MotoGP – O Império Contra-Ataca

sexta-feira, 4 de março de 2016 às 18:33
Largada Valencia 2015

Largada Valencia 2015

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Nunca houve na história da MotoGP uma corrida que tenha atraído tanta atenção da mídia como o GP de Valência, última prova do mundial de 2015. Todos os ingressos para espectadores no circuito foram vendidos, a cobertura ao vivo na TV e internet bateu recordes de audiência, um número inédito de credenciais para a imprensa foi emitido e a houve uma cobertura intensa nos dias que antecederam e sucederam o evento por parte de sites e mídia impressa. Não foi pelo fato da prova ser decisiva para coroar o campeão do mundo, em 2013 a disputa entre o campeão de 2012 Jorge Lorenzo e o desafiante Marc Márquez foi realizada no mesmo cenário sem tanta repercussão. A origem de tanto interesse foi a chance inédita de Valentino Rossi igualar-se ao seu compatriota Giacomo Agostini em número de títulos mundiais, dez ao todo, e foi potencializada pelo que se convencionou chamar no ambiente da MotoGP de “Incidente em Sepang”.

As últimas provas do mundial de 2015 registraram uma disputa intensa entre Jorge Lorenzo e Valentino Rossi. Na corrida de Phillip Island os dois pilotos da Yamaha, juntamente com Andrea Iannone da Ducati e Marc Márquez da Honda protagonizaram um espetáculo eletrizante ao disputarem as primeiras colocações metro a metro durante toda a prova. O vencedor foi Marc Márquez que ultrapassou Lorenzo a duas curvas do final, e na última volta Andrea Iannone consolidou a terceira colocação na frente de Valentino Rossi. Em termos de campeonato, a vantagem de Rossi que era até então de 18 pontos foi reduzida para 11, faltando duas provas para o encerramento da temporada. Desta corrida, considerada por muitos a mais disputada da história da MotoGP, ficou registrada uma imagem de Valentino Rossi na pista cumprimentando Marc Márquez após o final da prova.

Marc Márquez e Valentino Rossi - Austrália 2015

Marc Márquez e Valentino Rossi – Austrália 2015

Nos dias que se seguiram Rossi acusou Márquez de, intencionalmente, prejudicá-lo na pista para favorecer o também espanhol Lorenzo na disputa do mundial. Em função do próprio resultado da corrida soou estranho e, para quem tem sangue com alta octanagem nas veias, inverossímil. Afinal, quem de sã consciência acreditaria se Nelson Piquet fosse acusado de prejudicar Alain Prost para favorecer Senna ou, em contrapartida, se algum tabloide britânico estampasse manchetes que Ayrton Senna estaria tentando dificultar a vida de Nigel Mansel na pista para beneficiar seu compatriota Nelson Piquet. Não tem lógica. Mas com ou sem lógica o ambiente ficou acirrado e resultou, na disputa da Malásia, em um incidente que culminou com a queda do piloto da Honda e penalização do aspirante ao décimo campeonato. Não vem ao caso discutir quem foi o culpado e quem foi vítima, o importante é que a penalização imposta a Valentino Rossi lhe custou o título de 2015.

Penalização é sempre controversa. Em 2005 no Japão, em uma prova da 250cc, Jorge Lorenzo em uma manobra irresponsável derrubou Alex de Angelis e foi banido da prova seguinte, até hoje ele reconhece que cometeu um erro e reclama contra o excesso de rigor da punição. No GP da França de 2011 Marco Simoncelli entendeu que a pista era só dele e causou a queda de Dani Pedrosa, foi penalizado com um drive-through e perdeu a chance do que seria o seu primeiro pódio.

O sistema de penalizações em vigor até a última temporada foi criado em 2013, com o campeonato em andamento, para tentar conter a impetuosidade do então estreante Marc Márquez. A direção de prova introduziu um sistema de sanções, espelhado nas existentes em habilitações para dirigir, com pontos atribuídos por condução perigosa. Marc Márquez os obrigou a criar um sistema de pontos porque andava constantemente no fio da navalha que separa o arrojo e impetuosidade da irresponsabilidade, e havia a necessidade uma forma de responsabilizá-lo. O sistema seguiu o modelo das licenças de habilitação, os avisos verbais foram transformados em pontos, quando o piloto acumula quatro pontos vai para o fundo do grid.

