O que é o DNA da Fórmula 1?

domingo, 19 de setembro de 2021 às 19:59

GP do Brasil de 2019 de Formula 1

Por: Adauto Silva

Muito se fala em DNA da Fórmula 1. Falam tanto que o termo ficou banalizado. Mas afinal, o que é isso?

O DNA da F1 só tem dois fatores diferentes das outras categorias do automobilismo. E são apenas eles que a diferenciam totalmente das outras:

1. Melhores pilotos do mundo
2. Carros mais rápidos do mundo em pistas que emulam estradas com curvas para ambos os lados.

Fora isso, o resto é espetáculo, show, entretenimento para quem vai nos autódromos pagando uma pequena fortuna pelos ingressos e quem assiste pela TV, muitas vezes pagando também, seja por TV a cabo, seja por streaming, caso da F1TV.

Toda essa gente já sabe que vai ver os melhores pilotos do mundo nos carros mais rápidos que o homem consegue produzir. Então, já sabendo isso, as pessoas esperam assistir um espetáculo emocionante, um show diferenciado.

O problema da F1 sempre foi produzir um “espetáculo emocionante” pela própria natureza do esporte, onde geralmente o conjunto carro / piloto mais rápido larga na pole, o segundo conjunto mais rápido larga em P2, o terceiro em P3 e assim sucessivamente até o último alinhado no grid.

E na Fórmula 1 esse problema é agravado porque existe uma diferença muito grande de desempenho entre a maioria dos carros, já que cada equipe constrói o seu próprio carro.

Numa corrida “normal” sem chuva, sem safety-car ou algumas outras circunstâncias muito especiais, a tendência sempre é que o pole vença, o P2 chegue em P2, o terceiro em P3 e assim por diante. Isso torna as corridas muito previsíveis e por vezes enfadonhas. E isso acontece em pelo menos 70% das vezes numa corrida normal.

Aí as pessoas saem caçando bruxas: “A culpa é da equipe X, que faz carros campeões”, “da pista, que não proporciona ultrapassagens”, “dos carros, que não permitem que andem próximos por causa da aerodinâmica” e etc., etc., etc. Muitas vezes nem o piloto campeão é valorizado, já que as pessoas sabem que ele tem o melhor carro e, portanto, a “obrigação” de ser campeão. Esquecem que ele tem o melhor carro porque ele é provavelmente o melhor piloto, pois invariavelmente o melhor piloto sempre acaba indo para o melhor carro. Claro que existem exceções, mas essa é outra discussão…

A discussão aqui são os fatores que contribuem mesmo para uma corrida mais ou menos emocionante, mas nenhum desses é o fator determinante.

O fator determinante para um espetáculo muito previsível e enfadonho é a natureza da competição. Ora, se na classificação o conjunto mais rápido larga na pole e os outros vão largando cada vez mais para trás – porque são mais lentos -, o que faria isso mudar totalmente na corrida? Somente fatores especiais, que são cada vez mais raros, uma vez que os pilotos erram cada vez menos, as equipes fazem cada vez carros mais confiáveis e interferem cada vez mais no rádio, às vezes narrando descaradamente tudo o que o piloto tem que fazer dentro do cockpit.

Hoje em dia, quando a F1 chega numa pista nova, por exemplo, os pilotos já deram trocentas voltas nela em super simuladores, as equipes já têm 99% do acerto do carro pronto e nada, absolutamente nada é supressa pra ninguém. É a tecnologia trabalhando contra o espetáculo.

Por que será que todo mundo torce para chover durante uma corrida? Porque isso é um raro “fator especial” que pode e muitas vezes muda mesmo a dinâmica de uma corrida. Aquele ótimo piloto que usualmente larga pra lá de P10 numa corrida seca, numa molhada tem ótimas chances de largar ou chegar entre os três primeiros, porque a tocada dele conta mais que o nível do seu equipamento. Aqueles que ganham quase sempre, tem muito mais chances de errar ou ter azar no momento de uma troca de pneus e chegar atrás. Ou podem até vencer, mas tem que batalhar mais por isso, o que deixa a corrida mais tensa, ou seja, mais emocionante.

E quando acontece isso, todo mundo diz que a corrida foi sensacional antológica, etc., etc., etc.

A Formula 1, ciente que precisava fazer alguma coisa para melhorar a dinâmica da corrida – seu espetáculo -, está testando a corrida curta de classificação no sábado em três eventos desse ano. O primeiro foi em Silverstone, que melhorou demais a sexta-feira, mas no sábado foi de razoável para bom. Em Monza a sexta-feira continuou ótima, mas o sábado foi ruim, pois não aconteceu quase nada na corrida curta de classificação. Ainda teremos Interlagos, que é uma pista que pode proporcionar uma corrida curta de classificação no sábado melhor que Silverstone e Monza.

O fato é que mesmo que o sábado seja bom em Interlagos, essa corrida curta de classificação precisa de mais ajustes, pois já se provou não ser boa o suficiente para mudar realmente a dinâmica conhecida das corridas de F1.

Aí, “alguém” da Fórmula 1, no caso só o Stefano Domenicali, o CEO da F1, tem a ideia de fazer algumas corridas aos sábados com grid invertido (em relação a tabela do campeonato de pilotos) sem interferir com a corrida de domingo – porque a classificação que valeria para o GP seria a de sexta-feira como a conhecemos com Q1, Q2 e Q3 – e a maioria dos fãs parece ser contra!

Como entender as pessoas serem contra isso? Qual é o problema? O que isso muda no “DNA” da F1? Eu respondo. Nada. Essa ideia não é para tornar os carros mais lentos ou tirar os melhores pilotos da F1. Essa ideia é para alterar a dinâmica do espetáculo com algumas corridas diferentes aos sábados! Corridas onde veríamos, por exemplo, se fosse hoje, Hamilton e Verstappen largarem no fundo do grid e terem que escalar o pelotão ao mesmo tempo em que se preocupam um com o outro!

Corridas onde veríamos, por exemplo, como e quanto tempo pilotos como Russell e Ocon sustentariam as primeiras posições na corrida, como eles se defendem, como eles também tentam ganhar posições enquanto se defendem.

Como seria a briga entre os carros que largassem entre P7 e P13, por exemplo, carros próximos, mas com pequenas desvantagens nas posições de largada, ou seja, veríamos brigas em todo o grid o tempo todo, ainda mais que a ideia vem junto com premiar mais pilotos, além dos três primeiros que estão sendo premiados hoje na corrida curta de classificação.

Mas os fãs são contra e eu não consigo encontrar qualquer explicação racional para isso.

Eu não sei se o problema é comigo – provavelmente é -, mas às vezes eu simplesmente não entendo o raciocínio da maioria das pessoas.

Mas uma coisa eu tenho certeza: Os fãs estão envelhecendo e a F1 precisa conquistar os jovens. Ousar é preciso.

Adauto Silva
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