Pilotos da Porsche comentam sobre a 24 Horas de Le Mans

sexta-feira, 16 de junho de 2017 às 16:28
Porsche em Le Mans

Porsche em Le Mans

Os seis pilotos de fábrica da Equipe Porsche LMP somam entre eles 37 participações na prova que é sem dúvida a maior corrida de automóveis do mundo. Cinco deles conquistaram a vitória na classificação geral. Mas não são apenas momentos de glória que vêm às suas mentes quando pensam nessa exigente maratona antes de sua próxima participação nos dias 17 e 18 de junho.

Na calma que antecede a tempestade, os pilotos partilham suas visões pessoais sobre esse clássico da endurance. O atual campeão do mundo Neel Jani (CH) divide em 2017 o Porsche 919 Hybrid número 1 com André Lotterer (Alemanha) e Nick Tandy (Grã-Bretanha). Ao volante do carro irmão, de número 2, estão Earl Bamber (Nova Zelândia), Timo Bernhard (Alemanha) e Brendon Hartley (Nova Zelândia).

Earl Bamber: um zumbi na área dos boxes
Em 2015, Le Mans foi uma experiência tumultuada desde o começo. Começou quando me ofereceram um teste no 919 logo antes do Natal de 2014, logo depois de eu ter me tornado um piloto de fábrica da Porsche. Tendo vindo da Porsche SuperCup e da Carrera Cup, era uma grande oportunidade para guiar um LMP Hybrid. Eu nunca poderia ter imaginado ter essa chance e encarei com modéstia o fato da Porsche SuperCup depositar confiança em mim para esse grande passo. Na minha primeira sessão no simulador em Weissach, nosso engenheiro de corrida Kyle Wilson Clarke perguntou sobre a familiaridade que eu tinha com a condução de um protótipo esporte híbrido. Eu respondi: ‘Companheiro, não tenho experiência nenhuma, estou acostumado a pilotar um carro da Porsche Cup com dois botões no volante!’ Mas foi um bom teste e no caminho para casa, recebi um telefonema da Porsche: ‘Pegue sua agenda, precisamos marcar um compromisso: você vai guiar em Le Mans em junho.’ A caneta caiu da minha mão.

“Na prova de Le Mans de 2015, nosso 919 tinha sido bem rápido nos treinos e na classificação. Nico (Hülkenberg), Nick (Tandy) e eu concordamos que, se andássemos tão rápido quanto nos sentíssemos confortáveis e evitássemos eventuais colisões poderíamos conquistar um lugar no pódio. Estávamos descartando as voltas uma a uma, acompanhando o relógio e não nos preocupando muito com nossa posição. Mas nas primeiras horas da manhã de domingo estávamos liderando. De alguma forma, ninguém tinha prestado muita atenção no nosso carro, mas foi aí que começou a pressão. A possibilidade real de vencer a maior corrida do planeta não tinha passado pela cabeça de nenhum de nós. Assim que Nico passou pela bandeira quadriculada, tudo enlouqueceu. Eu saí de nosso boxe para a reta dos pits como se fosse um zumbi: não conseguia entender o que acabara de acontecer e não sabia o que fazer e para onde ir. Foram momentos muito especiais que me voltaram à cabeça quando cheguei ao paddock de Le Mans no ano passado. Eu comecei a andar de kart na Nova Zelândia coincidentemente em 1998, o ano em que a Porsche havia vencido em Le Mans pela última vez antes que Nico, Nick e eu ganhássemos a corrida.”

Timo Bernhard: Alex disse…
“Desde os primeiros dias de minha carreira na Porsche no Junior Team, até agora, Alex Wiggenhauser vem trabalhando como mecânico no meu carro. Ele sempre se entusiasmou com Le Mans. Ele me contou das participações na GT1 e da vitória geral da Porsche em 1998. Eu não poderia imaginar como tinha sido. Quando comecei pela primeira vez na categoria GT, fui aos poucos compreendendo o que significa o mito Le Mans. Até então, tínhamos vencido em nossa categoria, mas os vencedores na geral eram heróis para mim. Parecia impensável, mas tornou-se meta me imaginar como vencedor na geral, naquela sacada grande em frente daquela multidão impressionante. Entre 2009 e 2012, a Porsche emprestou eu e o Romain Dumas para a Audi. Em 2010, o sonho do pódio se concretizou.

