MotoGP – Dream team

terça-feira, 12 de junho de 2018 às 6:44

Jorge Lorenzo e Marc Marquez

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

“Não é razoável esperar que dois touros dividam o mesmo lote de vacas e sejam amigos”. Pelo que lembro uma frase semelhante a esta foi citada em uma entrevista de Ron Dennis sobre os desencontros de Senna e Prost na McLaren em 1988, ano em que a equipe venceu 15 das 16 provas da temporada e Senna conquistou seu primeiro mundial. Este é o desafio da HRC para as próximas temporadas da MotoGP.

Uma grande expectativa tomou conta do ambiente da motovelocidade com a decisão da HRC em não renovar com Dani Pedrosa e contratar Jorge Lorenzo para ser parceiro de Marc Márquez no biênio de 2019/2020. Com certeza não foi apenas para ajudar o atual campeão a manter a sua hegemonia, Lorenzo espera com este movimento a oportunidade de voltar a pilotar uma moto competitiva e ter condições de ser protagonista. Há algum tempo a MotoGP não utiliza o recurso de identificar nas pistas o campeão da temporada anterior com o número 1, a medida atendeu uma solicitação de patrocinadores para aproveitar material publicitário já existente. Valentino Rossi foi o segundo campeão a manter seu próprio número na temporada seguinte, para valorizar o apelo comercial e a sua identificação pessoal com o #46. Este detalhe também evita que o parceiro de equipe do campeão seja automaticamente rotulado como segundo piloto, o que seria certamente inaceitável para alguém com grandes aspirações.

O contrato com a HRC foi surpreendente. A saída da Ducati era inevitável desde que o piloto afrontou a gestão da equipe e a torcida italiana ao recusar, apesar de insistentemente solicitado, ceder a posição na pista para Andrea Dovizioso em Valência na última prova do ano passado. Os resultados medíocres na atual temporada, até o GP de Mugello a sua melhor colocação foi um sexto lugar, serviram de mote para diversas declarações de desagrado da direção da Ducati. Paolo Ciabatti, diretor esportivo, divulgou para jornalistas italianos que não achava uma boa ideia continuar com Lorenzo se a química não funcionasse no nível esperado, pódios e vitórias. Gigi Dall’Igna, o homem forte da marca de Borgo Panigale e responsável pela contratação do espanhol, sublinhou a jornalistas que não estava contente com os resultados obtidos. Declarações atribuídas ao pessoal de apoio na pista que trabalham para Andrea Dovizioso reportam que o entendimento entre os parceiros não era o ideal.

O espanhol nascido em Palma de Mallorca reeditou no GP da Itália o chamado “Modo Lorenzo”, fez uma corrida impecável, assumiu a liderança na largada e venceu de ponta a ponta. Os espectadores que lotaram o circuito de Mugello, grande maioria fãs de Valentino Rossi, na comemoração do parque fechado mostraram que o piloto espanhol não estava entre suas prioridades, ensaiaram um coro saudando a dobradinha da Ducati gritando o nome de Dovizioso. Nas entrevistas obrigatórias depois da prova Lorenzo discorreu sobre a importância da autoconfiança e determinação para superar tempos difíceis, e foi específico ao afirmar que participaria das temporadas seguintes pilotando outra moto.

Tudo indicava que o caminho de Lorenzo seria um retorno para a Yamaha via uma equipe satélite, com apoio expresso da fábrica. Lin Jarvis já havia se pronunciado que esta seria uma solução aceitável e, dependendo de negociações, poderia fornecer um equipamento atualizado igual ao da equipe oficial. Com a migração da Tech3 para a KTM e as dificuldades da Marc VDS para manter a sua participação na categoria, os direitos dos slots no grid de largada da MotoGP pertencem ao sócio que se desligou da equipe, o potencial de Lorenzo alavancaria os recursos necessários para a formação de uma nova equipe.

O que teria motivado o espanhol a abrir mão da suavidade da M1 para aceitar o desafio o de pilotar uma RC213V, talvez a moto mais nervosa do grid? Esta decisão amadureceu enquanto ele amargava maus resultados e suas solicitações de alterar a ergonomia da GP18 não eram atendidas, antes de Mugello. Sobre a sua escolha, Gigi Dall’Igna resumiu as dificuldades que ele irá enfrentar na nova equipe: “Mudar de uma Ducati para uma Honda ou vice-versa é mais fácil do que mudar de uma Yamaha para uma Ducati. São motos com conceitos diferentes, que influenciam muito o estilo de condução”.

