MotoGP – One Man Show

segunda-feira, 16 de outubro de 2017 às 15:51

Mesa de trabalho de Marc Márquez

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Jorge Lorenzo liderava com relativa facilidade o GP de San Marino deste ano no Circuito Marco Simoncelli em Misano, um fato talvez inesperado porque a prova foi disputada em pista molhada e no ano passado os maus resultados do piloto nestas condições resultaram em diversos memes nas redes sociais apresentando sua Yamaha #99 com o aviso “Avoid Humidity” (Teme umidade). Lorenzo perdeu o controle da sua Ducati e caiu na sexta volta, depois de abrir mais de 4 segundos sobre a Ducati de Danilo Petrucci e a Honda de Marc Márquez que disputavam a segunda colocação. O piloto surpreendentemente assumiu a culpa pela queda confessando que perdeu a concentração ao atrapalhar-se com os controles para mudar a configuração do equipamento.

O regulamento geral de competições da MotoGP em 2017 estabelece que uma prova válida pelo mundial deve ter uma distância entre 95 km (59 milhas) e 130 km (81 milhas) nos 18 circuitos homologados, o traçado mais longo é em Silverstone, UK, com 5,9 km onde o GP é disputado em 20 voltas, o mais curto é Sachsenring na Alemanha com apenas 3,7 km e percorrido 30 vezes. Em cada volta a função do piloto é bem mais complexa que executar os procedimentos de acelerar, frear, inclinar a moto para contornar curvas e administrar o câmbio. No transcorrer de uma prova em muitas ocasiões as condições da pista mudam, freios e pneus desgastam, o combustível é consumido reduzindo o peso do conjunto e o comportamento dos outros pilotos pode exigir alterações nas estratégias estabelecidas antes da largada. Nestas condições a configuração inicial da moto já não atende às exigências da prova e o piloto tem que realizar seus próprios ajustes, considerando as condições do equipamento, da pista e do que pretende realizar na corrida.

Como o condutor não pode contar com auxílio de telemetria, utiliza mapas pré-configurados com base nos dados coletados nas seções de treinos livres. O piloto pode comutar entre mapas e esta tarefa deve ser realizada enquanto conduz uma máquina em alta velocidade.

A MotoGP obriga o uso de um pacote eletrônico padronizado que permite configurar os controles de tração, antiderrapagem, potência e freio-motor. A combinação destes sistemas pode ser alterada em função do traçado do circuito e o piloto tem a opção de diversos cenários em uma mesma volta, considerando o ajuste individual de cada item a quantidade de opções é enorme. A opção de escolha entre mapas pré-configurados é realizada através de botões localizados próximos aos manetes. Uma tela multimídia na parte frontal fornece indicações sobre o estado de cada sistema individual, além de outros dados importantes como volume do combustível, temperatura de diversos componentes, estado da pista, pressão dos fluidos e rotações por minuto do motor.

A competência do piloto reside em administrar todos estes dados enquanto controla uma inclinação, acelera, freia, tenta ultrapassar um concorrente ou simplesmente não permite opções de traçado para outros pilotos tentarem tomar a sua colocação na prova. Como o desenho dos circuitos contempla muita sinuosidade e é complicado tirar os olhos da pista para prestar a atenção nestes indicadores, este processo normalmente é realizado nas retas, onde também são mostradas as placas dos boxes com informações que não podem ser obtidas da moto, como número de voltas que faltam e a colocação de concorrentes. Detalhe, em termos de MotoGP uma reta pode ser percorrida em poucos segundos.

Os sistemas administrados pelo pacote de eletrônica obrigatório são muito simplórios e significaram para as grandes fábricas uma involução enorme em relação ao software que utilizavam, a Yamaha chegou a afirmar que retroagiu em mais de dez anos.

Existem quatro sistemas principais endereçados pelo pacote, (1) o assistente do freio-motor é ativado sempre que o sistema de travamento é acionado ou o condutor reduz o câmbio, o software ajusta a abertura do acelerador para suavizar a resposta do equipamento contribuindo para a redução do consumo de combustível, conservar melhor os pneus e minimizar o desgaste do sistema de freios. (2) O controle de tração é mais uma medida de segurança que evita o deslizamento excessivo do pneu traseiro quando o piloto abre o acelerador. Se o piloto exagera no acionamento do acelerador a moto tende a patinar, os sensores indicam a diferença de velocidade radial entre as rodas dianteira e traseira e o sistema limita a alimentação de combustível reduzindo a potência. Este programa também pode ser utilizado para ajustar a tração dos pneus em condições de pista com baixa aderência (chuvas). (3) Os motores utilizados na MotoGP geram um torque enorme, com condições de levantar (wheelie) a roda dianteira. O sistema anti-wheelie é acionado quando detecta a extensão completa do garfo telescópico frontal (roda levantada). Os ajustes permitem selecionar a intensidade de redução de potência nestas condições, mais conservadora ou mais agressiva, dependendo das características do condutor e da situação em que se encontra na corrida. (4) Outro sistema auxiliar é o que relaciona os comandos do acelerador com a quantidade de potência fornecida pelo motor, uma opção conservadora resulta em uma injeção de combustível mais restrita mesmo que o acelerador seja totalmente acionado, a contrapartida mais agressiva resulta em uma alimentação maior, com o consequente aumento de consumo, ajuste que permite adaptar a resposta do equipamento às necessidades do piloto a cada momento.

Em tempo, a capacidade do tanque de combustível é limitada pelo regulamento a 22 litros e é possível que um otimismo excessivo neste controle resulte em pane seca, na prova de Misano aconteceu com Johann Zarco, que estava disputando a sétima posição na última volta e cruzou a linha final em décimo quinto, empurrando seu equipamento.

Uma das maravilhas da MotoGP é que depois de apagarem as luzes de largada todas as decisões são exclusivas dos pilotos, o pessoal de apoio pode quando muito informar quantas voltas faltam, diferenças para os concorrentes mais próximos ou enviar pequenas mensagens para o visor multimídia, o ajuste do equipamento depende exclusivamente da sensibilidade e comandos do condutor. O piloto é senhor absoluto de suas escolhas e pode configurar o equipamento de acordo com o seu sentimento em relação a moto, ao estado da pista e a estratégia que pretende implementar. Se pretende abrir em relação aos seus concorrentes pode selecionar ajustes agressivos, com a consciência de que a fatura vai ser apresentada no final.

Com tantas variáveis que podem ser controladas a atenção dos pilotos não permite descuidos. Qualquer desconcentração ou vacilo pode resultar em perda de desempenho ou em uma queda, como a que aconteceu com Zarco (pane seca) ou Lorenzo (queda)em Misano.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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