Quando um piloto muda de vida

terça-feira, 31 de dezembro de 2013 às 14:36

Casey Stoner

Sebastien Loeb é o mais recente campeão do mundo que optou por mudar de ares na sua carreira. Ao longo da história, vários pilotos de elite procuraram outras sensações em campeonatos de duas e quatro rodas.

Depois de ganhar nove campeonatos do WRC, arrecadar dezenas de milhões de euros em rendimentos e obter a aclamação universal como um dos gigantes do automobilismo, Sebastien Loeb fez uma opção curiosa para o ano de 2013, mudando para os GT e em 2014 vai estrear no competitivo WTCC. Neste intermédio, e para que não se despedisse totalmente dos ralis, escolheu um miniprograma de quatro eventos (onde não podiam faltar, claro, o Rali de Monte Carlo e o Rali de França na ‘sua’ Alsácia) e depois decidiu experimentar diversos campeonatos bem diferentes da realidade que conheceu nos ralis durante 15 anos.

O pluricampeão do WRC participou em eventos tão díspares como Pikes Peak (no regresso oficial da Peugeot), a FIA GT Series (ao lado de Álvaro Parente), ou a Porsche Supercup (onde esteve na pista com o rival Sebastien Ogier). Ou seja, Loeb, aos 39 anos, teve a época mais multifacetada da sua carreira e nem se pode dizer que o francês teve um ano mais ‘descansado’ agora que se retirou do WRC. Como tantos outros grandes campeões do esporte motorizado, Loeb é um animal competitivo, e isso não se apaga de um dia para o outro. São vários os exemplos de campeões do presente e do passado que sentiram a necessidade de experimentar outras realidades competitivas, outros desafios em alguma fase das suas carreiras.

O pioneiro dos grandes campeões versáteis foi John Surtees. O britânico ainda hoje é o único piloto que foi campeão do Mundo em duas e quatro rodas, e logo nos campeonatos de topo das respetivas modalidades: o Mundial de Motociclismo e a Formula 1. Surtees era filho de um vendedor de motos e foi naturalmente por aí que começou a sua carreira nas pistas. Chegou a campeão do mundo nas 500cc em 1956 com a MV Agusta, mas foi entre 1958 e 1960 que o talentoso inglês deixou uma marca indelével no motociclismo, vencendo os títulos de 350cc e 500cc em três temporadas consecutivas, sempre com as motos do Conde Agusta. Aos 26 anos, mudou-se para a Formula 1 em tempo integral e cinco temporadas depois, em 1964, foi campeão do mundo com a Ferrari.

Surtees foi sem dúvida o pioneiro mas a mudança de pilotos do Mundial de Motociclismo para os automóveis tornou-se cada vez mais regular. Eddie Lawson, por exemplo, tornou-se uma lenda do Mundial de 500cc ao ser campeão por quatro vezes (três com a Yamaha e uma com a Honda), mas no início dos anos 90 sentiu-se atraído pelas corridas de monopostos. O californiano, que nas motos era conhecido pelo estilo eficaz e capacidade técnica, adaptou-se com alguma facilidade aos fórmula e chegou a ser um piloto de sucesso na IndyLights, conseguindo uma vitória em 1994 e mais oito pódios na sua carreira. Ainda disputou uma temporada parcial no campeonato CART no qual obteve dois sextos lugares. Talvez tenha sido os reflexos e as linhas de trajetória exigidos pelas brutais 500cc de dois tempos que auxiliaram Lawson na bem sucedida transição para os monopostos, onde a pilotagem também deve ser o mais ‘limpa’ e eficaz possível.

No início deste ano, Casey Stoner tornou-se o mais recente campeão do mundo de motociclismo a enveredar pelos carros, depois de se retirar das duas rodas. O australiano abandonou o MotoGP com apenas 27 anos mas como queria passar mais tempo com a família na Austrália, juntou o útil ao agradável: a adrenalina dos populares V8 Supercars e o fato de não ter de viajar meses a fio pelo mundo inteiro. Foram vários os pilotos que trocaram as duas pelas quatro rodas, mas o percurso inverso também sucedeu. Ainda que mais por diversão do que outra coisa qualquer, Michael Schumacher, quando saiu da Ferrari, chegou a competir nas motos, mas uma queda com alguma gravidade, o fez recuar. Regressou ainda à F1 com a Mercedes em 2010, terminando definitivamente a sua carreira no final de 2012.

Mas se os pilotos de motos levam alguns conceitos de pilotagem para as corridas de automóveis, o mesmo aconteceu no passado com os campeões de ralis que a determinada altura enfrentaram a dureza do Dakar. Os finlandeses Ari Vatanen e Juha Kankkunen foram os primeiros campeões do mundo de ralis que conseguiram repetir esse sucesso na mais dura maratona de fora de estrada, com Vatanen ganhando por quatro vezes o Dakar e Kankkunen uma. Duas décadas mais tarde, Carlos Sainz fez o mesmo percurso dos dois finlandeses, mas demorou mais tempo até conseguir vencer o Dakar com a milionária Volkswagen, triunfo que só aconteceu na quinta participação do espanhol, em 2010.

