Histórias de Interlagos – No quintal de casa

quinta-feira, 6 de novembro de 2014 às 20:54

GP do Brasil de 2013 em Interlagos

Por: Fernanda de Lima

Até os meus 15 anos de idade morei nos arredores do autódromo de Interlagos. Talvez venha daí a minha proximidade com o esporte. Nessa fase tão insegura da vida, de transição da infância para a adolescência, eu achava importantíssimo dizer onde eu morava. Então, com uma frequência anormal eu sempre dava um jeito de encaixar um “eu moro em Interlagos” nas conversas.

Minha casa ficava duas ruas abaixo da Av. Jangadeiro, numa paralela à ladeira que me aventurei a descer de patins pela primeira vez na vida. Primeira e única porque depois de dar de cara com uma árvore, preferi viver perigosamente só nas retas mesmo. Não que elas tenham me livrado dos “incidentes”. Perdi a conta de quantas vezes me estribuchei nas ruas de Interlagos, enfiei os pés em sacos de salgadinhos, abracei árvores e postes para evitar a queda ou até me joguei no chão para que os danos fossem menores.

Morar em Interlagos naquela época era importante. Pelo menos era assim que eu via. As pessoas queriam saber como era viver ao lado daquilo que eles só acompanhavam pela tevê. Exibidamente eu dizia “ahhh… consigo assistir a tudo da janela do meu quarto”. E realmente conseguia. Mas não sem viver perigosamente. E isso, eu não precisava contar a ninguém.

Num sobrado de três quartos, banheiro, sala, cozinha, garagem para dois carros e quintal nos fundos, o meu quarto ficava num local privilegiado: de frente para a rua e a uma entortada de pescoço para a Reta Oposta com visão estratégica – porque eu realmente precisava de muita estratégia para vê-la – para a Curva do Sol do autódromo. Antes fosse apenas uma virada de pescoço para avistar os carros, especialmente as Ferraris que me saltavam aos olhos naquela época – e convenhamos, não só aos meus olhos. Ferrari na pista era como molho de tomate num vestido branco, não tinha como não reparar.

Mas voltando… A janela do meu quarto dava acesso para a rua. E abaixo dela tinha espaço que servia como uma espécie de jardim. Imagine aí um aparador de 1m50 de largura x 50cm de comprimento, todo coberto por flores presas a terra sob uma superfície feita de cimento, com bordas de tijolinhos marrom.

Com a visão tampada das laterais, o que eu enxergava mesmo, com perfeição, era somente o que estava à frente da casa, ou seja, nada de autódromo nenhum. Inconsequente, irresponsável e assustadoramente corajosa, eu nunca pensei duas vezes antes de saltar a janela e ficar me equilibrando naquele minúsculo jardim suspenso do segundo andar da minha casa. Eu precisava ver aqueles carros, fazer parte daquilo, afinal, eu morava no centro do mundo do automobilismo nem que fosse três dias por ano.

Com um dos pés na borda do jardim e o outro perdido entre as flores, tudo o que me segurava era o anjo protetor das crianças e adolescentes. Só podia ser. Porque desequilibrada – fisicamente falando – como eu sou hoje, só algo sobrenatural poderia ter me segurado naqueles dias. Foram anos de contorcionismo naquela janela. Até uma vizinha – fofoqueira – alertar minha mãe sobre os riscos daquela brincadeira.

Hoje aposto mais em riscos calculados, sou bem mais disciplinada e de altura passo bem longe! À Interlagos devo muito. Acho que Lewis Hamilton até se identificaria comigo nesse momento. O campeão de 2008 deve sonhar com aquela corrida e aquele campeonato até hoje. São 6 anos de diferença para a corrida de domingo, e um Hamilton diferente também. O que vai à pista a partir de sexta-feira, chega de uma vitória perfeita nos Estados Unidos. A vitória de um piloto equilibrado, preciso e disciplinado. O bicampeonato está merecidamente bem encaminhado. E só não será aqui pela nada agradável pontuação dobrada de Abu Dhabi.

Fernanda de Lima

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