MotoGP – Sinistro

quarta-feira, 3 de outubro de 2018 às 16:03

Marc Marquez

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

A definição de sinistro no léxico português contempla diversas interpretações, sinônimo de canhoto tem até um dia dedicado, 13 de agosto. Utilizado como adjetivo qualifica uma pessoa que tem mais desenvoltura com os membros esquerdos, na gíria significa irado, muito legal, interessante, moderno, bonito. O termo também pode ser utilizado como substantivo indicando agourento, capaz de prever ocorrências adversas ou catastróficas, em análise de comportamento representa algo assustador, uma circunstância que provoca perda ou dor. No jargão técnico da economia indica um desastre, implica em dano material.

Os jornalistas que atuam nas coberturas do mundial da FIM utilizam diversos bordões para justificar a insuficiência de habilidades premonitórias, o mais comum é afirmar com convicção: “Never say never on MotoGP”, ou seja, uma previsão genérica que sempre está 100% correta, tudo pode acontecer. Entretanto não é necessário nenhum dom especial para antever tendências na temporada atual, uma aposta com grandes chances de ser bem-sucedida com base em dados históricos é cravar na vitória de Marc Márquez em provas realizadas em circuitos com orientação anti-horário. A recente etapa do Grand Prix de Aragon, realizada no circuito de Motorland na Espanha, é um exemplo típico, a pista é um dos cinco traçados da temporada de 2018 com maior número de curvas à esquerda (10) do que à direita (7). Antes dela as provas realizadas no Circuito das Américas (Austin) e Sachsenring compartilham as mesmas características, Márquez venceu as três.

Os mais brilhantes matemáticos reconhecem que torturando adequadamente os números qualquer afirmação pode ser comprovada. O sucesso do atual campeão em pistas com sentido anti-horário poderia ser considerado apenas uma anomalia, não fosse o fato de existir um inegável predomínio de vitórias nos traçados que privilegiam contornos à esquerda nas 41 vitórias obtidas desde que Márquez chegou na MotoGP. O próprio piloto reconhece sua preferência por curvas com esta orientação, exercitadas à exaustão em treinamentos em pistas curtas ovais de terra. Antes da prova da Áustria alguns jornalistas solicitaram aos pilotos para indicar o layout de um circuito ideal, Márquez sugeriu a figura de um hexágono regular com sentido anti-horário, todas as curvas para a esquerda. A análise nos registros dos diversos traçados utilizados pela MotoGP onde venceu revela o perfil descaradamente assimétrico do atual campeão, enquanto ele é muito bom em pistas com orientação no sentido dos ponteiros do relógio, é quase imbatível nas anti-horário.

Marc Márquez surgiu na principal categoria do mundial da FIM em 2013, sendo o único piloto depois de Kenny Roberts a ganhar o título em seu ano de estreia em 1978, com a óbvia exceção de Leslie Graham no primeiro Mundial de 500cc em 1949. O espanhol de 25 anos está disputando seu sexto mundial, venceu 4 e está em contagem decrescente para conquistar o quinto. Seu histórico de vitórias em todas as participações é significativo, 41 em 103 GPs disputados ou 39,8%. Considerando 1973 como linha de corte, só duas outras lendas do motociclismo, já aposentados, tem índices mais altos, Kenny Roberts com 40% (22 em 55 GPs) e Mick Doohan com 39,4% (54 em 137 provas).

Individualizando as conquistas pela orientação do sentido das pistas existe uma diferença muito grande para ser qualificada como coincidência, Márquez até o GP de Aragon 2018 venceu 25,3% das disputas realizadas no sentido dos ponteiros do relógio e surpreendentes 70,9% nos circuitos anti-horário.
Uma peculiaridade marcante nas estatísticas do piloto espanhol é o seu domínio absoluto nas provas realizadas nos EUA. Desde que iniciou na MotoGP em 2013 venceu as 10 corridas que disputou, seis no Circuito das Américas, três em Indianápolis e um em Laguna Seca. Nas categorias de acesso, Moto2 e 125cc, classificou-se em primeiro lugar em duas das quatro provas realizadas. Em números totais, das catorze competições que participou em território americano venceu doze, pouco mais de 85%. Detalhe: todas em circuitos que privilegiam curvas para a esquerda, em consonância com a sua predileção por este tipo de pista.

A superioridade de Márquez nos EUA não é replicada na Europa ou na Espanha. Nas etapas realizadas no velho continente venceu 24 de 67 (35,8%) e fora da Europa 17 de 36 (47,2 por cento). Na Espanha, sua terra natal, venceu 8 das 21 etapas (38,1%).

