Pilotos – Anjos ou Demônios

quinta-feira, 17 de março de 2016 às 18:54
Marc Marquez e Valentino Rossi

Marc Marquez e Valentino Rossi

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

A temporada da Formula 1 de 1994 foi marcada por fatos trágicos e constrangedores. No GP de San Marino acidentes resultaram nos óbitos de Ayrton Senna e Roland Ratzenberger (no treino classificatório) e a última prova da temporada na Austrália iniciou com uma tênue vantagem de 1 ponto de Michael Schumacher da Benetton sobre Damon Hill da Williams. Na volta 36 da corrida Hill posicionou seu carro para ultrapassar a Benetton e foi abalroado pelo alemão, ambos abandonaram a prova e Schumacher conquistou seu primeiro campeonato mundial.

Schumacher reprisou o mesmo papel na prova de encerramento da temporada de 1997. A exemplo de três anos antes, alinhou sua Ferrari no grid de largada com um ponto a mais que Jacques Villeneuve com uma Williams. Estava sendo ultrapassado na volta 46 quando mudou a trajetória de seu carro para atingir o canadense. Desta vez não funcionou, Schumacher ficou fora da corrida e Villeneuve sagrou-se campeão do mundo chegando em segundo lugar.

A história do mais laureado piloto de Fórmula 1 de todos os tempos contempla outros procedimentos não ortodoxos, como no GP da Áustria em 2002, considerado por muitos o dia em que a Formula 1 abdicou de ser um esporte. Na ocasião Rubens Barrichello acintosamente cedeu a vitória para o alemão a poucos metros da bandeirada final. Ainda não haviam gravações dos rádios das equipes, mas evidentemente foi uma decisão gerencial. A mesma Ferrari no GP da Alemanha de 2010 escancarou sua estratégia de tentar emplacar Alonso ao mandar um recado não cifrado para Felipe Massa na pista: “Fernando is faster than you”.

A história da Formula 1 é prodiga em acontecimentos classificados por locutores e comentaristas como “profundamente lamentáveis”. No GP do Estoril em 1989 Nigel Mansell realizou uma manobra proibida no pit lane e, no retorno à pista, recebeu bandeira preta. O britânico alega não ter visto a sinalização por três voltas e acabou colidindo com Ayrton Senna, eliminando-o da corrida. O beneficiado foi Alain Prost, colega de Senna na McLaren e com contrato assinado com a Ferrari, onde seria colega de Mansell. No mesmo ano, no GP do Japão Senna e Prost bateram na entrada da chicane antes da reta dos boxes, a desclassificação de Senna deu o título mundial para Prost. O troco veio no ano seguinte, no mesmo cenário Senna tinha vantagem em pontos e chocou-se com a roda traseira da Ferrari de Prost tirando os dois da prova e garantindo o título.

Ayrton Senna e Nelson Piquet tinham personalidades opostas fora das pistas. Os dois tricampeões da Formula 1 brasileiros competiram juntos durante cinco anos na categoria. Na época os comentários eram de que Nelson Piquet respeitava o equipamento, se tivesse um carro para chegar entre os três primeiros, com certeza estaria no pódio. Ayrton Senna pensava diferente, independente das condições do carro seu único objetivo era a vitória e não economizava arrojo, audácia e atitudes que nem sempre primavam pela esportividade. Piquet utilizou diversos procedimentos não ortodoxos para obter vantagens indevidas, a mais conhecida foi concebida em 1982 em conjunto com Gordon Murray, então projetista da Brabham. O regulamento da época previa um peso mínimo para o carro e os dois criaram um sistema fajuto de arrefecimento de freios usando água. O carro era equipado com um reservatório de vinte litros, em tese para resfriar os freios durante a corrida, nas primeiras voltas Piquet esvaziava o tanque abrindo um registro e ficava com um carro 20 kg mais leve.