O Código Disciplinar que consta no Regulamento Geral da MotoGP para 2016 foi alterado recentemente. Pilotos que acumularem dez pontos de penalizações durante um ano civil estarão automaticamente banidos da prova seguinte. Em tempo, nunca houve na história da MotoGP um piloto que tenha alcançado esta marca, entretanto novas condições foram adicionadas aos regulamentos desportivos prevendo advertências (e pontuação) para pilotos e equipes que faltarem aos compromissos sociais marcados pelos organizadores, fizerem declarações ou emitirem comunicados de imprensa que possam ser considerados irresponsáveis ou prejudiciais para a competição.

Estas cláusulas são resultado do Incidente em Sepang. A Dorna, entidade que controla os direitos comerciais da MotoGP, entendeu que a promoção da corrida de Valência não foi boa para os negócios e a polarização entre italianos e espanhóis pode eventualmente afastar potenciais patrocinadores, além dos ânimos acirrados preocuparem os organizadores com a segurança da multidão presente no circuito. A mídia, principalmente a italiana, continuou por muito tempo maculando a lisura da competição.

A decisão recente implica que as sanções anteriores quando um piloto era penalizado com quatro pontos (largar no final do grid) e sete pontos (largar do pit lane) não existem mais. Se esta regra estivesse em vigor no final da temporada passada, Valentino Rossi não teria sido obrigado a largar no final do grid na prova decisiva de Valência.

Entretanto Rossi poderia ter sido punido de outra forma. Pela regra atual a direção de prova pode optar por uma ou mais das seguintes sanções: acumular pontos; devolver a posição em ultrapassagens; drivethrough; posições no grid da próxima corrida; soma de tempo; desqualificação; retirada de pontos no campeonato e suspensão. Como é improvável que um piloto acumule dez pontos em um ano civil, é lícito imaginar que estes tipos de punições sejam aplicados na próxima temporada. A motivação do recém criado Painel de Comissários FIM parece ser aplicar as punições durante a prova onde a infração ocorre.

A mudança do sistema de penalizações foi necessária para esclarecer dúvidas relacionadas com a versão provisória de janeiro de 2016, que indicava que a penalização de largar no final do grid ou passagem pelo pit lane seria aplicada uma única vez até o piloto chegar a dez pontos. A confusão foi criada em relação a utilização de ano civil como período de contagem.

Outra novidade do regulamento foi criar um mecanismo para reprimir o que os organizadores entendem ser “comentários irresponsáveis”, como os que conspurcaram a decisão da temporada passada. A Fórmula 1 tem uma regra semelhante para punir equipes e pilotos que contribuam para o descrédito do campeonato, que nunca foi utilizada. O grande problema neste ponto em particular é a subjetividade do que pode ser considerado “irresponsável ou prejudicial” à competição e também não está claro qual o tipo de punição que pode ser aplicada. A nova condição foi incluída nos regulamentos para impor um limite às críticas de equipes e pilotos em pronunciamentos públicos, porém não pretende proibir expressões responsáveis de discordância legítima com a gestão, organizadores e/ou políticas da MotoGP. Simplificando, as opiniões fortes expressadas por Honda, Yamaha, Repsol e pilotos após as corridas de Sepang e Valência provavelmente não serão repetidas.

Pilotos de MotoGP têm egos enormes. Não pode ser diferente, pessoas que andam em círculos em velocidades alucinantes, com a certeza que a menor desatenção resulta em quedas, necessariamente tem autoestima e autocontrole diferenciados. Na outra face da moeda a Dorna administra um negócio lucrativo onde qualquer manifestação de pilotos ou equipes com potencial de macular a lisura do mundial de MotoGP, como foram os acontecimentos pré e pós o Incidente em Sepang, é ruim para os negócios.

As alterações no regulamento geral da competição instrumentalizaram a organizadora com ferramentas para controlar e aplicar sanções quando for identificado algum desvio.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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