GP de Trípoli

segunda-feira, 19 de setembro de 2022 às 18:03

Hermann Lang – Mercedes W165

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

Ítalo Balbo foi o principal idealizador da Marcha Sobre Roma, evento responsável em 1922 pela nomeação de Benito Mussolini como primeiro-ministro da Itália. Três anos mais tarde Mussolini se declara ditador e Ítalo Balbo ganha o comando geral da Milícia Voluntária, depois promovido á ministro da aeronáutica.

Inquieto com a crescente popularidade de Balbo junto ao Partido Nacional Fascista e seus caudatários, o tirano resolve designa-lo para cargo bem longe de Roma, governador de Trípoli na Líbia, uma colônia italiana no continente africano.

Como gestor da cidade Ítalo decide ressuscitar o Grand Prix de Trípoli. Ordenou a construção de um circuito belo, nominado Mellaha, entre verdes palmeiras nas areias do deserto. Curvas de alta velocidade com 10 metros de largura e leve inclinação, boxes modernos, uma torre de controle capaz de visualizar, em boa parte, os 12 km da pista.

Serviço de bar e restaurante na arquibancada, camarotes, painel luminoso informando a colocação dos corredores, além de um inédito sistema de luzes para orientação da largada. Inaugurado em 1933, mesmo com tudo isso, a prova fracassava, tinha pouca adesão e um domínio enfadonho da Mercedes.

Para etapa de 1939, Ítalo Balbo e o Automóvel Clube da Líbia, objetivando transformar o GP de Trípoli num programa milionário, remodelaram uma loteria nacional, pré-existente, baseada na classificação da corrida. Naco considerável do valor arrecadado no sorteio, visava subsidiar o espetáculo e premiação dos pilotos.

Chamado de “voituretes” os monopostos com motor 1.5 e compressor supercharger formavam uma casta numerosa, onde prevalecia Alfa Romeo e Maserati. Na classe 4.5 aspirada e 3.0 supercharger os alemães possuíam absoluta superioridade.

Extremado patriota Balbo, querendo a qualquer custo uma vitória italiana, proibiu participação dos veículos 3.0 e 4.5. A Mercedes ficaria fora, uma vez que não tinha carros na categoria voituretes.

Vencer corridas naquela época representava autoafirmação tecnológica de uma nação, Hitler mantinha com dinheiro público os cofres do setor esportivo da Mercedes e da Auto Union. Não menos ufanista, Mussolini considerava questão de honra pátria o triunfo das máquinas italianas.

Reunido com seus engenheiros, técnicos, mecânicos, Alfred Neubauer chefe da Mercedes lançou um desafio e tanto: “Querem nos derrotar em Mellaha sem ao menos nos deixarem competir, vamos, então, construir 02 monopostos 1.5 supercharger bons e vencedores no prazo de 07 meses”.

Faltando 03 dias para término das inscrições em Trípoli, o novíssimo W165 foi testado pela primeira vez numa pista. Motor 1.5 V8, compressor, 250 HP a 8.200 giros, 650 kg., câmbio de 05 marchas, suspensão independente na frente, barras de torção atrás. Amortecedores hidráulicos ajustáveis do cockpit.

Perplexo Hermann Lang, após um bocado de voltas, definiu o carro como uma pequena maravilha: “Você engata uma marcha, logo o motor pede outra, pisei fundo… 230 km/hora e o W165, insaciável, ainda queria mais”.

Maio de 1939 GP de Trípoli… 30 participantes, 02 Mercedes e 28 carros das marcas Maserati e Alfa Romeo. Presença assegurada dos virtuoses italianos, Pintacuda, Luigi Villoresi, Giuseppe Farina, Ettore Bianco, Piero Taruffi. Do lado alemão Rudolf Caracciola, uma espécie de Lewis Hamilton daquele período, 38 anos, mais de 130 triunfos em diversas categorias, e Hermann Lang duas vezes vencedor no circuito de Mellaha.

O treino de classificação começou com temperatura moderada. Luigi Villoresi, Maserati, marca 3.41.80 Caracciola tenta responder, tudo que consegue é 3.43.13, mesmo assim o segundo melhor tempo. No final do treino Hermann Lang supera o companheiro, com 3.42.35, empurrando Rudolf para terceiro. Farina, Alfa Romeo, 3.45.30 completa a primeira fila (formação 4-3-4).

Dia da corrida e uma ocorrência episódica, passagem do fenômeno Scirocco ou Ghibli em árabe. O vento forte, quente, originário do Saara, traz consigo um calor insuportável, 45 graus. No asfalto quase 60 graus, tempestade de areia, céu amarelo, pista suja, tribulação injusta para pneus e motores.

Era um tempo de homens corajosos, mesmo com a terrível condição climática partiram em busca da vitória. Hermann Lang larga bem assume a primeira colocação, o câmbio de Villoresi fica travado na terceira marcha, a Maserati vai para os boxes, Farina ultrapassa Caracciola.

Sem a pressão de Villoresi há um caminho livre para o piloto alemão, que perante a condição do asfalto, enxovalhado de areia, optara por uma relação de marchas longa e pneus usados, garantindo melhor aderência no primeiro terço da prova.

Metade da corrida, pista visivelmente mais limpa, Hermann vai aos boxes reabastece e coloca pneus novos, a tática perfeita rendeu a Lang uma vitória folgada, terceira consecutiva em Mellaha. Com Rudolf Caracciola terminando na segunda colocação, a Mercedes havia conseguido P1 e P2 frente uma legião de carros italianos.

No mesmo ano, no mês de setembro, teve início a Segunda Guerra e as provas automobilísticas foram suspensas por toda Europa. Os dois monopostos levados para Zurique na Suíça, país neutro, permaneceram escondidos até o final da guerra e nunca mais correram. Hoje em dia o W165 faz parte das raridades com exposição permanente no museu Mercedes, uma joia entre outras maravilhas.

Os conflitos chegaram ao Norte da África, muitas batalhas, bombardeios, e o circuito de Mellaha acabou destruído. Restando apenas ruínas daquilo que um tempo foi a pista mais moderna do mundo, em meio a verdes palmeiras nas areias do deserto.

Ítalo Balbo morreu em 28 de junho de 1940 quando sobrevoava Trobuk na Líbia, abatido pelo cruzador italiano San Giorgio num lamentável engano, coisas de guerra.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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