MotoGP – O fator Michelin

segunda-feira, 4 de abril de 2016 às 20:06
Pneus Michelin MotoGP

Pneus Michelin MotoGP

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

A Michelin tem um longo histórico como fornecedora de pneus para motos de competição e sua primeira vitória na categoria top ocorreu no lendário GP “Isle of Man TT”, em 1973. No auge da recessão mundial da economia em 2008 reduziu seus investimentos em modalidades esportivas e cedeu espaço para outros fabricantes, retornando nesta temporada como fornecedora exclusiva para a MotoGP.

O regresso da empresa francesa às pistas coincide com mudanças drásticas no Regulamento da Competição que, entre outras novidades, alterou substancialmente as características de gerenciamento do motor e aumentou o tamanho das rodas para 17 polegadas. A Michelin está ciente que além de um perfil modificado e compostos adequados para a diversidades de coeficientes de atrito das pistas, para consolidar-se como fornecedora deve endereçar as necessidades e desejos dos pilotos.

Mudanças com este grau de abrangência só encontram paralelo em 2002, quando o mundial de motos foi consolidado na MotoGP, houve a troca dos motores de 500cc para 990cc e ainda foi mantida a convivência entre as tecnologias de 2 e 4 tempos. Valentino Rossi, o único piloto da época ainda em atividade, lembra que com o 4 tempos existia uma relação estreita entre a aceleração e o pneu traseiro, a moto podia aumentar a velocidade ainda inclinada na saída de uma curva, com o 2 tempos a potência despejada era brutal e era necessário levantar a moto antes de abrir o acelerador.

As características do piloto aliadas ao comportamento dos motores e pneus fazem a diferença. No final da década de 70 Kenny Rogers (campeão mundial em 1978, 1979 e 1980) desenvolveu um estilo próprio fazendo um traçado diferente dos adversários, enquanto todos buscavam o melhor contorno para uma curva, ele optava por um raio menor fazendo o pneu traseiro deslizar lateralmente e levantava a moto mais cedo para conseguir maior velocidade na saída. Esta técnica só foi possível com a cumplicidade da aderência e durabilidade dos pneus.

A área de contado dos pneus com a pista suporta o peso da moto, que é chamado tecnicamente de carga. A carga varia com a moto em movimento, inclinar, acelerar ou frear provoca uma perturbação da carga sobre a área em que os pneus se apoiam. Em termos muito simples, ao acelerar a carga será maior sobre o pneu traseiro, e ao frear o esforço se concentra no pneu dianteiro. Essa variação também acontece nas mudanças de direção do veículo. A aderência dos pneus distribuída pela área de contato com o asfalto é chamada Grip. A variação de carga sobre os pneus altera consideravelmente o grip, como o peso total do conjunto moto e piloto não varia, quando há a concentração de carga em um pneu, há o consequente alivio no outro e menos carga resulta em menor grip.

As diferenças conceituais entre o pneu Michelin e seu predecessor não se limitam ao aumento de 16,5 para 17 polegadas. Com o aumento do raio e o redesenho do perfil, as dimensões dos pneus também foram alteradas e, por consequência, mudou a área de contato. Uma área maior produz mais grip e resulta em melhor resposta à aceleração e frenagem. Em tempo, quando o pneu traseiro da Ducati de Loris Baz explodiu nos testes de Sepang, uma das razões sugeridas pelo fornecedor foi pressão inferior a recomendada, que teria sido utilizada para aumentar a área de contato. Como resultado os organizadores tornaram compulsória a fiscalização da pressão dos pneus nas provas.

Os pneus intermédios são outra grande mudança introduzida este ano. Até então pistas não totalmente secas nem totalmente molhadas impediam pilotos de correr ou trabalhar no acerto de suas máquinas sem estarem expostos aos riscos de quedas. Agora é possível encarar com segurança condições difíceis de clima, embora a viabilidade para toda uma corrida ainda seja questionada devido ao desgaste rápido.

A distribuição da quantidade de pneus por piloto também foi alterada para a temporada de 2016, em cada fim de semana de prova os pilotos dispõem de 10 pneus dianteiros e 12 pneus traseiros. Para condições de pista seca os compostos básicos de macio, médio e duro ainda estão disponíveis e o fabricante escolhe dois tipos para cada etapa. A Michelin pode produzir, de acordo com seus critérios, pneus específicos para determinados circuitos. Para a prova de Losail (Qatar) foi desenvolvido um pneu assimétrico porque existem muito mais curvas para a direita, o lado mais solicitado do pneu recebeu componentes mais resistentes.

Após a corrida no Qatar vários pilotos comentaram que o pneu dianteiro da Michelin quando exigido nas curvas passa por fases onde perde momentaneamente a aderência. Um engenheiro da fábrica reconheceu que a área de contato não tem um comportamento linear à medida em que a moto é inclinada. Buscar um equilíbrio perfeito entre inclinação e aderência depende do talento do condutor. Óbvio que não existe uma única maneira de contornar um problema. Jorge Lorenzo opta por uma condução linear, suave, para Marc Márquez, que andava mais de um segundo mais lento que os líderes nos testes de inverno (europeu), a evolução passou por uma mudança de atitude, o piloto desistiu da maneira limpa e suave que apresentava bons resultados para as Yamaha e Suzuki e voltou ao seu estilo selvagem, com frenagens raivosas e jogando a moto de lado nas curvas.

A prova de abertura da temporada de 2916 foi 7 segundos mais curta que a do ano passado, o que indica que as mudanças do regulamento não afetaram a velocidade das motos e, como o pacote eletrônico não é tão eficiente como o software proprietário até então utilizado por Yamaha e Honda, os pneus Michelin tem grande participação neste resultado.

Obs: Este texto foi escrito antes do incidente envolvendo Scott Redding durante os treinos livres na Argentina. Parte do pneu traseiro da Ducati de Redding desintegrou-se durante o quarto treino livre, felizmente o piloto inglês conseguiu manter o controle e estacionou a GP15 na área de escape. O pneu avariado era um composto médio, com sete voltas e, embora a estrutura tenha sido preservada, a cobertura que determina sua característica de resistência soltou-se. Os técnicos do fabricante ainda não conseguiram determinar a causa do acidente e, preventivamente, substituíram os dois tipos de compostos de pneus traseiros programados por um novo pneu traseiro médio, de construção mais rígida. A Michelin emitiu uma nota com estes termos: “A razão pela qual os pneus atuais [compostos duros e médios] foram retirados é que ambos foram produzidos pelo mesmo processo e existe uma falha ainda não foi identificada, o que implica na possibilidade de uma ocorrência semelhante com o composto mais duro”.

Dois pontos a considerar: O tipo de problema ocorrido com Scott Redding na Argentina não guarda nenhuma similaridade com o registrado com Loris Baz em Sepang. Embora em ambos os casos a razão não ter sido (ainda) determinada, no primeiro caso houve um colapso total (o pneu explodiu), no segundo a estrutura básica foi preservada. A reação da Michelin foi a esperada de uma empresa do porte e responsabilidade da fabricante francesa, decidiu eliminar todas as prováveis causas ao retirar os pneus produzidos por um mesmo processo.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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