Quando um piloto marca seu território

terça-feira, 7 de janeiro de 2025 às 16:15

José Carlos Pace – Ferrari 312PB

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

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José Carlos Pace tinha fama de só escutar o que lhe interessava, daí o apelido “Moco” um derivativo da antiga expressão “ouvidos moucos” estigmatizando pessoas de audição limitada.

No dia 23 de agosto 2024 os restos mortais de Pace falecido em 1977 foram retirados do Araçá, importante cemitério paulista. O túmulo sofrera ação de vândalos e estava destruído. A ossada dentro de um ataúde seguiu para Interlagos.

Pouco depois da entrada do autódromo existia um busto quase esquecido de Carlos Pace, o lugar agora reformado ganhou paisagismo e uma lapide onde se lê: “Enquanto suas histórias, lutas e conquistas forem lembradas, você continuará vivo no automobilismo e no coração de todos os brasileiros”.

Tão logo a tumba foi coberta pela terra, convidados, amigos e parentes aplaudiram demoradamente a semelhança de uma celebração. Hoje Moco descansa no circuito que leva seu nome e Interlagos é o único autódromo a ter um piloto sepultado em seu terreno.

Mundial de carro esporte e protótipos 1972. 1000 km da Áustria… Á convite da Ferrari o brasileiro participa da corrida em dupla com Helmut Marko. O segundo lugar atrás do dueto principal Ickx / Redman lhe garante um contrato para 1973 nas provas de longa duração.

24 Horas de Spa-Francorchamps 1973… Talvez tenha sido Pace primeiro piloto a contornar pé embaixo, sem aliviar ou frear a curva Eau Rouge. Atualmente devido à enorme pressão aerodinâmica dos carros de F1 os pilotos fazem a curva em aceleração máxima.

Outrora boa parte do circuito de SPA utilizava vias públicas, portanto era considerada pista de estrada. Uma volta longa, 3 min. 12 seg., e média horária assustadora de 262 km/hora, a F1 corria em Zolder. Os carros da divisão protótipo na época se tornaram muito rápidos graças ao regulamento pouco restritivo, e 90% dos pilotos da F1 corriam no mundial de resistência, fora os especialistas da categoria.

Jacky Ickx rei das pistas complicadas, um mestre da chuva, imbatível em Nurburgring, e até mesmo por ser belga o especialista de SPA… A Ferrari havia inscrito 02 protótipos 312PB para Ickx / Redman e Pace / Mezário.

No treino Moco vinha batendo sucessivamente as marcas do piloto belga. Intrigado, Jacky pediu uma reunião com o chefe da equipe Peter Schetty e Pace. Solicitaram que o brasileiro descrevesse qual marcha utilizava em cada curva do circuito, onde freava o grau de aceleração etc.

Carlos Pace disse que atingia velocidade máxima na reta que antecede a Eau Rouge e dessa forma contornava a curva em quinta marcha sem desacelerar… Impossível protestou Ickx, nesse ponto em quinta marcha você está a 330 km, ninguém faz a Eau Rouge nessa velocidade.

Vamos dar uma volta, siga meu carro e eu lhe mostro respondeu Pace… Ele não estava sendo arrogante, para Moco aquilo era normal. Assim que as duas Ferraris saíram dos boxes, uma atrás da outra, a notícia tinha se espalhado e algumas pessoas, entre elas Frank Willians, foram para Eau Rouge assistir o desafio.

A Ferrari de Moco mergulhou a mais de 300 km no temido declive da Eau Rouge, pé cravado escorregando levemente nas quatro rodas e muito embalo para a subida da Raidillon. Jacky Ickx reconheceu a coragem, sangue frio e habilidade de Pace.

Frank Willians admirado divulgou para imprensa: Carlos havia domado a Eau Rouge. Durante a tarde, jornalistas, ex-pilotos, chefes de equipe se posicionavam na curva para ver Moco passar. O feito extraordinário foi destaque por toda Europa.

A estreia de Pace na F1 aconteceu em 1972 pela equipe Willians, uma das piores do grid. Frank lutava contra a falta de dinheiro, comprara dois carros velhos e aposentados pela equipe March oficial. Moco conseguiu com esse carro marcar pontos 02 vezes na temporada, lembrando que apenas os 06 primeiros pontuavam. Um feito e tanto.

No ano seguinte correria pela Surtees, escuderia de média para baixo, e uma performance espetacular nos 22 km de Nurburgring. Partindo de P11 bate três vezes consecutivas o recorde de volta que durava seis anos, no último giro chega a descontar 14 segundos para o terceiro colocado, finaliza em quarto.

Prova seguinte Áustria circuito de Osterreichring… Pace termina no pódio terceiro colocado e registra a melhor volta da corrida sem os atuais subterfúgios de colocar pneus macios direcionados para apenas uma volta.

Ao fim do campeonato em meio a tradicional cerimônia de entrega de prêmio, Moco recebeu um troféu condigno de sua atuação no “inferno verde”. O melhor desempenho individual de um piloto numa corrida em 1973. Carlos Pace marcava definitivamente seu território na F1.

Antes mesmo de procurar Niki Lauda e trazer de volta Clay Regazzoni, a Ferrari ofereceu para Moco um contrato como piloto de F1. O diretor da escuderia Luca de Montezemolo declarou no GP Brasil de 1974: Ele só não está correndo conosco porque não quer.

Hoje parece total loucura alguém com apenas 02 anos na categoria recusar um convite da Ferrari. Mas quem sabe se os termos do acordo não desagradaram o piloto ou quem pode imaginar quão sedutora foram às promessas da Surtees. Por outro lado, a equipe vermelha não ganhava nada desde 1964, terminou 1973 como sexta força do grid brigando pela posição com BRM e Shadow, atrás da March, apenas 05 pontos na frente da Surtees.

Um desastre aéreo tirou a vida do brasileiro no ano de 1977 após 05 temporadas na F1. A morte prematura impediu cumprir-se a profecia: “José Carlos Pace será campeão mundial”.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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