Fórmula 1: um calor de 1.200ºC 05/01/2005)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010 às 13:39
Renault

Os discos de freio dos bólidos mais velozes do mundo superam a marca dos 1.200ºC. Mas a alta temperatura é uma inimiga comum a praticamente todos os sistemas destes carros. Até mesmo a suspensão é monitorada constantemente, pois os gases do escapamento aquecidos a 900ºC oferecem perigo de quebra a mais de 300 km/h, o que causaria acidentes trágicos. Leia a seguir como o calor obriga os engenheiros a usar o máximo de sua criatividade e buscar soluções inovadoras.

De San Marino ao Bahrein, pistas diferentes oferecem condições climáticas bastante diversas, com temperaturas ambientes indo de apenas 12º C a 45º C. Apesar de o observador não especializado dificilmente perceber, para suportar o calor, os carros de Fórmula 1 empregam diferentes sistemas de refrigeração para cada autódromo. Estes dispositivos são desenvolvidos no túnel de vento e possuem dois objetivos: levar o carro até o fim da prova, comprometendo seu desempenho o mínimo possível. Mas a influência da temperatura não se restringe à capacidade de refrigeração do carro, pois muitas de suas funções são sensíveis ao calor.

Motor e chassi

Devido à sua influência direta na refrigeração dos componentes mecânicos, a temperatura ambiente condiciona o desempenho e a resistência durante as corridas. As entradas de ar colocadas na tampa do motor são projetadas para permitir que os engenheiros controlem as condições térmicas do motor e do câmbio. A necessidade de resfriar o motor deve-se a uma relativa ineficiência no processo de combustão, cujo calor escapa do interior do motor para o restante do veículo.

Como em todos os motores de combustão interna, a eficiência térmica de um V10 moderno é de cerca de apenas 30%. Isso significa que quando os 850 cv do F1 são transmitidos para as rodas traseiras, cerca de 2.000 cv são dissipados na forma de calor ou de outras maneiras (como gasolina não inflamada na combustão). “Mais de 50% da perda ocorre em forma de calor”, explica o diretor-executivo de engenharia da equipe Renault, Pat Symonds. “Cerca de 120 kW são absorvidos pelo óleo e outros 160 kW, pela água. Mais de 30% da energia restante é perdida através dos tubos do escapamento.”

A confiabilidade e resistência de um carro de F1 dependem de sua capacidade de resfriar as partes internas, uma missão particularmente difícil quando a temperatura ambiente é elevada. A tarefa dos engenheiros é canalizar o ar o mais rápido possível pelos chamados sidepods (caixas laterais, que ficam nos dois lados do carro) e radiadores, mesmo que este fluxo seja equivalente a não mais que 15% da velocidade do carro na pista. A 300 km/h, por exemplo, o ar que passa pelos radiadores viaja a apenas 45 km/h.

Enquanto isso, a temperatura dos sistemas de refrigeração de água e óleo depende de diferentes parâmetros: o primeiro é resultado da potência média usada ao longo do circuito e é de cerca de 120ºC durante as corridas graças ao uso de um sistema pressurizado (3,75 bar) que aumenta o ponto de fervura da água. A temperatura do óleo é mais influenciada pela velocidade do motor e é de aproximadamente 100ºC.

A refrigeração é garantida por dutos de entrada e saída cuidadosamente projetados. Os sidepods oferecem ar fresco em volume suficiente. Mas para retirar o ar quente do veículo, a Renault emprega saídas localizadas ao longo da tampa do motor. Elas incluem “chaminés”, que são os escapamentos e grades localizados na parte inferior da carenagem. Os projetistas do modelo R24 (modelo de 2004 da equipe francesa) optaram por colocar o radiador de óleo do lado esquerdo do carro, o que explica a natureza assimétrica das chaminés.

De fato, o desafio é garantir ótima refrigeração sem depreciar a eficiência aerodinâmica. Cada abertura na carenagem, mesmo que pequena, prejudica a velocidade, pois a downforce (força aerodinâmica que empurra o carro contra o solo) pode variar em até 5% – ou o equivalente a 0,4 segundo por volta, o suficiente para se perder várias posições no grid, dependendo da pista.

