MotoGP – Linha sucessória

segunda-feira, 7 de novembro de 2016 às 15:55
Valentino Rossi e Marc Marquez

Valentino Rossi e Marc Marquez

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Não existe uma maneira adequada de cotejar avestruz com abacate. Eventualmente podem haver pequenas semelhanças da cor predominante ou contribuição calórica quando servirem como alimento, mas todas as possíveis análises comparativas são descabidas. São fundamentalmente conceitos diferentes, descrevendo entidades distintas na essência.

Da mesma forma não tem lógica comparar carreiras de pilotos que competiram em épocas, ambientes e circunstâncias completamente diferentes. Giacomo Agostini, detentor das melhores estatísticas da motovelocidade, participou de mundiais de motociclismo por treze anos (1965 a 1977), obteve 122 vitórias (68 na 500cc e 54 na 350cc) e 15 títulos mundiais (8 na 500cc e 7 na 350cc, na época era usual participar de mais de uma categoria). Valentino Rossi frequenta os circuitos do mundial desde 1996 (125cc), em 21 anos colecionou 114 primeiros lugares e 9 títulos mundiais, 7 na categoria top. Rossi é o maior nome do esporte há vários anos e seu carisma e tino comercial contribuíram muito para a popularização do esporte motorizado de duas rodas. As carreiras dos dois pilotos estão separadas por duas décadas, por diferenças tecnológicas, infraestrutura de apoio, espaço de cobertura da mídia, calendários, regulamentos, investimentos e concorrentes, que praticamente não existiam nos áureos tempos de Agostini.

Este ano, quando alinhou para a largada na primeira prova da temporada no Catar, Valentino tinha traçado duas metas, conquistar o seu oitavo título mundial na principal categoria e aproximar-se do número de vitórias de Agostini. Estava confiante, a Movistar Yamaha disponibilizou o pacote com os melhores resultados nos testes pré-temporada, Jorge Lorenzo, campeão do mundo com quem dividia os boxes, pilotava um equipamento igual ao seu, porém entrara em rota de colisão com a administração da equipe por declarações e atitudes no final de 2015. Nos concorrentes, a Honda atravessava um inferno astral e não se entendia com o pacote eletrônico unificado, a Ducati honrava a tradição de ser extremamente rápida em retas, que estão cada vez mais raras nos circuitos da MotoGP e a Suzuki foi protagonista só no primeiro teste, depois voltou a ser apenas uma promessa.

Faltando apenas uma corrida para o final da temporada os resultados obtidos por “The Doctor” foram significativos, porém ficaram muito aquém de suas expectativas, das dez vitórias necessárias para atingir o número cabalístico de Agostini. Ele conseguiu apenas duas e o título da temporada acabou nas mãos de Marc Márquez – seu terceiro em quatro anos da principal categoria – com três provas de antecedência.

A mídia consumista necessita de fatos novos, o nome de Giacomo Agostini já não é reconhecido pelas novas gerações que acompanham a MotoGP. Nos dias atuais muitos entendem que as realizações de Valentino Rossi são inalcançáveis, outros pilotos podem construir carreiras brilhantes, mas ele será sempre o mais midiático e o melhor de todos os tempos. A ascensão de uma nova geração de pilotos ainda não foi capaz de abalar este sentimento. Os três campeonatos conquistados por Jorge Lorenzo desde 2010, dois deles obtidos com o mesmo equipamento de Rossi, não abalaram esta convicção, porém o talento puro de Marc Márquez permite antever que ele tenha um futuro possivelmente ainda mais vitorioso que o do italiano.

Comparar a carreira de um piloto de 37 anos com a de um de 23 não revela rigorosamente nada. Uma análise um pouco mais consistente e honesta que pode ser feita é confrontar os números de ambos do início da carreira até a idade atual de Márquez, 23 anos. O objetivo é expor apenas resultados, sem considerar a possibilidade de contaminação por causas externas. O estudo não contempla preferências, previsões futuras, métricas de exploração da mídia, ou comparações de carisma. Trata-se de numerologia pura.

Números não mentem, em todas as comparações possíveis a vantagem é do espanhol. Aos 23 anos de idade Valentino havia vencido quatro campeonatos mundiais, Marc já venceu cinco. Rossi acumulou 49 vitórias em GPs, 72 pódios e 21 poles, Márquez conquistou respectivamente 55 vitórias, 89 pódios e 64 poles. Os números de Rossi foram conseguidos em sete temporadas do mundial, três anos na principal categoria, dois na 125cc e outros dois na 250cc. Márquez obteve estes resultados em nove anos (dois a mais), quatro na MotoGP, três na 125cc e dois na Moto2. O espanhol leva vantagem também em segundos (20 contra 13) e terceiros lugares (14 e 10).

Se for realizada uma análise limitada exclusivamente aos anos que ambos competiram juntos, as temporadas de 2013, 2014, 2015 e atual, Márquez conquistou três campeonatos, Rossi nenhum. Os resultados obtidos na pista neste período contemplam 46 a 44 pódios em favor do espanhol, que conquistou 29 vitórias, 14 segundos lugares e 3 terceiros, os números do italiano são 9 vitórias, 16 segundos e 19 terceiros lugares. Em termos de consistência de resultados o ano de 2015 foi complicado para Márquez, que contabilizou seis “zero” pontos (Rossi pontuou em todas as provas), a pior temporada de Valentino é a atual, onde até agora não pontuou em quatro oportunidades.

Fãs de Valentino Rossi, identificados por inconfundíveis bandeiras amarelas com o número 46, podem ser encontrados em qualquer circuito do planeta onde haja provas de motociclismo. Suas entrevistas são divulgadas nos 116 idiomas reconhecidos pela Organização das Nações Unidas e, embora algumas de suas opiniões e atitudes dentro ou fora das pistas nem sempre sejam elogiáveis, ele é um ídolo cultuado por representantes de todas as gerações.

Marc Márquez conquista a admiração por seu estilo arrojado, sua capacidade de adequação em situações adversas, e suas recuperações em quedas eminentes – que desafiam as leis da física – já são lendárias. Márquez foi o piloto mais jovem a conseguir pole e vitória na MotoGP, ambos no GP das Américas em 2013. Também foi protagonista de uma queda enquanto acelerava a 336 km/hora (confirmados pela telemetria) nos testes que antecederam a prova de Mugello no mesmo ano, o sinistro com a maior velocidade registrada na história dos mundiais.

A análise destes dados deve considerar que a estatística é uma ciência que, torturando-se adequadamente os números, pode-se justificar qualquer afirmação. Márquez não tem a presença, a experiência e o carisma do italiano, mas está consolidando rapidamente uma carreira extraordinária. É o principal candidato a igualar e ultrapassar os feitos do mito Valentino Rossi. Se vai conseguir manter por vários anos a sequência de resultados atuais é outra história.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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