“Eu tive o prazer de pilotar no primeiro e no último turno da corrida naquele ano. Obviamente, foram as partes mais emocionantes. Foi a primeira vez que eu larguei em Le Mans e isso aconteceu depois de um enorme acúmulo de tensão que duraram horas. A volta de apresentação foi pura adrenalina e na última volta os fiscais entraram na pista agitando as bandeiras. Terminamos a prova em comboio. Nunca esquecerei essas impressões e sentimentos pelo resto da minha vida. Os minutos finais no carro foram muito especiais. Era como se eu estivesse vendo um filme que me lembrava de tudo: sonhos de infância, o apoio dos meus pais, o trabalho duro. Senti muita alegria. Quando subi ao pódio, olhando milhares e milhares de fãs, foi surreal. Tom Kristensen ficou ao meu lado e perguntou: ‘O que é que há, você não está contente?’ Eu estava apenas embasbacado com tudo. O falecido jornalista Gustav Büsing disse para mim: ‘Agora você é um vencedor de Le Mans. Isso dura para sempre.’ Me senti muito tocado. Tenho uma noção muito clara de que, não importa o quanto você é um bom piloto, nada garante que você irá vencer esta corrida. A dimensão, a duração, a dramaticidade – Le Mans não pode ser planejada. Estou muito grato.”

“Allan McNish me contou uma vez que ele não chegou a curtir e apreciar sua primeira vitória em Le Mans por causa do impacto que sentiu no momento. Ele só conseguiu isso quando aconteceu pela segunda vez. Isto é o que eu quero vivenciar com a Porsche!”

Brendon Hartley: à velocidade da luz através da noite
“Uma das minhas lembranças mais fortes de Le Mans foi minha experiência em andar no Circuit de La Sarthe durante a noite em 2012. Vindo de uma experiência com monopostos, havia muita coisa a aprender durante minha primeira Le Mans, mas para a maior parte eu me sentia preparado. Apesar disso, nada me havia preparado para minhas primeiras voltas na escuridão.

“Até aquele momento, eu acreditava que era um piloto que guiava puramente por instinto e que eu não usava muitos marcadores visuais como outros. Como eu esta-va errado! Todas as casas, guard-rails, árvores, faixas no asfalto, objetos que pareciam inúteis à distância, haviam desaparecido! Foi então que eu entendi como meu cérebro se baseava nesses marcos sem que eu percebesse. Durante as primeiras cinco voltas, era como se eu estivesse aprendendo toda a pista de novo,estabelecendo marcos visuais totalmente novos, a maioria dos quais aparecia extremamente rápido, reflexos e luzes que não estavam lá durante o dia.”

“A próxima coisa que notei foi à sensação de velocidade completamente diferente e como eu estava reduzindo demais a cada tangência. Isto acontece porque as coisas entram e saem do seu túnel de visão criado pelos faróis. Parecia que o carro estava andando a velocidade da luz. Depois do choque de minhas primeiras cinco voltas no escuro, comecei a viver melhor a experiência, curtir a adrenalina extra circulando em meu sangue e deixei meus sentidos se aguçarem naturalmente. Foi impressionante! Apesar de não ser fisicamente mais difícil guiar à noite, mentalmente você sente muito mais cansaço após um período longo. Eu agora encaro meus desafios à noite em Le Mans e sempre levanto a mão quando pedem alguém para tocar um turno extra nas horas solitárias do amanhecer.”

Neel Jani: aproveite todas as oportunidades
“Vim a Le Mans pela primeira vez em 2009. Naquele tempo, não sabia o que esperar. Minha prioridade estava nas corridas de monopostos e eu havia feito alguns testes na Fórmula 1. Foi então que a Rebellion me pediu para pilotar um LMP1 Lola Aston Martin fechado. Fiquei impressionado com o tamanho do evento.

“Uma grande fascinação vem da natureza imprevisível da corrida e da dramaticidade inacreditável. As coisas acontecem em direções inesperadas e, às vezes, não é o carro mais rápido que vence. Eu tenho visto isso ao longo dos anos. A Peugeot pode ter sido claramente mais rápida que a Audi, mas abandonou com seus quatro carros. Eu compreendo que você tem que ser rápido, mas primeiro de tudo tem que permanecer na corrida e estar lá quando chegar a sua hora. Tudo pode acontecer e é raro que o mesmo carro seja o mais rápido durante as 24 horas.”

“A corrida do ano passado foi um exemplo perfeito disso. Quando o Toyota abandonou faltando só dois minutos para o final, isso me atingiu com a mesma força que aconteceu com a Toyota e seus pilotos. Isto confirma como Le Mans é difícil de conquistar. Estávamos numa luta acirrada com a Toyota. Não era uma disputa roda-a-roda, porque tínhamos uma estratégia de reabastecimento diferente, mas em nossa simulação, a distância era sempre de apenas alguns segundos. Às vezes nosso carro parecia vencer, depois a Toyota voltava à frente. Tínhamos sido infelizes com os momentos de bandeira amarela em todo o circuito e também tivemos dois pneus furados. Eu senti que não estávamos com muita sorte. No final, porém, o pêndulo oscilou para nosso lado. É claro que você não quer se beneficiar do infortúnio de alguém, mas de alguma forma tudo se equilibra. Fiz Le Mans oito vezes e só terminei a corrida sem problemas técnicos por três vezes. Antes da largada, Jacky Ickx me disse: “Você não vence Le Mans. Le Mans deixa você vencer.”

