Imola 1994… A morte despercebida, a vida digna

terça-feira, 18 de abril de 2023 às 17:17
Roland-Ratzenberger

Roland Ratzenberger

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

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Necrotério de Bologna… Sobre o metal frio das mesas dispostas lado a lado dois corpos devidamente autopsiados. Um deles, Ayrton Senna, famoso e aclamado, com o cérebro estourado, o segundo Roland Ratzenberger piloto quase desconhecido apresentava múltiplas fraturas na cabeça e pescoço. Rescaldo trágico do GP de San Marino.

Mas quem era o austríaco Roland Ratzenberger que disputava apenas sua terceira prova na F1?

Maurizio Sala, piloto brasileiro conheceu Roland quando corria no Japão e guarda boas recordações do austríaco: “Nos tornamos amigos, um cara legal, humano, algumas vezes ele dormia no chão do meu flat para economizar diárias de hotel”.

Naquela época o Japão experimentava extraordinário desenvolvimento econômico e na F1 Ayrton Senna mexia com o imaginário popular, um nobre e valente Samurai a serviço do Império Honda. Categorias locais, como a Fórmula Nippon 3000, esbanjavam dinheiro atraindo pilotos de vários continentes, entre eles, Maurizio Sala, Eddie Irvine, Heinz-Harald Frentzen, Mika Salo, Paulo Carcasci, Johnny Herbert.

Roland Ratzenberger apesar da vida espartana ganhava bom dinheiro. Além da Fórmula Nippon, tinha contrato na categoria turismo com a BMW e pela Toyota em provas de endurance.

A comunidade de pilotos europeus no Japão formava um grupo bem unido relata Anthony Reid, e de certa forma devo minha vida a Roland, um sujeito amigável, boa gente: Fazia teste com um F3000 no circuito de Fuji e quando estava contornando a 100R, curva perigosíssima, veloz, sem área de escape, fui parar no muro a quase 300 km/hora.

O impacto foi tão violento que meu capacete voou, o carro subiu cerca de 4 metros aterrissando de rodas para o ar e ainda nessa posição percorreu uns 50 metros arrastando minha cabeça no asfalto. Havia sangue por toda parte, os bandeirinhas atônitos pela braveza do acidente permaneciam paralisados.

Ratzenberger vinha logo atrás, desceu do carro e conseguiu com apoio de Paulo Carcasci me retirar do veículo antes mesmo da chegada do resgate. Isto facilitou muito o atendimento médico, minutos preciosos que salvaram minha vida.

Heins-Harald Frentzen tem uma história singular a respeito do austríaco: Jantava com amigos quando um árabe vestido a caráter começou a agredir uma moça em pleno restaurante, resolvi interferir naquela situação desagradável. O homem irritadíssimo carregando uma faca veio na minha direção, Roland surgiu do nada, com enorme coragem agarrou e desarmou a criatura insana.

Muito jovem Ratzenberger usando de forma indevida o dinheiro reservado para sua educação, viajou para Itália, onde fez um curso de pilotagem. Tamanha rebeldia lhe rendeu um belo conflito doméstico, tão intenso que resultou no rompimento familiar.

Vivendo por conta própria, Roland trabalhava como instrutor e mecânico em uma escola para pilotos baseada no autódromo de Salzburgring. Nessa época corria de Fórmula Ford conquistando o bicampeonato austríaco da categoria 1984 e 85.

Mas o que lhe rendeu notoriedade foi vencer o festival de F. Ford realizado no circuito de Brands Hatch com 100 inscritos e um companheiro de equipe duro, veloz, Eddie Irvine.

Ano seguinte migrou para a F3 inglesa, porém sem patrocínio ou dinheiro não logrou êxito. Para manter a carreira de piloto corria em toda e qualquer categoria desde que lhe pagassem. E assim foi parar no Japão.

Aos 33 anos veio o convite tão esperado, um teste para ingressar na F1 pela modesta Simtek. Apesar da falta de estrutura e recursos, nomes famosos encabeçavam o projeto: Nick Wirth engenheiro proprietário de um centro automotivo com clientes na F3000, F.Indy e F1, Max Mosley co-fundador da March e Jack Brabham tricampeão mundial.

Durante avaliação o piloto austríaco mostrou-se rápido e bem adaptado à potência do motor Ford Cosworth, causando boa impressão. Assinou um contrato para dirigir o Simtek S941 em 05 etapas do mundial 1994.

Abertura da temporada Interlagos, primeira prova do ano, Roland Ratzenberger não se classifica; Segunda etapa Japão P11. Próxima parada GP de San Marino, circuito de Ímola. Meio a sessão classificatória do sábado a asa dianteira da Simtek falha na curva Villeneuve e o piloto austríaco é lançado numa barreira de concreto, colisão violenta, e sua morte foi confirmada ao dar entrada no hospital.

No domingo o acidente fatal de Ayrton Senna e a morte de Ratzenberger vira nota de rodapé. Contudo fica uma pergunta: Roland possuía talento suficiente para estar na categoria máxima? Quem responde é Johnny Herbert piloto com 03 vitórias na F1:

“O automobilismo perdeu uma das melhores pessoas que já passaram pelo esporte, tanto eu quanto Salo, Irvine, Frentzen tivemos carreira consistentes na F1 e duras batalhas contra Roland no Japão, ele estava no mesmo nível”.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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