MotoGP – Pilotos e técnicas de pilotar

quinta-feira, 18 de agosto de 2016 às 17:27
Lorenzo e Marques em Valencia

Lorenzo e Marquez

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Cal Crutchlow pilota uma RC213V para a equipe LCR, satélite da Honda, é talvez uma das vozes mais autênticas da MotoGP e criou o conceito do “V” da Honda, observando em testes e corridas o modo como Marc Márquez e Dani Pedrosa contornam curvas. O “V” é formado pelo eixo da moto, não tão inclinada, e pelo eixo do corpo do piloto, com cotovelos e joelhos raspando a pista. A observação de Crutchlow descreve, de uma maneira simplista, apenas uma das diferentes técnicas de obter maior rendimento aproveitando as características individuais de cada equipamento. As máquinas da Honda são configuradas para atacar curvas com frenagens agressivas e mudar de trajetória em um espaço muito curto, talvez com uma derrapagem controlada da roda traseira, para permitir que o condutor rapidamente levante a moto para retomar a velocidade. O “V” é necessário para manter o equilíbrio de forças e conservar a aderência durante o contorno. Outros pilotos, o campeão Jorge Lorenzo por exemplo, preferem abordagens mais fluidas, utilizando um traçado com um raio maior, mantendo a mesma velocidade angular em ambas as rodas na frenagem e na retomada. Uma das técnicas privilegia maior velocidade na aproximação e retomada mais cedo, a outra obtém maior velocidade no meio da curva.

Na história dos mundiais de motovelocidade as técnicas de conduzir um equipamento sempre estiveram em constante evolução, na transição entre as décadas de 60 e 70 os pilotos utilizavam a ponta da bota como referência para indicar a inclinação da moto. Nesta época o piloto mantinha uma postura estável e formava um conjunto único com o equipamento.

Nos anos 70 a aderência dos pneus experimentou um avanço considerável e os motores 500cc dois tempos entregavam uma brutal capacidade de aceleração. Para aproveitar melhor este novo cenário surgiu um modo de pilotar caracterizado pelo arrasto do joelho (“knee drag”), desenvolvido por Kenny Roberts, um “dirty rider” como eram (e são) chamados os pilotos formados em pistas de terra ou em competições de estrada, que consiste em inclinar a moto utilizando o joelho como referência. Dominando esta técnica Roberts venceu três campeonatos e iniciou uma longa dominação de pilotos norte-americanos que, com poucas interrupções, durou até os primeiros anos da década de 90 e foi interrompida pelos cinco campeonatos consecutivos conquistados pelo australiano Michael Doohan.

Os motores “Big Bang”, caracterizados por encurtar os intervalos na ordem de ignição e compensar com uma pausa estendida até a retomada do ciclo, domesticaram a potência dos 500cc e oportunizaram um cenário onde estilos de pilotagem não tão agressivos permitiam melhor desempenho. Nesta mesma época surgiram na Europa novos talentos, representados magistralmente pelo multicampeão Valentino Rossi. A adaptabilidade do piloto italiano, capaz de mesclar abordagens de condução em trilhas preestabelecidas ou agressivas quando conveniente, foi responsável pela conquista de títulos em todas as categorias, totalizando 9 em 12 anos (de 97 a 2009).

Desde que a gestão do mundial de motociclismo foi entregue a uma empresa comercial (Dorna), em 2002, há uma crescente pasteurização das características dos protótipos via o Regulamento das Competições. O objetivo declarado é criar um “espetáculo” mais competitivo e atrativo para a TV e patrocinadores, aumentando o número de marcas e pilotos na pista. Neste projeto não há espaço para o domínio amplo de uma equipe ou piloto, o peso do suporte financeiro de pesquisa e desenvolvimento é limitado por medidas coercitivas como eletrônica padronizada e fabricante único de pneus. Esta ótica, mais próxima de um “Reality Show” que de um esporte, de inegável sucesso financeiro, não é consenso entre as fábricas e a mais insatisfeita parece ser a Honda. A empresa nipônica tem por característica não seguir modismos, mesmo quando apresentam resultados comprovados, e o diretor da HRC recita como um mantra que a fábrica está nas competições para aprender, não exclusivamente para vencer.

Entretanto não existe regulamento que consiga padronizar o talento de um piloto e, como nas pistas o objetivo maior é ganhar tempo, frear o mais tarde e retomar a aceleração mais cedo foi uma solução possível. Casey Stoner inovou ao trazer, para a aderência do asfalto com pneus slick, a técnica de acelerar na entrada da curva para retomar velocidade, provocando um “drift”, uma escorregada resultante de aceleração, não da aplicação de freios.

Para obter o máximo do desempenho de equipamentos muito potentes e muito pesados, os pilotos necessitam de uma excelente forma física e mental. Os competidores de ponta utilizam os programas de treinamento semelhantes aos desenvolvidos pela marinha americana na Fight Weapons Scholl (imortalizada no filme Top Gun de 1986) e o modo de preparação das forças especiais israelitas, como forma de fortalecer o corpo e a mente. Nada é realizado ao acaso, ao observar, por exemplo, Marc Márquez aproximar-se de uma curva, ele costuma afastar a perna do lado interno da moto. A estética fica comprometida, porém a perna aberta enquanto o equipamento está nivelado tem duas finalidades, auxiliar a frenagem pelo aumento de área exposta e ser utilizada como um recurso aerodinâmico para forçar a inclinação rápida da moto.

Apesar das restrições impostas pelo Regulamento das Competições limitarem a vocação da MotoGP em ser um laboratório de desenvolvimento de inovações para o mercado, ainda assim é um esporte apaixonante e um dos seus maiores mistérios é o fato que dois pilotos com estilos distintos, como Márquez e Lorenzo, com equipamentos produzidos por empresas concorrentes, conseguem percorrer uma pista de 5 km separados apenas por uma fração de segundo. Márquez domando uma máquina aparentemente indócil, Lorenzo com uma precisão que parece estar correndo sobre trilhos.

Carlos Alberto Goldani
Porto Aleggre – RS

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