Flavio Briatore abre o jogo 21/11/05

segunda-feira, 21 de novembro de 2005 às 23:12
Flavio Briatore

O diretor-administrativo da Renault F1 Team já conta com três títulos mundiais de pilotos em sua carreira, e revela que o de 2005 foi o mais difícil. Briatore desmistifica o consenso de que para se dirigir com sucesso uma equipe na categoria máxima do automobilismo é preciso contar com um conhecimento técnico enciclopédico. Mas surpreende ao dizer que usa uma receita “até simples” para vencer os gigantes do automobilismo: “Reúna bons profissionais, faça com que trabalhem em equipe e os bons resultados vão aparecer”. Conheça mais sobre este italiano tricampeão mundial de F1 na entrevista a seguir.

Como o senhor descreveria o fato de a Renault ter conquistado os dois títulos – de pilotos e construtores – de uma só vez?
Esta foi a primeira vez que um fabricante de automóveis importante, que produz carros para todo tipo de consumidor, conseguiu um feito deste tipo. Fomos campeões com um jovem piloto e ainda em um curto espaço de tempo desde nossa volta à categoria como construtores do carro inteiro (motor e chassi). Trata-se de um feito fantástico, tanto para Fernando Alonso quanto para a Renault. Mas isso também prova que a Fórmula 1 é como qualquer outro tipo de negócio. Se você fizer um bom planejamento e perseguir suas metas, vai alcançar a vitória.

Havia uma estratégia básica que norteou a equipe durante a temporada?
Nossa estratégia evoluiu na medida em que nossos competidores foram evoluindo. No início, nós estávamos dominando – em Bahrain, por exemplo, Fernando fez a corrida toda sem nem mesmo chegar ao máximo do giro do motor. Mas a McLaren foi muito veloz a partir da Espanha. Então nós emparelhamos com eles na China. Mas, você sabe, vencer o campeonato não tem nada a ver com apenas lutar por vitórias em corridas isoladas. É preciso garantir que não se perca o foco, o objetivo, e nossa meta em 2005 era o Campeonato Mundial de Pilotos. No final, os melhores resultados ao longo dos GPs conquistam o título, e foi pensando assim que Fernando chegou lá. Depois disso, nos concentramos 100% no título de construtores, e provamos que tínhamos competência para isso também.

A certa altura da temporada, a Fórmula 1 parecia pensar que a equipe estava apenas sendo cautelosa, ao invés de competir realmente ao máximo…
Isso nem de longe é verdadeiro. Basta olhar para a última corrida: assumimos riscos com o acerto do carro. E mostramos o que podemos fazer nestas condições. Mas, com certeza, em algumas áreas – especialmente quando tínhamos clima muito quente – nós não nos arriscamos demais. Poderíamos ter usado um novo motor e, assim, ganhar três décimos de segundo, mas com o ônus de perder dez posições (como manda o regulamento). Esta, no entanto, não é a melhor maneira de agir. Nós tínhamos uma vantagem no início da temporada e soubemos administrá-la muito bem no restante das corridas.

F. Alonso e F. Briatore

Mas vocês não estavam preocupados com a possibilidade de outras equipes os superarem nestas corridas em específico por terem carros mais rápidos?
Veja bem: no futebol, se você está ganhando de 3×0 no final do segundo tempo, não é preciso correr riscos adicionais só para vencer de 5×0. Primeiramente, é preciso garantir que o seu adversário não vai virar o jogo para 4×3. Afinal, mesmo que se chegue a 3×2, você ainda estará à frente… Com a McLaren, nós tínhamos 3×0 depois de Ímola, com uma vantagem de 25 pontos de Fernando para Kimi (Raikkonen). E você pode notar que conseguimos deixar esta vantagem relativamente constante durante todo o resto do ano.

Também se comentou que a Renault teve sorte, beneficiando-se de tantas falhas da McLaren…
Eu acho que é justamente o contrário. A McLaren é que teve sorte, pois seus motores nunca explodiram durante a corrida, sempre nos treinos. Veja o que aconteceu em Monza: Kimi cometeu um erro, rodou, e ficou a apenas um metro da brita – se caísse lá, teria que abandonar. Você deve lembrar que na Austrália Fernando largou em 13º sob chuva e chegou ao pódio. Na minha ótica, isso significa que estas coisas não têm tanta importância. Se outras equipes enfrentam quebras, não é nosso problema ou culpa, pois contar com tecnologia confiável e avançada é parte importante na disputa deste campeonato. Nós conquistamos os dois títulos liderando ao longo do ano todo, e então terminamos bem o trabalho que começamos (no GP da China). Não foi a sorte a responsável por isso.

Falando de aspectos mais pessoais, o senhor já disse que ficou mais emocionado desta vez do que durante seus outros títulos, conquistados em 1994 e 1995. Por quê?
Na época (dos primeiros títulos), eu era muito novo neste negócio e o sucesso veio rápido demais, em apenas quatro anos. Depois, repetimos a dose. Foi mais difícil em 2005. Nós contamos com um piloto muito jovem, e temos a responsabilidade de representar um grupo global como a Renault. E, claro, eu tenho mais experiência. Acho que quanto mais experiência se tem, você acha tudo mais difícil, para mim isso é parte da vida. Mas pense no ano de 2001. Na época, eu disse a todos na equipe que iríamos lutar pelo título em 2005, e isso soava como um sonho então.

Havia muita pressão no fim da temporada?
Nós sofremos muita pressão o tempo todo. Para ter sucesso neste negócio, você realmente precisa de muita motivação, e é justamente por isso que eu coloco muita pressão em todo mundo, a começar por mim mesmo.