Lorenzo com certeza sabe que seu futuro colega de equipe tem um talento único. Uma opinião generalizada é que a RC213V é complicada, a escolha de pneus de Márquez para as provas sempre é diferenciada, ele é um piloto que registra um número enorme de quedas nos treinos livres em busca dos limites do equipamento e seus cotovelos e joelhos são considerados extensões da moto. A Honda alinha seis máquinas no grid, duas oficiais, duas na LCR e duas na Marc VDS, nenhuma consegue o acompanhar na pista. Na prova vencida na França o segundo equipamento Honda melhor colocado ficou em sexto (Crutchlow), em Jerez em nono (Morbidelli) e nos EUA em sexto (Pedrosa). Só a incrível autoconfiança de Lorenzo, talvez misturada com algum sentimento de orgulho, o fez recusar a oportunidade mais segura de retorno para um equipamento que o projetou no esporte. Ele ganhou 44 corridas e três títulos na Yamaha, a M1 parece ter perdido o seu caminho desde que ele saiu e a fábrica não tem sequer uma equipe de satélite contratada para 2019. Rossi reconstruiu sua carreira voltando da Ducati para a Yamaha em 2013, provavelmente não teria feito este movimento se não tivesse sido para a equipe oficial.

Para a HRC a contratação de Lorenzo é o chamado “Gol de Placa”. A equipe garante os serviços de simplesmente todos os campeões mundiais desde Casey Stoner em 2011. Márquez, Lorenzo e Rossi são os únicos campeões que ainda alinham no grid, Márquez é o atual, a última temporada vencida por Lorenzo foi em 2015 e a de Valentino no longínquo 2009. Utilizando como referência inicial a temporada de 2013, a primeira de Márquez no mundial, os dois pilotos (Márquez e Lorenzo) venceram 60 das 96 provas disputadas, Márquez 38 e Lorenzo 22. Sete pilotos dividiram as 36 restantes, Rossi 10, Pedrosa 9, Dovizioso 8, Vinales 4, Crutchlow 3, Miller e Ianonne 1 cada.

Muitas vezes as proezas de um piloto nas pistas eclipsam outras características igualmente notáveis das pessoas, Jorge Lorenzo é, além um talentoso de piloto, um entusiasta dos esportes motorizados. Ele mantém em Andorra o “Museu World Champions by 99”, uma fantástica exposição de peças que ele reuniu durante o passar dos anos. Os visitantes encontram objetos que foram utilizados por 32 campeões da história da F1, incluindo pilotos como Jim Clark, Gilles Villeneuve, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda, Nélson Piquet, Alain Prost, Ayrton Senna, Michael Schumacher, Fernando Alonso, Sebastian Vettel e Lewis Hamilton, entre outros. Na seção dedicada a duas rodas estão expostos macacões e capacetes de 17 dos 26 campeões de MotoGP e da antiga categoria de 500cc, expoentes como Barry Sheene, Kenny Roberts, Fredie Spencer, Eddie Lawson, Wayne Rainey, Kevin Schwantz, Michael Doohan, Àlex Crivillé e peças de Valentino Rossi, Casey Stoner, Marc Marquez e dele próprio. O local é um ponto de visita obrigatório em Andorra Velha para os visitantes que curtem o esporte de alto nível em duas ou quatro rodas.

Ainda faltam 14 etapas este ano e o grid de 2019 já está praticamente formado. Os poucos assentos que ainda não estão ocupados são de equipes satélite com orçamentos limitados. Valentino Rossi, sempre ele, é um crítico do acerto dos pilotos com outras equipes muito no início da temporada. Ele argumenta que pode prejudicar a troca interna de informações em caso de novos desenvolvimentos e, eventualmente, facilitar resultados para a futura equipe.

Todos reconhecem em Dani Pedrosa além de ser um excelente piloto, um caráter excepcional. Pedrosa desenvolveu toda a sua carreira, iniciada em 2001, no comando de equipamentos Honda nas classes 125cc, 250cc e MotoGP. Ele contabiliza 3 títulos mundiais nas classes de acesso e pelo menos uma vitória por temporada em GPs oficiais desde 2002. É o sétimo piloto melhor sucedido de toda a história dos mundiais da FIM Road Racing World Championship. Sua carreira só não é mais exitosa que as de (1º) Giacomo Agostini, (2º) Valentino Rossi, (3º) Angel Nieto, (4º) Mike Hailwood, (5º) Jorge Lorenzo e (6º) Marc Márquez. Contra o espanhol vale uma colocação importada do futebol e atribuída ao saudoso João Saldanha: “Seleção não é o lugar para goleiro azarado”.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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