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segunda-feira, 20 de junho de 2022 às 17:00

Jacky Ickx – Nurburgring 1967

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

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Uma notícia insignificante, o ano 1967: “GP Alemanha, autódromo de Nurburgring, Jim Clark – Lotus fez a pole position 8 min. 4 seg. 1 décimo, Denny Hulme – Brabham larga em segundo 8:13:5. Devido extensão do circuito 22.834 km, a organização resolveu juntar na mesma prova os carros da F2 e F1. Grande surpresa nos treinos classificatórios, Jacky Ickx, um belga de 22 anos e seu pequeno Matra F2 com a terceira melhor marca 8:14:0”.

Incrível, mas quem era esse garoto de tamanha ousadia do qual nunca ouvira falar? A frente do tricampeão Jack Brabham, das Ferraris, da outro Lotus pilotado por Graham Hill e apenas meio segundo atrás de Hulme, atual líder do campeonato.

Dia seguinte o jornal estampava manchete sobre a captura do bandido da luz vermelha, destaque para os Jogos Pan-americanos, terceira colocação do Brasil abaixo de EUA e Canadá. Matéria considerável e o triunfo da Alfa Romeo Giulia TI 1600 com Piero Gancia nas ruas de Piracicaba, interior paulista, acompanhada por 30 mil pessoas sem adequada segurança.

Texto lacônico quase um mero registro, vitória de Denny Hulme em Nurburgring, havia ampliado liderança no campeonato para treze pontos, e nenhuma palavra sobre Jacky Ickx ou Jim Clark, piloto impossível de ser batido no inferno verde. O periódico informava acidente na categoria Gran Turismo, corrida preliminar, Roland Katz saiu da pista atingindo torcedores, uma mulher morreu e três outros ficaram feridos.

Bem, a prova aconteceu dia seis de agosto e o único jeito era esperar revistas especializadas chegarem às bancas em setembro e conseguir maiores informações sobre o GP alemão ou talvez com sorte, escutar no rádio AM alguma sinopse. Quanto a TV, cobertura zero.

Certas livrarias, poucas é verdade, vendiam jornais, magazines importados. Uma revista portuguesa sobre carro e turismo, opção ideal para um monoglota, concedia espaço generoso a F1, lindas fotos, resenha primorosa, três, quatro páginas e um problema, desembarcava no Brasil com 60 dias de atraso.

Fascinado pelo autódromo germânico aprendi sua história e tradição que teve início ainda no Império Alemão. O rei Guilherme atendendo pedido dos fabricantes de carros resolveu bancar a construção, não apenas uma pista, mas também local permanente de teste para indústria automotiva alemã.

Decorrência da primeira guerra mundial, o projeto apesar de pronto foi esquecido. No ano de 1918, Guilherme renunciou ao trono, fim da monarquia e uma Alemanha devastada pela guerra, inflação, desemprego, pobreza.

Otto Creutz presidente do Deutsche Automobile Club jamais desistiu de Nurburgring, convenceu o prefeito de Colonia dar andamento ao projeto. Múltiplos seriam os benefícios, empregar 2.500 trabalhadores, estimular o desenvolvimento e progresso na região.

Começo das obras 1925, primeira corrida 1927 vencedor Rudolf Caracciola. Veio, então, a segunda guerra (1939), o autódromo, suas instalações e arquibancadas, serviu para refugiados de cidades alemãs bombardeadas.

Planícies verdes, ao redor da pista, transformadas em hortas, pasto, por fim completando destruição, o asfalto seriamente comprometido pela circulação dos tanques aliados após invasão do país. Depois anos de reforma (1949) emergiu novamente, desafiador, extenso, aterrorizante.

Voltando a Nurburgring 1967… Ickx pelo tempo obtido nos treinos ocuparia a primeira fila, formação 3-2-3, todavia os organizadores determinaram que os F2 seriam posicionados na retaguarda da categoria principal e separados por trinta metros. Jacky pole position em sua classe, 23.9 seg. mais rápido que o 2º melhor F2, vai largar em P18, tendo à frente dezessete carros da F1.

Numa tarde quente, ensolarada, Ickx partiu veloz, serpenteando pela floresta, meio as colinas Eifel ao redor de Adenau. Fim da primeira volta e estava em P12 – Volta três em P5, ultrapassara doze carros da F1 com o Matra de 1600 cilindradas – Quarta volta Jim Clark quebra, Dan Gurney lidera – Jacky supera a Ferrari de Cris Amon na quinta volta, agora ocupa o P4 e vai se aproximando do terceiro Jack Brabham.

A máquina apresenta sinais de fadiga, sucumbe à fúria de seu condutor e as agruras do circuito, Amon recupera posição. Aos trancos e barrancos Ickx mantém o quinto posto, todavia faltando três voltas desiste de vez, suspensão quebrada.

Cercado por uma infinidade de repórteres, Jacky se mostra discreto: “Existem 17 pontos onde os veículos perdem contato com o chão, talvez isso favoreça meu carro. Corri duas vezes em Nurburgring, provas longas noite a dentro, primeiro com um Mustang, depois no Lotus Cortina, conheço muito bem o traçado”.

Dois meses adiante Jacky Ickx estreia na F1, Monza, e o P6 dirigindo um Cooper-Maserati, ano seguinte 1968 contratado pela Ferrari. A primeira vitória foi alcançada no GP da França. Quinta corrida pela casa de Maranello, como sempre em condição adversa onde os bravos resplandecem.

Rouen-les-Essarts… Utilizava ruas e estradas da região, sem áreas de escape, ponto cego com desnível nas curvas em descida, circuito perigosíssimo e muita chuva durante a etapa francesa. Um piloto, Jo Schlesser equipe Honda, iria morrer queimado nessa corrida. Jacky Ickx venceu, liderou da primeira à última volta.

Questionado se gostava de chuva, respondeu: “Detesto correr no molhado, envolve demasiado perigo, acho que ocasionalmente meus oponentes ficam ainda mais perturbados”. Atitude polêmica foi deixar a GPDA, associação de pilotos liderada por Stewart em defesa da segurança: “Não posso imaginar uma corrida interrompida por causa da chuva ou boicotar certa pista, sob alegação de insegurança, nosso trabalho representa risco, vencer sem dificuldade semelha triunfar sem honra”.

Jacques Bernard Ickx disputou 114 GPs com 50 abandonos, 08 vitórias, sendo duas delas na seletiva Nurburgring, outras duas, França e Holanda com chuva, as quatro restantes em condições normais. Seis vezes vencedor das 24 Horas de Le Mans, campeão da série Can-Am (1979) e uma vitória no Rally Paris-Dakar.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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