André Lotterer: aquele que se foi
“Eu amo Le Mans – tanto que você pode até dizer que eu me divorciei por causa dela. A Audi e eu compartilhamos uma grande história juntos e eu poderia continuar a correr para eles, mas obviamente não em Le Mans. Mas fazer essa corrida pela Porsche tem um apelo único, porque a marca está tão intimamente entrelaçada com Le Mans e está envolvida no automobilismo desde o seu começo. Isso é profundo. Quando eu desenhava carros esportivos na infância, eles sempre tinham o formato de um 911. Nos últimos anos, tive a sorte de poder comprar vários Porsches para minha coleção. Agora consegui mais dois: um carro da empresa e o 919 Hybrid!”

“Le Mans é um enorme projeto, uma tremenda corrida. Nesse tipo de corrida, você divide um carro com seus melhores amigos – a relação com Benoît (Tréluyer) e Marcel (Fässler) foi muito especial. Corridas de endurance são um esporte de equipe e Le Mans leva todo mundo ao seu limite.

“Vencer essa corrida é absolutamente fantástico. Tive essa experiência três vezes, mas guardo minha primeira vitória em 2011 como o maior sucesso de minha carreira. Foi a primeira, e você nunca sabe se terá uma segunda chance de lutar pela vitória nessa corrida. Mas também foi uma corrida muito especial. O Safety Car esteve na pista por horas e trocamos de liderança com a Peugeot 40 vezes. Com uma diferença de seis segundos entre nós depois de quase 24 horas de corrida, entramos para nosso último pit stop ao mesmo tempo. No final, vencemos com uma vantagem de 13,8 segundos. Eu tinha guiado quatro turnos, quase quatro horas. O carro de Allan McNish abandonou no final da primeira hora após um grande acidente. À noite, Mike Rockenfeller sofreu um sério acidente. Foi ruim. Fechamos duas de nossas garagens. Benoît, Marcel e eu corremos sozinhos contra a Peugeot.”

Nick Tandy: um lugar para chorar
“Eu ainda fico com um nó na garganta quando penso sobre a vitória de Le Mans em 2015. Eu nunca pensei que pudesse agarrar a chance de correr lá – nunca sonhei por um momento que iria correr num evento tão grande e especial. Eu estava acelerado de tanta emoção nas últimas três horas da corrida em 2015. Era como se fosse uma mola pronta a ser liberada. Sentei no boxe, caminhei, não sabia bem o que fazer comigo mesmo. Eu tinha completado meus últimos turnos àquela altura. Cabia a Earl e Nico terminar o trabalho e não era fácil não estar no carro. É claro que eu confiava totalmente nos meus dois companheiros. Confiava 100 por cento, mas não estava no controle de meu destino. Estava vendo o ‘meu’ carro com eles ao volante sabendo que, se nada desse errado, eu estava prestes a vencer a maior corrida do mundo do automobilismo depois de 15 anos de trabalho duro sendo profissional. Era muito duro!

“A pressão foi aumentando à medida que o relógio chegou às 3h00 e pelos últimos 15 minutos eu estava com Earl em nosso boxe. Mas então tive que me afastar e caminhei para os fundos, simplesmente para sair de lá. A magnitude de vencer a maior corrida de minha carreira – e do mundo – era demais para suportar. O peso era enorme. É isso o que vencer a joia da coroa do automobilismo significa para mim. Eu queria achar um canto tranquilo para chorar! Não me lembro de tudo após a
bandeira quadriculada, havia muita coisa acontecendo e o alívio era impressionante. Foi como um borrão no tempo. Lembro mais agora vendo as fotos e vídeos da comemoração após a prova.”

“Eu saí cedo da festa da Porsche na manhã de domingo. Estava muito cansado. Física e emocionalmente esgotado pela semana. Voltei ao meu hotel e dormi como um bebê. Na segunda-feira, guiei de volta para a Inglaterra com minha mulher e minha filha pequena e foi a viagem longa de carro menos cansativa que já fiz. O mundo é um grande lugar para se estar. Quando chegamos de volta em nossa cidadezinha a família e os amigos organizaram uma festa na frente do pub local, com faixas dizendo ‘parabéns . Foi impressionante.”

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