MotoGP – Winglets sob Ataque

quarta-feira, 23 de março de 2016 às 20:01
Winglets na Yamaha

Winglets na Yamaha

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

No recente GP do Catar existiram três diferenças entre as Yamaha YZR-M1 do vencedor e do quarto colocado. O estilo de pilotagem “ad hoc” de Valentino Rossi, que se adapta conforme às necessidades e a condução correta de Jorge Lorenzo, que parece andar sobre trilhos. A Michelin disponibilizou pneus assimétricos (mais borracha no lado mais solicitado) com duas composições, Lorenzo escolheu a mais macia para a roda traseira e Rossi optou pela mais dura. A terceira diferença foi visual, a moto de Valentino se apresentou de cara limpa, enquanto a de Lorenzo ostentava logo abaixo do nariz um par de enormes “winglets”, recursos para auxiliar a aerodinâmica. Os repórteres espanhóis intuitivamente relacionaram os apêndices da Yamaha 99 com os bigodes do Salvador Dali.

As regras impostas pelo Regulamento do Campeonato Mundial de 2016 divulgado pela FIM limitam ao extremo o desenvolvimento dos equipamentos, especificações dos motores estão congeladas até o fim da temporada (com exceção da Suzuki e Aprilia que se enquadram nas regras de concessões), o pacote eletrônico padronizado é obrigatório e os sensores utilizados nos pontos de amostragem devem ser aprovados pela direção técnica da Dorna e compartilhados com todos os competidores. Quase não restou espaço de manobra para os fabricantes, além de aperfeiçoar o mapeamento das pistas para utilizar melhor os recursos do software padronizado, trabalhar na maior ou menor rigidez dos quadros e pesquisar recursos aerodinâmicos.

Em 1968 no GP da Bélgica de Fórmula 1 no circuito de Spa-Francorchamps a Ferrari apresentou um carro com uma espécie de asa sobre o motor, com posicionamento variável. O piloto podia reduzir o ângulo de ataque nas retas para não oferecer resistência ao ar e inclinar nas curvas para gerar pressão aerodinâmica (downforce) e aumentar a estabilidade. A novidade era pouco mais que uma gambiarra feita de madeira e inspirada no Chaparral E2, vencedor das 12hs de Sebring em 1966. Os resultados foram tão animadores que aerofólios são praticamente obrigatórios em todos os carros de competição até os dias atuais.

A Ducati inovou com o uso das “winglets” na temporada passada e o que no início pareceu estranho aos poucos foi conquistando adesões. Nos testes pré-temporada de 2016 a Honda foi a última fabricante a converter-se, embora suas “asas” sejam menores e dispostas em um ângulo incomum.

A vantagem das “winglets” nos equipamentos da MotoGP ainda não é aceita sem restrições e um dos pilotos que mais questionam a novidade é Cal Crutchlow, da Honda satélite LCR. Ele menciona implicações de segurança, citando o “efeito navalha” e a turbulência criada pelos recursos aerodinâmicos. Nos testes de Phillip Island houve um momento em que Crutchlow na pista observou Dani Pedrosa, que seguia de perto a Ducati de Andréa Ianone. A turbulência, segundo ele, era algo irreal e Dani foi obrigado a reduzir porque sua moto estava difícil de controlar. No próprio GP do Catar Andrea Ianone estava perseguindo de perto o seu colega de equipe Andrea Dovizioso quando inexplicavelmente perdeu o controle da moto e caiu, há quem diga que ele foi vítima da turbulência por estar muito próximo da Ducati à sua frente.

Crutchlow também é crítico em relação ao risco de potencialização de acidentes devido ao desenho e localização das “winglets”. O piloto inglês acrescentou que um contato com a asa de Andrea Dovizioso pode ter causado a queda do italiano no ano passado na corrida de Sepang. Suas palavras textuais foram: “Houve o toque, não sei se em sua asa ou no volante, e é provável que tenha sido a causa da perda de controle e queda”.

Cal Crutchlow explica que a ultrapassagem em uma curva na MotoGP é um momento delicado, onde os pilotos ficam muito próximos e qualquer descuido pode resultar em contato. As pernas ficam vulneráveis e alguém pode ser atingido e cortado por uma “winglet”. Todos os fabricantes alegam que, mais que improvável, é impossível porque pelo material utilizado na construção das asas tem resistência é menor que o do macacão dos pilotos e quebraria antes. A única alegação possível contra este argumento seria confiar na “Lei de Murphy”. Crutchlow entretanto é pragmático, se as “winglets” comprovarem sua eficiência, ele vai utiliza-las em sua moto.

A FIM e a Dorna, que administram a MotoGP optaram por proibir o uso de dispositivos aerodinâmicos nas classes Moto2 e Moto3. Para a Moto2 o efeito é imediato e para a Moto3, onde a Mahindra já utiliza este recurso, a proibição vale a partir de 2017. Modelos de carenagem projetados para dispersar detritos ou água deslocados pela roda dianteira, sem propósitos aerodinâmicos, continuam permitidos. As entidades não apresentaram nenhuma justificativa para sua decisão.

A proibição não tem efeito na MotoGP. Existem muitas pressões para banir as “winglets”, mas enfrentam a resistência dos fabricantes. Uma das condições impostas por Yamaha, Honda e Ducati para aceitarem o software padronizado foi a estabilidade dos regulamentos técnicos pelo prazo mínimo de cinco anos, tempo necessário para desenvolver e depurar uma nova tecnologia que possa ser utilizada em produtos comerciais. No entanto, o termo “aerodinâmica” associado a “winglets” e carenagens provocou o temor de uma escalada de custos, exatamente no sentido oposto às intenções da FIM e Dorna.

Enquanto a Fórmula 1 analisa a proibição de desenvolver modelos de análise para o estudo de fluxos de ar em túneis de vento, com o propósito declarado de reduzir custos, a MotoGP inicia o processo inverso. A aerodinâmica em motos é uma ciência pouco desenvolvida. Procurar vantagens competitivas considerando todas as variáveis que uma moto pode assumir, como inclinação lateral em uma curva, deslocamento do centro de gravidade em função da mobilidade do piloto, movimento pendular do chassis em frenagens e retomadas de velocidade e roda traseira deslizando lateralmente é uma tarefa complicada.

Dorna e FIM estão reféns de seus próprios regulamentos, qualquer movimento para banir os apêndices aerodinâmicos necessita da aprovação unânime dos construtores. As alternativas para justificar uma proibição unilateral seriam demandas de segurança, entretanto os fabricantes alegam que estas questões estão adequadamente endereçadas, embora ainda não exista um procedimento de testes abrangente que comprove a ausência total de risco.

Se houver uma indicação inequívoca que as “winglets” possam oferecer algum tipo de perigo, a Dorna tem o direito (e obrigação) de impor uma proibição imediata.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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