O senhor possui um estilo gerencial distinto, e consegue resultados sem o conhecimento técnico que algumas pessoas apontam como essencial. Qual é o seu segredo?
Um administrador precisa ser capaz de aplicar toda a sua capacidade em qualquer tipo de negócio, e ele deve obter um produto de sucesso. Na Fórmula 1, é preciso arregimentar um grupo de bons profissionais, para depois torná-los uma equipe – são eles quem deve desenvolver o produto, o carro de corridas. Caso você faça isso melhor do que os outros, será capaz de vencer campeonatos. No fim das contas, é até simples.

F. Alonso e F. Briatore

A equipe também enfrentou a perda de profissionais de gabarito nas últimas temporadas…
É preciso formar um grupo de pessoas adequado para atingir os objetivos. Eu jamais fui atrás dos grandes nomes do setor. Por isso, se uma ou duas pessoas saírem do grupo, o coração da equipe continuará batendo. Nós temos uma estrutura (administrativa) horizontal, de forma que quando tomamos uma decisão ela chega fácil a todos e é efetivada imediatamente. Isso ajuda as pessoas a saber porque estamos fazendo algo em particular. E, claro, temos o piloto no final da cadeia. Ele traduz o trabalho feito pela equipe em resultados na pista; é dele a responsabilidade de materializar o trabalho duro de todos nós. Mas o sucesso não se resume só ao piloto, ou só à administração, ele se deve a todo o grupo.

Fernando Alonso realizou uma temporada excepcional. O que o senhor pode comentar a respeito dele?
Fernando é um super garoto, e se encaixa perfeitamente na equipe. Eu nunca tive problemas com Alonso e ele compreendeu o que precisa fazer para motivar as pessoas. Fernando tinha apenas 23 anos de idade quando começou a temporada 2005, muito jovem, mas você também deve observar como ele é muito maduro. Tirando o GP do Canadá, ele não cometeu erros o ano todo, foi uma temporada na qual ele demonstrou do que é capaz. Kimi, de seu lado, cometeu falhas, como em Nurburgring ou Monza. Ron Dennis diz que Raikkonen é o melhor piloto do grid, mas minha opinião é diferente. Fernando fez um trabalho inacreditável para a equipe.

E Giancarlo Fisichella – ele ficou na sombra de Alonso em 2005…
Isso acontece em uma equipe, em qualquer equipe… Foi a primeira temporada de Giancarlo com a equipe. Certas vezes ele cometeu alguns erros com o carro, em outras não, mas o fato é que o seu carro sofreu mais no quesito confiabilidade. Mas, de uma forma geral, gostei do seu trabalho, pois não se pode vencer um Campeonato Mundial de Construtores apenas com um piloto; trata-se de um trabalho de equipe. E, se vencemos aquele título, foi por que Giancarlo também realizou uma excelente temporada, como mostrou na China.

A Renault F1 Team venceu os dois campeonatos contando com o quinto maior orçamento do grid, em um esporte no qual todos sabem que o dinheiro é fundamental…
Conseguimos isso graças a nossa eficiência, e isso começa no topo da cadeia de administração. Nós temos uma empresa e uma equipe muito eficientes. Comprar um motorhome enorme não faz seu carro ser mais rápido na pista. O que nos torna velozes é como administramos nossos departamentos técnicos, como planejamos nosso futuro. E nós fizemos um trabalho excepcional nesta área.

A equipe conta com patrocinadores leais. Qual o peso do apoio deles na competição?
Este é um dos fundamentos de se manter uma equipe. Eu olho para as camisas de nossos mecânicos e noto que elas estão cheias de logotipos de empresas, enquanto outras equipes têm metade de sua área vazia. Acho que fizemos um bom trabalho: não somos pretensiosos, sabemos o que nossos parceiros precisam e entregamos o combinado na forma de serviços e resultados fantásticos. Nossa equipe é aberta, e é fácil de se comunicar conosco e de falar sobre nós: não há barreiras ou filtros. Outro detalhe importante é que nós pedimos menos dinheiro que outras equipes, pois gastamos menos, e ainda estamos vencendo. Esta equipe é um grande investimento para os patrocinadores.

Quais são suas melhores e piores lembranças de 2005?
A pior provavelmente é Mônaco. Nós marcamos dois pontos, mas nosso desempenho foi bem abaixo da expectativa, e isso foi difícil de encarar. Quando à melhor lembrança, acho que foi o GP da China. Foi um grande dia para toda a equipe, e nós terminamos o trabalho da melhor maneira possível.

O senhor acredita que estamos no início de um período de domínio da Renault, como o que recentemente vimos com a Ferrari?
A Ferrari teve algumas temporadas de muita sorte, como em 2003, quando outras equipes perderam o título, ao invés de fazer o máximo para ganhá-lo. Estabelecer um longo domínio neste negócio é muito difícil, pois a linha que separa o sucesso do fracasso é muito tênue, algo como um décimo de segundo. Mas em 2006 será a primeira vez que estaremos no mesmo estágio dos demais em termos de desenvolvimento de motor. Em 2004, nós tínhamos uma versão antiga do Supertec. Em 2005, melhoramos muito nessa área, com bons desenvolvimentos. Então, para 2006 todas as equipes estarão no mesmo estágio. Acho que a Renault será novamente competitiva. É preciso, antes de mais nada, que façamos um bom trabalho para que, quando a temporada começar, saibamos como estamos em relação à concorrência. É sempre assim.

SV

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