Pelo fim do “sabetudismo” (vídeo)

segunda-feira, 14 de setembro de 2020 às 12:13

Everaldo “abana” repórter da F1

Por: Bruno Aleixo

Durante muitos anos, Galvão Bueno foi a voz brasileira na Fórmula 1. Sim, hoje as pessoas o xingam bastante (com razão, como falaremos mais adiante), mas há que se separar dois momentos distintos da carreira do narrador. O Galvão dos anos 1980 e 1990 era um excelente narrador esportivo. Dono de um timbre de voz marcante, Galvão tornou ainda mais épicos alguns momentos do automobilismo, sempre trazendo ainda mais vibração e emoção a essas ocasiões. Suas narrações do primeiro título de Ayrton Senna, ou da primeira vitória de Rubens Barrichello são capazes de emocionar até mesmo o mais robótico dos seres humanos.

Mas o tempo passou e Galvão Bueno acabou contraindo uma doença que acomete um grande número de profissionais experientes que atuam nas mais diversas áreas: o “sabetudismo”. Se você trabalha em uma empresa, certamente já cruzou com um “sabetudista”. É uma figura impoluta, que transita pelos corredores com nariz bem no alto, parecendo simpático à primeira vista. Mas bastam 2 minutos de conversa para você perceber que aquela pessoa, por já ter anos fazendo a mesma coisa, julga não precisar aprender mais nada. E passa o resto da vida cagando regras e julgando os outros por ter feito de um jeito “errado” algo que ele mesmo já faz há muito tempo. O problema é que não existe nada no mundo que não evolua. E um bom profissional precisa estar bem informado até o último dia de sua existência, sob o risco de se tornar ridiculamente antiquado. E quando o assunto é Fórmula 1 então, nem se fala.

O Galvão Bueno dos anos 2010 em diante é um “sabetudista” convicto. Acredita piamente que sua simples presença em uma transmissão é garantia de audiência. Acha que entender o comportamento dos pneus é uma bobagem sem tamanho, o melhor é repetir seus bordões hiper datados (“Eéééééé amiiiiigo, chegar é uma coisa passar é outra”. Oi?? Com DRS, colega?). Rádio na transmissão? Coisa chata que atrapalha, o amigo internauta quer mesmo é saber que a F1 é a categoria do Ayrton Senna, aquele piloto que morreu há mais de ¼ de século. E que não venha Luciano Burti com informações técnicas sobre temperatura do asfalto, que vou interromper para falar qualquer coisa sobre “meus 40 e tantos anos de transmissão, junto com meu amigo Reginaaaaaaldo”.

Com a idade avançando, Galvão começou a se ausentar das transmissões, mas o que parecia um alívio, tornou-se rapidamente uma tortura. O foco da emissora se voltou para três nomes: Luis Roberto, Cléber Machado e Sérgio Maurício. Os dois primeiros não entendem absolutamente nada de Fórmula 1. Nada. Não têm ideia do que está acontecendo na pista, trocam nomes de pilotos, invariavelmente são surpreendidos com coisas muito inesperadas em uma corrida, tipo a bandeirada. Maurício tem até boa técnica e está em alta conta no meio dos aficionados. Mas tenho para mim que isso ocorre por “ódio reverso”: as pessoas odeiam tanto os outros locutores que acabam adotando qualquer um que consiga pelo menos entender parte do que se passa na pista.

E eis que, no apagar das luzes das transmissões de F1 na emissora, pode ter surgido a solução para todos os problemas: Everaldo Marques, ex-ESPN, recém chegado ao grupo Globo, com experiência em automobilismo na rádio Jovem Pan. Marques é jovem, dialoga bem nas redes, é bem quisto no meio esportivo, tem bordões bem mais modernos e sabe conduzir uma transmissão com seriedade e descontração na mesma medida.

E foi assim que ele chegou para a narração do GP da Toscana, neste último final de semana. Munido de um bom arsenal de informações, Everaldo Marques desfilou toda a sua categoria durante as mais de três horas de transmissão. Bateu bola com os comentaristas Luciano Burti e Felipe Giaffone (ambos também cada vez melhores), salpicou dados ao longo da prova, marcou bem as ultrapassagens e acidentes e, cereja do bolo, narrou a última volta com uma maestria que há muito não se via. Foi, de fato, de arrepiar. Há quanto tempo você não ouvia um locutor da Rede Globo sabendo o nome e a história das curvas de um circuito?

No momento em que escrevo esta coluna, a Fórmula 1 ainda está fora da TV aberta em 2021. Há um papo de SBT que vem ganhando força, mas a Globo ainda não é carta fora do baralho. Dá para voltar e negociar novamente. A Fórmula 1, na voz de Everaldo Marques, pode crescer novamente, ganhar novos espectadores, recuperar aqueles que já estavam cansados de tanto desrespeito. São novos ares, livres do “sabetudismo” e da desinformação. Isso só pode fazer muito bem para todos.

P.S.: Everaldo, meu caro, sua transmissão foi tão perfeita, que sequer vou reclamar do seu melhor bordão não ter aparecido na bandeirada (“Vai Lewis Hamilton, você é RIDÍCULO”). Está perdoado!

Últimos momentos do GP da Toscana com Everaldo Marques

Bruno Aleixo
São Paulo – SP

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