Reabastecimento e mais aero na F1? Péssimas ideias

segunda-feira, 18 de maio de 2015 às 2:27
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Reabastecimento na F1

Por: Adauto Silva

Eu já tinha algumas piadas prontas para publicar depois que o Grupo de Estratégia da F1 se reunisse. Uma delas era que a única coisa que eles concordariam seria a data da próxima reunião do Grupo de Estratégia. Mas desta vez os caras não podem ser acusados de inatividade. No entanto, inatividade parece ser uma ótima ideia comparado ao que eles teriam concordado.

O Grupo de Estratégia da F1 é composto por Jean Todt (presidente da FIA), Bernie (aquele mesmo de sempre) e seis das equipes de F1. São 18 votos divididos igualmente entre os três “blocos”. As equipes representadas são as cinco “grandes” Ferrari, Red Bull, Mercedes, McLaren, Williams e uma sexta equipe, que é escolhida com base na colocação do campeonato de construtores do ano anterior, por isso a Force India.

Como todos os atores do Grupo de Estratégia têm mostrado apenas interesses próprios, as resoluções de seus encontros têm variado entre inúteis e malignas. No entanto, desta vez, como descobrimos a partir comunicado de imprensa da FIA, eles conseguiram produzir uma vasta e original combinação das duas.

A volta do reabastecimento – se confirmada – será uma surpresa e tanto. E das piores. É claro que isso tornaria os carros mais rápidos, uma vez que eles ficariam mais leves, mas esse é o único ponto positivo contra todos os negativos. A primeira coisa que penso é no perigo adicional desnecessário. Depois há os custos, que são muitos e foi o o principal motivo pelo qual foi derrubado para 2010 em primeiro lugar.

O custo de comprar o equipamento e transportá-lo ao redor do mundo é considerável. As equipes terão também que contratar mais gente e treiná-las para lidar com isso. Depois, há os custos adicionais de re-projetar totalmente um carro em torno de um tanque menor…

Mas esses nem são os maiores problemas. A declaração da FIA sobre as mudanças fala de um plano de “corridas emocionantes”. No entanto, nenhum deles parece se lembrar de quão distante as corridas estavam de “emocionantes” durante a era do reabastecimento, que foi de 1994 a 2009. A F1 hoje parece ter muita nostalgia, mas nenhuma memória.

Durante a era do reabastecimento, raramente os carros de F1 corriam uns contra os outros. Praticamente não havia batalhas roda a roda. Sem exagero, tudo o que tínhamos normalmente era a classificação, a largada, uma primeira volta agitada e depois… nada mais. As estratégias de combustível dominavam completamente o cenário das corridas. Rob Smedley, hoje na Williams, chegou a dizer – no ano passado – que o resultado das corridas naquela época era conhecido na classificação de sábado, a não ser que houvessem quebras ou chuva na corrida de domingo.

E as estatísticas confirmam isso. O site Clip the Apex compilou o número de ultrapassagens em pista desde 1981. Naquela época eram mais de 40 ultrapassagens por corrida em pista seca. O número foi caindo gradualmente (enquanto a importância da aerodinâmica aumentava), embora ainda em 1993 realizou-se um pouco mais de 25 por corrida.

Então em 1995, com as equipes já tendo experiência de 1 ano com a regra de reabastecimento, o número de ultrapassagens desabou para 13 em média (com pista seca), e entre então e 2009 girou em torno de pouco mais de 10 por corrida por temporada. E pior ainda, eram míseras 10 ultrapassagens que ninguém via, pois aconteciam quase todas no pelotão de trás. No pelotão da frente criou-se as famigeradas “ultrapassagens de box” com a esmagadora maioria das corridas tornando-se procissões de carros em alta velocidade.

Em 2010, primeiro ano da proibição do reabastecimento, o número de ultrapassagens por corrida seca imediatamente duplicou para 21,5. Claro que podemos discutir se estamos tendo muitas ultrapassagens posterior a isso com DRS e os chicletes da Pirelli, mas isso é outra história.

Mas, por que o número de ultrapassagens desaba com reabastecimento? Principalmente por duas razões. Uma delas é que, com o reabastecimento, a tentação de “esperar para as paradas” (uma espécie de mantra na época), em vez de passar na pista tornou-se menos arriscada e portanto endêmica. A outra é que com reabastecimento e troca de pneus, não há mais razão para se variar o ritmo de corrida. E é a variação de ritmo que muitas vezes cria as ultrapassagens.

E qual é o outro fator num monoposto que mata as disputas roda a roda e portanto as ultrapassagens? A aerodinâmica. Quanto mais dependente do ar limpo um carro de F1 for, menos ele pode andar perto de outro, pois lá onde ar é sujo, o carro perde estabilidade e o piloto que está atrás tem que tirar o pé. Sabe quando o ar começa a ficar sujo para o carro que está atrás seguir o da frente? A cerca de 50 metros de distância!

Lembra-se da classificação em Monza 2006? Pois é, Alonso foi punido porque estava atrapalhando Massa que vinha 50 metros atrás do espanhol a volta inteira! Lembra-se da asa traseira que a Williams adotou em 2002 ou 2003 para atrapalhar ainda mais o carro que vinha atrás? Isso mesmo, a asa criava ainda mais turbulência atrás dela para dificultar qualquer aproximação dos adversários.

A única maneira de se aumentar a dependência aerodinâmica sem atrapalhar o carro que vem atrás é o efeito solo. Mas a F1 nunca permitiria sua volta, pois isso deixaria os carros tão rápidos em curva que os tornaria perigosos demais para os padrões da FIA (não para os meus!). Portanto, incrementar o downforce dos carros permitindo asas maiores ou mais baixas, ou mesmo outros penduricalhos aerodinâmicos, não deveria sequer ser cogitado.

Na F1 atual certamente há coisas que devem mudar, assim como falamos disso no texto anterior. Mas um retorno à era do reabastecimento e carros ‘aero-dependentes’ não chega nem perto de ser a solução. A prova é que isso já foi tentado e simplesmente não funcionou. Como diz o ditado, “aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a revivê-lo”.

 Adauto Silva

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