Esta perda de até 5% de downforce varia dependendo se a equipe está usando configuração para máxima ou mínima refrigeração, apesar de pesquisas em andamento terem limitado esta influência. A perda aerodinâmica resultante da redução de 10ºC na temperatura sob a tampa do motor é hoje cerca de 80% menor do que era no ano 2000.

Pneus: os únicos elos

O desempenho na pista é condicionado direta e essencialmente pela forma como os pneus trabalham. A downforce aerodinâmica e a geometria da suspensão têm um único objetivo: otimizar as condições nas quais trabalham os únicos elos entre o carro e o asfalto. A eficiência dos pneus depende em grande parte de sua temperatura, que deve ser idêntica na frente e na traseira, no lado direito e no esquerdo, e ao longo de toda a banda de rodagem.

A temperatura de trabalho ideal dos pneus é de aproximadamente 100ºC e é por isso que são mantidos sob cobertores térmicos antes de serem usados. A temperatura do piso asfáltico – que pode superar 50ºC em circuitos como Bahrein e Hockenheim (Alemanha) – também deve ser levada em consideração quando se escolhe o composto ideal para um Grande Prêmio.

Aerodinâmica

O ar quente é menos denso que o ar frio. Desta forma, por ser menos denso, oferece menor resistência à passagem do carro e, assim, também produz menos downforce aerodinâmica. Nesta situação, apesar de podermos encontrar velocidades do vento idênticas em condições atmosféricas de temperaturas distintas, os engenheiros podem aumentar ou diminuir a inclinação das asas de acordo com o calor maior ou menor.

Suspensão: um risco

Caso os triângulos da suspensão sejam expostos à fumaça aquecida a até 900ºC dos escapamentos, eles podem quebrar e causar sérios acidentes. Por isso, a equipe utiliza escapamentos estilo periscópio, que expelem os gases para cima, por sobre a tampa do motor. Mesmo assim, caso o escapamento quebre, o risco é grande. A fim de garantir que os níveis de calor sejam sempre aceitáveis, a Renault usa pequenos termômetros adesivos que são monitorados a cada parada do carro.

Sistema de freios

A força frenante gerada pelos freios de carbono é quase instantânea. Em temperaturas abaixo de 400ºC, o desempenho dos discos e pastilhas é limitado. Sua eficiência máxima só é atingida a partir de 650ºC. Mas, caso aqueça demais, o carbono sofre oxidação, o que resulta em desgaste excessivo. Ainda assim, sob forte frenagem, a temperatura do carbono chega a 1.200ºC (com acréscimo de cerca de 200ºC para cada décimo de segundo em que o freio permanece aplicado).

Na reta, os dutos localizados entre as rodas fornecem refrigeração suficiente para manter os discos abaixo do limite de oxidação. A Renault desenvolveu uma gama de dutos que podem ser utilizados de acordo com as características de cada pista. Entre os dois extremos – os dutos maiores e os menores que a equipe tem à disposição – o desempenho aerodinâmico do carro pode variar cerca de 1,5%, o que representa 1 km/h de velocidade na reta.

Pilotos também sofrem

Em dias muito quentes, o cockpit pode tornar-se uma sauna com temperaturas acima de 60ºC. Para piorar, o pequeno defletor à frente do piloto, que também serve de pára-brisas, tem a função de impedir que o fluxo aerodinâmico seja perturbado pelo capacete do piloto – o que também o priva de ar fresco. “Geralmente, a única solução para manter-nos refrigerados é abrir um pouquinho o visor do capacete nas retas”, diz o piloto Fernando Alonso. “Algumas equipes abrem um orifício no bico dos carros, mas isso produz uma pequena perda de eficiência aerodinâmica. Mas vale a pena a gente se esforçar por cada milésimo de segundo ganho por volta. Ganhando um pouquinho aqui e outro ali, fazemos um carro cada vez mais rápido”.

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