OUSAR É PRECISO – Jean-Pierre Beltoise, Mônaco 1972

sexta-feira, 19 de novembro de 2010 às 13:23
Largada

Debaixo de uma bruta chuva o que vale é o braço do piloto. A força do motor e a eficiência aerodinâmica do chassi perdem considerável importância com a falta de grip e a conseqüente diminuição de velocidade. Some-se ao temporal um circuito travado e perigoso e você terá o GP de Mônaco de 1972.

“Que corrida que nada; teremos uma regata”, afirmou com ironia Emerson Fittipaldi minutos antes da largada. Embora fosse um dos favoritos para vencer a prova, justamente no ano em que conquistaria seu primeiro título mundial, Fittipaldi percebeu a dificuldade de percorrer as ruas do principado debaixo de uma tempestade do Mediterrâneo.

Jean-Pierre Beltoise tiraria um coelho da cartola naquela tarde fria. Qualificou-se na quinta colocação para o grid de largada, um belo resultado para a decadente equipe BRM; seu carro tinha um considerável déficit de potência perante os ponteiros. O tempo foi conquistado com pista seca, uma verdadeira façanha. Com a chuva que caía desde sábado, era possível utilizar a boa posição de largada para aspirar a um importante pódio. Mas Beltoise viu uma luz no fim do famoso túnel, tendo uma idéia que lhe permitiria sonhar mais alto.

A chave estava no acerto de seu Fórmula 1: deixando sua direção o mais sensível possível, o piloto francês viu a possibilidade de explorar a flexibilidade de seu motor BRM V12 e utilizar um traçado diferente de toda a concorrência. Nos treinos com chuva, Beltoise andou bem com este setup, mas foi repreendido por seus mecânicos, que não viam razão para arriscar pontos preciosos com um acerto suicida. Afinal, por que ousar?

Jean-Pierre Beltoise

Beltoise bateu o pé. Ele estava decidido de que era melhor beijar o guard-rail tentando a vitória do que fazer uma corrida conservadora. Nos boxes de sua equipe, ninguém aceitou esta posição numa boa, porém deram-lhe um voto de confiança, por mais ressabiados que estivessem.

Na véspera da corrida, já no final da tarde, o fantástico ex-piloto inglês Stirling Moss fez questão de ir até Beltoise, quando este estava a caminho de seu hotel. “Eu vi você na curva do Cassino, e seu carro é o mais rápido de todos, com folga”, afirmou Moss. Aquele foi o apoio que Beltoise precisava para mergulhar de cabeça naquela configuração.

A chuva não dava trégua; na hora da largada a situação era crítica. O traçado do Grande Prêmio de Mônaco nada mais é do que um passeio por Montecarlo, seguindo desde a cidade alta até a descida do rochedo, onde está o cais. Na verdade, não há qualquer opção para tornar o traçado menos perigoso ou com maiores pontos de ultrapassagem, porque o atual utiliza as vias mais largas na cidade. O que sobra são ruelas estreitas e sem interligação. Porém, é inegável que Mônaco é o GP mais charmoso da temporada, aquele que todos querem vencer, desde a primeira temporada de F-1, em 1950.

A aposta de Beltoise era mais arriscada que um jogo de blackjack no famoso Hotel do Cassino. Logo após o sinal verde, no entanto, ficou claro que Beltoise tinha um ás na manga do macacão. Embora literalmente sambasse na pista, com seu carro escorregando de lado em quase todas as curvas, o francês conseguia superar seus adversários um após o outro, com surpreendente superioridade.

O BRM não tinha nada de especial, mas com um acerto como aquele, que explorava ao máximo suas poucas qualidades, era capaz de dar conta do
recado. J.P. Beltoise tirou o máximo de sua máquina, fazendo milagres para mantê-la na pista.

Jean-Pierre Beltoise

A diferença de performance em comparação com o resto do grid era impressionante; logo na sexta passagem, o primeiro retardatário foi
ultrapassado. Cada vez que chegava para dar uma volta, Beltoise não hesitava e arriscava tudo, pois não queria perder a chance de conquistar sua primeira vitória na categoria. Como em segundo lugar vinha ninguém menos que Jackie Ickx, outro autêntico Rei da Chuva (aguardem artigo sobre este piloto), Jean-Pierre não queria perder tempo em nenhum momento com “lanterninhas”. Por isso, muitas vezes tocou rodas e beliscou o guard-rail, levantando a torcida.

Lá pela metade da prova, a chuva despencou de vez. Os pilotos tiraram o pé para valer, contornando cada tomada com o máximo de cuidado. O vento gelado que vinha do mar complicava ainda mais a situação, e ninguém entendia porque a prova não era interrompida.

Com a visibilidade comprometida, Beltoise passou a contar com a ajuda descarada dos bandeirinhas monegascos. Como o principado está encravado em plena Cote d`Zur, no litoral francês, os fiscais estavam em polvorosa com a possibilidade de vitória de um quase compatriota. Passaram a sinalizar para Beltoise onde estavam os pontos mais perigosos e a agitar freneticamente a bandeira azul para quem quer que aparecesse em sua frente.

No final da década de 1960, Beltoise escreveu um famoso livro sobre automobilismo, chamado É proibido morrer. Em condições tão perigosas como aquelas, ele cumpriu à risca seu lema, dançando pelas esquinas monegascas com habilidade, evitando uma batida grave que parecia iminente. A trombada nunca aconteceu. Jean-Pierre Beltoise venceu sua primeira e única corrida de Fórmula 1, a última conquista da BRM, levando o público grã-fino à loucura.

E seus mecânicos, aqueles que duvidaram de sua saúde mental antes da largada? Bem, a festa da equipe no Cassino foi até tarde…

Beltoise deve ser um belo jogador de pôquer…

Jean-Pierre Beltoise

CLASSIFICAÇÃO FINAL:

1. JEAN-PIERRE BELTOISE (FRA) MARCH2 26’54”7
2. JACKIE ICKX (BEL) FERRARI a 38”2
3. EMERSON FITTIPALDI (BRA) LOTUS a 1 volta
4. JACKIE STEWART (ESC) TYRREL a 2 voltas
5. BRIAN REDMAN (ING) McLAREN a 3 voltas
6. CHRIS AMON (NZL) MATRA a 3 voltas

Autor: Olavo Bittencourt Neto (oobn21@hotmail.com)

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