Mais recentemente, o europeu de ralicross parece ter despertado o imaginário dos pilotos do WRC. A possibilidade de guiar carros com 600 cavalos em pistas cheias de espectadores e com mais cinco ou seis rivais em luta direta, é uma fórmula que atraiu nomes como Marcus Gronholm, Petter Solberg e o próprio Sebastien Loeb. Gronholm, na altura já bicampeão do WRC, causou sensação ao ganhar logo a sua prova de estreia no europeu de ralicross, na pista sueca de Holjes, em 2008. Depois disso, o veterano finlandês já fez uma tentativa para bater o recorde da famosa Pikes Peak, mas um furo e problemas mecânicos não o deixaram ir além do quinto lugar (segundo da classe Unlimited) ao volante de um Ford Fiesta especialmente preparado. Mas Gronholm também brilhou no Global Rallycross, uma espécie de campeonato de ralicross à americana, onde ganhou duas provas em 2012.

Outro exemplo de um piloto multifacetado foi Colin McRae, que fez as delícias dos adeptos dos ralis. O escocês guiava tudo o que tivesse rodas, algo que começou logo aos 13 anos quando se tornou, ainda na escola, campeão de motocross. O percurso nos ralis é conhecido. Despontou na Subaru, onde foi campeão do mundo, em 1995, passou para a Ford, onde foi menos produtivo, ainda assim com muitos triunfos, terminando a sua carreira no WRC, na Citroën ao lado de Sebastien Loeb e Carlos Sainz. Também fez uma pequena passagem pela Skoda, onde voltou a mostrar ao mundo dos ralis, como se dava um espetáculo. Pelo meio, passagens pelas 24 Horas de Le Mans e pelo Dakar, num ponto em que já tinha experimentado também no off road. Até um Formula 1 pilotou. Dava espetáculo com tudo o que lhe passava pela mão, infelizmente, também com o helicóptero que lhe tirou a vida em 2007.

Os carros e pistas do WRC atraíram Kimi Raikkonen quando do seu hiato na Formula 1, em 2010 e 2011, mas o finlandês não só teve resultados modestos nas duas temporadas como ainda deixou poucas saudades no campeonato, devido à personalidade fria e pouco sociável. Apesar de um pouco mais expansivo, Mika Hakkinen também não foi totalmente feliz na sua incursão pelo DTM após abandonar a Formula 1. O bicampeão do mundo com a McLaren esteve três temporadas com a Mercedes no DTM mas nunca conseguiu verdadeiramente entrar na luta pelo título, apesar de ter conseguido três vitórias e mais cinco pódios num dos campeonatos mais equilibrados da Europa. Dificuldades semelhantes às sentidas por outros pilotos fora da Formula 1, como Robert Kubica na sua recente incursão pelos ralis, apesar do título do WRC2, ou Juan Pablo Montoya na NASCAR. O ‘Professor’ Alain Prost, por outro lado, foi bem mais feliz na opção pelo gelo do Troféu Andros, onde já obteve três títulos e foi uma das estrelas da competição. São muitos os exemplos de trocas de modalidade, e com maior ou menor êxito, são muito poucos os que não se deixam seduzir por algo que lhes devolva a adrenalina que se habituaram a sentir.

Não foi uma mudança de carreira… apenas uma demonstração de talento de Ayrton Senna num contexto diferente dos monopostos. Depois de obras para adaptarem o antigo circuito de Nurburgring à Formula 1, a pista foi reinaugurada em maio de 1984 e a Mercedes-Benz não quis deixar passar a ocasião em branco. A marca alemã convidou um impressionante lote de antigos (e futuros) campeões do Mundo de F1 para uma prova com os Mercedes 190E 2.3 Cosworth. À última hora, um jovem brasileiro de 24 anos foi chamado para substituir o compatriota Emerson Fittipaldi, num grid onde estavam, entre outros, Jack Brabham, Phil Hill, John Surtees, Denny Hulme, Niki Lauda, Jody Scheckter, Alan Jones, Keke Rosberg, Elio de Angelis e Alain Prost, O jovem Senna tinha chegado à Formula 1 apenas dois meses antes mas qualificou-se em segundo… atrás de Prost. Minutos antes da largada, um aguaceiro abateu-se sobre o Nurburgring e com condições de aderência precárias e carros idênticos, Senna brilhou. Na primeira curva, saltou logo para primeiro ao se colocar ao lado de Prost – que aliviou o acelerador – e partiu depois para uma exibição que maravilhou toda a gente. No final, Senna ganhou a corrida da Mercedes na frente de Lauda e de Reutemann, enquanto Prost caia para o 15º lugar. John Surtees, 11º nessa corrida, escreveria depois uma nota a Enzo Ferrari dizendo que se o Comendador quisesse virar a sorte da Ferrari, deveria contratar aquele jovem brasileiro…

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