venceu provas com estilo, garantindo um lugar no time para o ano seguinte.

Um sujeito bem difícil de trabalhar, Nigel vivia imerso em suas paranóias, perdido numa síndrome da conspiração que o impedia, até então, de transformar sua incrível velocidade em pódios. Toda vez que ele metia a cara no muro arranjava um jeito de culpar alguém, como se duendes malvados vivessem sabotando seu F-1. Quando as vitórias começaram a aparecer, o Leão ganhou confiança e passou a acreditar que era um piloto supimpa, tão bom quanto quaisquer prosts e sennas da vida.

Acreditando em seu taco como nunca antes, Mansell iniciou a temporada de 1986 disposto a calar a crítica. O problema era que Piquet havia sido contratado a peso de ouro para levar a equipe ao título e, por isso, acreditava que deveria ter as atenções principais da equipe. Talvez essa preferência realmente tivesse ocorrido se Frank Williams não tivesse sofrido o acidente que mudaria sua vida para sempre.

Com o chefão entre a vida e a morte numa cama de hospital, a equipe Williams decidiu apelar para o coração e trabalhar para que Nigel, um inglês como eles, vencesse o título. Nelson não gostou nada daquilo e passou a andar para cima e para baixo com seu contrato na mão, mostrando que o documento lhe garantia os privilégios de ser o primeiro piloto. Patrick Head, braço direito de Frank e então manda-chuva interino da equipe, deixou Piquet falando sozinho e decidiu deixar a briga entre os seus pilotos rolar solta.

A guerra civil na Williams acabou custando o título mundial de pilotos. Numa prova inesquecível, onde os pneus Goodyear sofreram o diabo debaixo de um calor do cão, Alain Prost contou com a sorte de um pit stop não programado no início da prova para faturar um campeonato onde era um tremendo azarão. Sua McLaren nunca havia sido páreo para as Williams, mas o professor narigudinho soube colher os pontos que a dupla da Williams deixou pelo chão. Na prova final, Mansell teve que abandonar depois sofrer uma tremenda explosão de pneu, e Nelson precisou deixar a vitória de bandeja para Prost ao parar nos boxes nas últimas voltas para trocar seus Goodyears esmerilhados.

Piquet percebeu que não dava para bater de frente com todo o time e decidiu traçar uma estratégia para chegar ao caneco em 1987. Se Head gostava de pegar os acertos do brasileiro e passar para o carro de Mansell, então Piquet escolheria trabalhar sozinho. Suas artimanhas e sacadas só eram divulgadas para uma meia dúzia de mecânicos fiéis. Mansell, que era uma droga quando o assunto era acertar carros, além de odiar treinos livres e não entender patavinas de mecânica, logo se viu em maus lençóis.

Faltava ainda superar um obstáculo, e dos grandes, para Piquet ganhar o título: inegavelmente, o inglês era o cara mais rápido do circo. Tudo ficou mais difícil após o terrível acidente do brasileiro na mesma curva Tamburello que levaria, anos mais tarde, Ayrton Senna; Piquet escapou por pouco e carregou seqüelas para o resto da vida, não conseguindo mais alcançar seus limites. A solução que encontrou foi usar seu senso de humor ácido para tirar Mansell do sério.

Era a saída para bater um piloto que ele reconhecia ser super veloz: “Uma coisa precisa ser dita sobre Mansell: o cara era rápido pacas!” admitiu anos depois. Para frear o inglês, Nelson decidiu jogá-lo em inúmeras armadilhas para tirá-lo do sério.

Em matéria de encher o saco dos outros, Piquet é imbatível. Passou a zoar da mulher do Mansell, falando que ela era a mais feia do paddock, detonando a pessoa que o inglês mais amava no mundo, que havia acreditado nele a ponto de hipotecar sua casa para financiar a carreira do marido. Depois tirou sarro das desculpas esfarrapadas que Mansell soltava quando fazia alguma besteira nas pistas, principalmente quando voltava para os boxes mancando de uma perna e fingindo sentir dor. Detonou o bigode do Leão e o taxou de chorão, reclamão e crianção. Arranjou encrenca com toda a torcida inglesa, chegando mesmo a esculhambar Murray Walker, o maior jornalista de automobilismo de lá, numa entrevista ao vivo. E quando Patrick Head quis dar um fim naquilo tudo, Piquet lhe mostrou um contrato milionário para pilotar para a Lotus em 88, levando junto os motores Honda (o que, no futuro, provaria ter sido uma grande roubada).

Nigel Mansell colecionou em 1987 tantos abandonos quanto vitórias, enquanto Nelson faturou uma seqüência de pódios incrível. No final do ano, mesmo tendo conseguido 3 vitórias contra 7 de Mansell, Piquet chegou a Suzuka, penúltima corrida da temporada, com uma liderança confortável.

Mansell deu tudo nos treinos e acabou batendo o carro fortemente contra os pneus. Foi para o hospital, onde avisou que não tinha condições de correr mais no campeonato, o que deu o título para Nelson Piquet. “Ele ficou com medo e jogou a toalha”, metralhou o tricampeão.
Depois de tanta briga, a relação entre os dois tornou-se a pior possível nos anos seguintes. Se Mansell visse Piquet numa sala, dava meia volta e ia embora. Por sua vez, o brasileiro aproveitava todas as oportunidades para azucrinar o inglês, mesmo quando ele passou a detonar recordes e se tornou um grande ídolo.

A última vitória de Piquet na F-1 foi também sua chance final de acabar com Mansell. Em 1991, pilotando uma Williams incrível, Mansell liderava o Grande Prêmio do Canadá e estava a um passo de conquistar uma importante vitória contra Ayrton Senna, que estava em primeiro no campeonato. Nigel estava tão feliz que começou a acenar para a torcida durante a última volta, só que andou tão devagar que deixou o motor morrer. Quem vinha em segundo e faturou a prova? Sim, Piquet, que subiu ao pódio rindo horrores da bobeada do inglês.

“Quando vi ele parado na pista, quase tive um orgasmo!”, falou Piquet na sala de imprensa, após a prova. Coitado desse Mansell; o cara sofreu nas mãos de Nelson.

Olavo Bittencourt Neto
olavo@autoracing.com.br

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