Como toda a regra tem pelo menos uma exceção, a temporada de 2014 foi a exceção que confirma a regra, Marquez triunfou nas 10 primeiras provas. Os registros indicam que na temporada venceu treze etapas, 9 pistas no sentido horário e 4 no anti-horário. Foi o último ano em que o espanhol venceu mais de três vezes em pistas com mais curvas para a direita. A conclusão é óbvia, o campeão é extremamente rápido em qualquer tipo de pista, porém significativamente mais bem-sucedido quando há mais curvas para a esquerda.

Numerologia
A temporada de 2018 está programada para 18 corridas (seriam 19, mas o clima não permitiu a realização da etapa de Silverstone). O piloto que completar integralmente todas as provas terá realizado 445 voltas nos circuitos com 2.883 curvas à esquerda e 3.508 à direita. Nas primeiras doze provas, do Catar até San Marino, os circuitos contemplaram 75 contornos para a esquerda e 102 para a direita, resultando respectivamente 1.847 e 2.503 curvas. Nas duas pistas onde existem mais curvas para a esquerda, Circuito das Américas e Sachsenring, Márquez tem um registro impecável, venceu todos os GPs realizados nas últimas 6 temporadas. Nos outros 10 circuitos, com orientação no sentido dos ponteiros do relógio, conseguiu três vitórias. Uma preocupação adicional para os pilotos que aspiram o título é que no último terço da temporada das 147 voltas ainda a serem percorridas 50,8% das curvas são para a esquerda, pode não parecer muito, mas a competência de Márquez neste tipo de contorno pode fazer a diferença.

A única maneira do atual campeão perder o título deste ano é ocorrer um evento catastrófico. A lógica indica que ele pode correr sossegado, sem se expor a nenhum tipo de risco, porém este decididamente não é o estilo do espanhol. Ele não costuma aceitar colocações inferiores e busca sempre a vitória.

Honda ou Márquez
A vitória em uma etapa da MotoGP não é decidida apenas pela eficiência do equipamento. Márquez com uma Honda lidera o campeonato deste ano com uma vantagem expressiva, 72 pontos a mais que Dovizioso com uma Ducati e 87 de Rossi com uma Yamaha. Ele tem o mesmo número de vitórias na temporada que os dois pilotos da Ducati somados. Também é significativo o fato de que as duas outras Honda que compartilham o mesmo estágio de desenvolvimento que a sua estejam bem atrás na classificação. A Ducati tem um equipamento muito equilibrado, que consegue ser competitivo com dois pilotos que utilizam técnicas de condução muito diferentes, Dovizioso e Lorenzo dividem igualmente o número de vitórias obtidas pela fábrica.

A entidade que administra a MotoGP procura equalizar a competitividade dos protótipos via regulamentos que definem características semelhantes para todos os competidores. Ao todo são seis fabricantes que desenvolvem os equipamentos que alinham na largada, três japoneses (Yamaha, Honda e Suzuki), dois italianos (Ducati e Aprilia) e um austríaco (KTM). Apesar do esforço dos administradores na busca do equilíbrio, os protótipos têm qualidades distintas e os motores, lacrados no início da temporada, tem conceitos diferentes. A maior potência não é muita vantagem em uma moto de corrida a não ser em retas, se não puder ser transformada em torque na roda motriz ou deteriorar o pneu antes do final da corrida, não tem grande utilidade. A customização da eletrônica, cujo software e hardware são padronizados, desempenha um papel fundamental para conseguir maior tração e velocidade ao longo da pista.

Em um esporte onde a diferença entre competidores é medida em milésimos de segundo, provas são decididas pela capacidade dos pilotos em extrair de seus equipamentos o maior desempenho em curvas, frenagens e retomada de velocidade. A Yamaha YZF-M1, por ter um quadro mais maleável na parte frontal e rígido no centro, contorna as curvas mais rápido que qualquer outra moto. A Honda RCV-213V com o quadro mais rígido na parte frontal é mais contundente na frenagem. A Ducati GP-18 tem na aceleração e retomada de velocidade os seus pontos fortes. A combinação equilibrada destas três características, velocidade em curva, permitir frear o mais tarde possível e retomar a velocidade mais rápido definem um equipamento vencedor. Quando elas são muito próximas, a técnica do piloto faz a diferença. Desde 2013 a Repsol-Honda conquistou quatro títulos de construtores (2013, 2014, 2015 & 2016), três de equipes (2013, 2014 & 2017) e quatro de pilotos (2013, 2014, 2016 & 2017). Existe uma forte suspeita que o diferencial da equipe está centrado no talento de Marc Márquez.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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