A MotoGP não é isenta de manobras, algumas nem sempre inocentes. Na decisão do mundial de 2013, em Valência, até um quinto lugar garantiria o título para o estreante Marc Márquez. O outro postulante, Jorge Lorenzo, utilizou uma técnica criativa, seu plano foi assumir a liderança e, nos trechos de baixa velocidade, reduzir para provocar a compactação de competidores. Lorenzo imaginou que talvez a impetuosidade de Márquez o levasse a cometer alguma imprudência que pudesse tirá-lo da prova. Não funcionou. Em recente entrevista a um jornal italiano Valentino Rossi declarou que a acusação a Marc Márquez de prejudica-lo na Austrália para ajudar o conterrâneo Jorge Lorenzo foi uma tentativa de pedir a intervenção da Direção de Corridas para uma espécie de “Foro Privilegiado”, evitar que outros competidores disputassem posições com eles nas corridas seguintes. O resultado foi o Incidente em Sepang, decisivo para a temporada de 2015.

Conhecido tanto pelo talento quanto por fazer de tudo por uma vitória, Rossi é, também, um dos pilotos mais odiados do circuito. Apesar do jeito extrovertido e engraçado, ele tem uma série de inimigos, que sempre o acusaram de ser ególatra e jogar sujo. Ele e Max Biaggi chegaram a trocar sopapos durante o pódio do GP da Catalunha, vencido por Rossi e com Biaggi em segundo. Rossi e Sete Gibernau são um caso clássico de amigos que passaram a se odiar devido à briga de egos. Rossi e o espanhol eram bons parceiros, no entanto a relação desandou após o GP do Catar de 2004, na ocasião, Valentino fez a pole com uma moto modificada para driblar a areia do circuito, Gibernau reclamou e a direção da prova penalizou o italiano para largar no final do grid. Após o episódio, Rossi acusou Gibernau de “jogo sujo” e rompeu relações com o amigo.

Dono de dois títulos da maior categoria da motovelocidade, o australiano Casey Stoner foi outro que colocou Valentino Rossi em sua lista de desafetos. O episódio mais marcante dessa briga aconteceu no GP de Laguna Seca de 2008, Stoner, o campeão à época foi derrubado por Rossi em uma manobra polêmica, que deu a vitória (e mais tarde o título da temporada) ao italiano. Após a corrida, o australiano se revoltou, reclamou que o traçado de Valentino na pista “desrespeitou todos os limites da lealdade” e disparou: “Perdi todo o respeito que tinha por ele”. Três anos mais tarde, em outro incidente entre eles no GP de Jerez de La Frontera em 2011, Rossi tentou pedir desculpas e Stoner, que seria campeão na temporada, recusou, dizendo que o italiano havia deixado seu ego ultrapassar seu talento.

Marc Márquez é um fenômeno recente na MotoGP. Campeão em suas duas primeiras temporadas, ainda não tem tempo suficiente na categoria para colecionar muitos desafetos, entretanto o seu estilo arrojado o torna um piloto que considerado perigoso na pista. A agressividade com que conduz a sua Honda já causou vários acidentes envolvendo outros pilotos, nem Dani Pedrosa, seu companheiro de equipe foi poupado. A temporada de 2016 inicia já com dois desafetos declarados na pista, Márquez e Rossi não se falam.

Senna, Piquet, Mansell, Rossi, Prost, Schumacher, Villeneuve, Márquez e outros são pilotos reconhecidos e respeitados por sua habilidade e talento excepcionais. Entretanto são fundamentalmente pessoas, não entes superiores desprovidos dos sentimentos de vaidade, orgulho, inveja ou ira. É errado imaginar que, por desempenhar extraordinariamente bem uma função, estejam habilitados a ser referência de comportamento para qualquer situação.

Quando as luzes vermelhas se apagarem, no próximo dia 20, liberando os competidores para a largada de mais uma temporada de MotoGP, Valentino Rossi estará acelerando em busca de seu oitavo título mundial da principal categoria da motovelocidade, o mesmo número de seu compatriota, o recordista Giacomo Agostini. Marc Márquez, o mais jovem campeão de todos os tempos parte para consolidar sua biografia, fazer história e buscar sua terceira conquista. Jorge Lorenzo defende uma coroa que, embora contestada pela mídia italiana, é sua de fato e de direito e Dani Pedrosa quer, enfim, ver recompensado por vitórias e títulos o seu inegável talento. Todos os outros pilotos do grid procuram um lugar sob os holofotes para entrarem para o seleto rol de campeões da categoria mais importante do motociclismo esportivo.

A FIM e a Dorna, promotores da MotoGP, se aparelharam via o regulamento da competição, para manter as disputas dentro das pistas e evitar para o ambiente de animosidade criado no final do último campeonato.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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