O “problema” da Formula 1

sexta-feira, 30 de maio de 2014 às 12:29
F1 em Mônaco

Fórmula 1

Por Adauto Silva

O grande Alain Prost falou ontem em queda de audiência na F1 nos dois últimos anos e colocou a culpa na “ecologia”, na falta de barulho. Será que é isso mesmo?

Ano passado a F1 não era ecológica e fazia muito barulho, portanto o problema não é esse. Pra mim é claro que o problema é que as pessoas têm expectativas irreais em relação a F1, principalmente nós brasileiros, que ficamos mal acostumados com os sucessos de Fittipaldi, Piquet e Senna. Atualmente os alemães também estão mal acostumados…

Uma categoria onde cada um constrói seu próprio carro tem grandes chances de uma equipe construir um carro melhor que as outras e sumir na frente. E este é o SEXTO ano seguido que acontece isso. Em 2009 foi a Brawn, depois a Red Bull em 2010, 2011, 2012 e 2013. Este ano é a Mercedes.

A Ferrari dominou completamente a F1 entre 2000 e 2004. Foram cinco anos que não tinha para ninguém e só deu Schumacher. Antes disso tivemos a McLaren, depois a Williams e depois a McLaren novamente, com a dupla Senna e Prost chegando a vencer 15 de 16 corridas em uma só temporada.

Isto é o normal da Fórmula 1. O anormal é termos temporadas muito disputadas onde mais de uma equipe tenha chances reais de disputa de título, por isso a F1 não é um esporte de massa. Nunca foi e nunca será. O povão vai ficar sempre no futebol, que é um esporte simples, fácil de entender e onde um time pior tem boas chances de vencer um melhor. A F1 é um esporte de elite, onde é necessário pensar, pesquisar, entender e apreciar tecnologia e diferenças sutis entre carros e tocada dos pilotos.

O automobilismo de estrada, por conceito, já é contra o certo tipo de emoção que algumas pessoas exigem; as ultrapassagens. Ora, se o carro/piloto mais rápido larga na pole, o segundo mais rápido larga em segundo e assim sucessivamente, precisa acontecer alguma coisa “anormal” na classificação ou na corrida para que o piloto que largou em P8 ou P9 chegue nos ponteiros.

Quem não gosta de disputas roda a roda com muitas ultrapassagens? Todos nós, óbvio. Mas isso é um “plus”, não é o normal. Eu acompanho a F1 há 42 anos e nesse período devo ter deixado de ver 7 ou 8 corridas no máximo, quase todas logo após a morte de Gilles Villeneuve. E digo que dá para contar nos dedos quantas corridas realmente “emocionantes” com tempo seco vi nesse período todo. A última até que foi bem recente, o GP do Bahrain deste ano.

Outra questão é a torcida pura e simples pelo compatriota. Tem gente que assiste a F1 somente para ver o brasileiro que está lá vencer, ou no mínimo esmagar seu companheiro de equipe. Seria bom? Seria ótimo, mas nem sempre isso acontece. Por que? Porque a F1 é um esporte de sutilezas, que inclusive não dependem completamente do piloto, mas também do carro e de fatores externos.

O piloto precisa estar no carro certo, na hora certa e nas circunstâncias certas. Vejam o exemplo do Vettel. Trata-se do atual tetracampeão mundial que está simplesmente apanhando de um companheiro de equipe que nunca fez uma pole ou ganhou uma corrida sequer. O Vettel é ruim? Claro que não, mas alguma coisa – certamente muito sutil – o está atrapalhando demais e só quem acompanha a F1 detalhadamente tem uma clara noção do problema, que é o carro, ou melhor, um dispositivo específico que foi proibido este ano no regulamento. O difusor soprado.

A Red Bull inventou e aperfeiçoou esse dispositivo que fornece muita aderência principalmente na parte traseira. Vettel se adaptou demais a isso e se acostumou a guiar um carro com a traseira pregada no chão. Hoje ele não tem mais a mesma confiança nas entradas e contornos de curva, uma vez que sem o difusor soprado, o carro perdeu a característica que Vettel mais usava a seu favor. Por outro lado, seu companheiro de equipe nunca guiou um carro no qual o difusor soprado fizesse a diferença. Pronto, esse pequeno detalhe – ou a falta dele – foi o bastante para Ricciardo surpreender todo mundo.

Mais que isso, é uma diferença tão pequena, apenas alguns décimos de segundo por volta, que é impossível ver a olhos nus. Não é fascinante? O que o Vettel vai fazer para superar esse obstáculo? O que o gênio Adrian Newey vai inventar para ajudar o Vettel? Não sabemos, mas certamente será algum detalhe, alguma sutileza que só quem acompanha a fundo vai entender.

Portanto, para curtir realmente a F1 fique atento aos detalhes. Não espere corridas cheias de ultrapassagens e disputas roda a roda, porque isso sempre foi muito raro. Espere ver a tocada de cada um, o que cada piloto está sendo capaz de fazer com o equipamento que tem, o porquê das estratégias, os bastidores antes e depois da corrida, o desenvolvimento tecnológico da categoria, as atitudes e comportamento de cada um nos treinos e corridas.

E finalmente, curta o esporte como um todo, independente de torcida por apenas um piloto. O seu piloto pode ganhar ou perder, mas ele passa, enquanto o esporte fica.

Ah, e apesar da queda de audiência que o Prost se referiu, a F1 segue sendo o esporte a motor mais assistido do mundo, disparado.

Um abraço e até a próxima!

Adauto Silva

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