MotoGP – Efeito giroscópico

segunda-feira, 23 de maio de 2016 às 19:13
Lorenzo e Marquez na última volta em Mugello

Lorenzo e Marquez na última volta em Mugello

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Os projetistas dos protótipos da MotoGP utilizam os mais variados recursos para obter o melhor compromisso entre velocidade em retas e facilidade no contorno de curvas. São muitas as variáveis envolvidas, curva de torque do motor, componentes aerodinâmicos, rigidez (características de torção e flexão) do chassis e transferências de carga entre as rodas durante aceleração e frenagem podem contribuir para máximo desempenho em retas e eventualmente dificultar uma condução eficiente em trechos sinuosos.

Não existe uma única linha de desenvolvimento e engenheiros de equipamentos concorrentes podem optar por soluções totalmente distintas para endereçar um mesmo problema. Nesta temporada, entretanto, existe um consenso entre todos os fabricantes sobre o sentido da rotação do motor.

O giro das rodas de uma moto cria um efeito giroscópico que mantém a máquina alinhada, quanto maior a velocidade, maior o efeito e, consequentemente, maior estabilidade. Esta característica é excelente para motos de estrada, entretanto, talvez não seja adequada para rodar em círculos em uma pista disputando uma prova. A maioria dos pilotos fica feliz com a possibilidade de acelerar ao máximo e manter estabilidade em linha reta, desde que consiga, também, controle e desempenho em curvas.

Todos os fabricantes que participam da principal categoria da motovelocidade – possivelmente pela primeira vez na história – optaram por utilizar o sentido de rotação inverso dos motores. Quando um motor funciona no sentido usual (como a maioria das motos de estrada), o eixo de transmissão gira no mesmo sentido das rodas, contribui para aumentar o efeito giroscópico e dificulta virar a máquina em curvas. A maneira óbvia de reduzir o efeito giroscópico é inverter o sentido de rotação do motor, de modo que o eixo com rotação inversa atue contra o efeito criado pelo giro das rodas.

As vantagens na dinâmica de uma motocicleta são significativas: sem tanto efeito giroscópico a moto pode mudar de direção mais rápido, uma vantagem considerável em circuitos sinuosos. Um motor com a rotação inversa necessita de um mecanismo complementar para manter a roda traseira girando no sentido correto, este eixo absorve uma quantidade significativa de potência, aumenta o peso e as dimensões do motor. Em teoria, uma manivela com rotação inversa também aumenta o “understeer” (tendência de sair de frente) porque contribui para aliviar a pressão na roda dianteira.

Aparentemente todos estes custos compensam porque este ano a Honda, a única fabricante que ainda resistia, inverteu a rotação do motor da RC213V, é a primeira vez que utiliza este expediente desde os dias das 500cc em 1987. A primeira NSR 500, produzida em 1984, foi convencional com o seu motor V4 de dois tempos girando para frente. A reação ao torque despejado na roda motriz levantava a frente durante a aceleração causando muitos problemas para os pilotos, que gastavam tempo demais administrando a potência em vez de pensar na próxima curva. O sentido do motor da NSR500 foi invertido em 1987 e venceu 8 dos 13 títulos que disputou.

Nenhuma alteração é isenta de efeitos colaterais na produção de um protótipo de competição. A Honda foi a última fabricante a adotar a rotação inversa, talvez por isto seus engenheiros estejam com maior dificuldade para ajustar a configuração (setup) da moto de modo que seus pilotos encontrem uma maneira de buscar a retomada de velocidade quando contornam uma curva. As provas da atual temporada mostram que tanto as RC213V da equipe oficial de fábrica como as que são utilizadas pelas equipes satélites tiveram dificuldades de adequação em todas as pistas, Dani Pedrosa, Cal Crutchlow, Jack Miller e Tito Rabat brigam com o equipamento o tempo todo. O extraordinário talento e a capacidade camaleônica de se adaptar às diferentes condições de Marc Márquez foram os fatores determinantes para os bons resultados obtidos pela fábrica.

Nas últimas corridas o piloto de 23 anos controlou sua RC213V dominando um Michelin dianteiro complicado, travando e acelerando, virando e alinhando com reações rápidas em uma sequência alucinada. Às vezes ele exagera e, como em Le Mans, não funciona. As últimas voltas do GP da Itália em Mugello foram didáticas, enquanto Lorenzo conduzia com a eficiência usual uma Yamaha equilibrada, o piloto da Honda parecia galopar um potro bravo. Márquez consegue estes resultados apesar do componente mecânico utilizado para transferir a força rotacional, que reduz talvez sete ou oito cavalos de potência, uma das razões porque a moto deixou de ser um foguete nas retas.

Cabe uma pergunta, todas os outros fabricantes não têm o mesmo problema de perda de potência na conversão do giro do motor para a roda motriz? Têm, mas convivem com ele a bem mais tempo, conhecem melhor suas limitações e já equacionaram o problema de forma adequada. A Honda está atrasada.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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