Ferrari sobe, McLaren desce e Red Bull se afunda

quarta-feira, 13 de julho de 2011 às 17:48

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Pat Fry

 

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Enfim uma vitória da Ferrari. Não poderia ter sido em melhores data e lugar. Em Silverstone, onde 60 anos antes o argentino Froilan Gonzalez deu à Casa de Maranello sua primeira vitória. Ainda melhor, dando então e agora provas incontestáveis de evolução. Sim, a nova Ferrari 150º Italia já poderia até ser chamada de Ferrari Italia 150º B, mas a direção da casa não quer nem ouvir falar em B. Por quê? Não sei, não tenho a mínima idéia, nem consigo entender. Ora, é claramente um novo carro, este redesenhado pelo inglês Pat Fry e os engenheiros que ele conseguiu subtrair da McLaren. Será que temem que algum engraçadinho ponha um sarcástico G antes do B e o carro passe a ser infamemente tratado como Ferrari Italia 15º GB?

Seria cruel, mas cabível. Essa Ferrari que apareceu em Silverstone tem um inegável sotaque britânico. A começar pelo próprio Pat Fry, que foi sugerido por Fernando Alonso para o cargo de diretor técnico ao capo di quasi tutti capi Stefano Domenicali, quando ele cogitava decapitar il vecchio amico Aldo Costa. Domenicali deve ter estremecido. Não por degolar um amigo de 20 anos, ossos do ofício, mas por ter declarado mil vezes à imprensa sua revolta com os insistentes comentários de que italianos não conseguem fazer da Ferrari a força que ela se torna quando nas mãos da engenharia britânica. Fry, a quem Alonso conheceu durante sua mal fadada passagem pela McLaren, se revezava ano a ano com Tim Goss na chefia dos projetos da McLaren, ambos sempre sob a batuta de Paddy Lowe, claro.

Aprovado por Luca di Montezemolo, esse sim o capo di tutti capi, Fry chegou e, entronizado no cargo que antes ocupava Aldo Costa às vésperas do GP de Mônaco, operou milagres. Mal ou bem, Alonso chegou em segundo naquela corrida – e poderia até ter vencido se não fosse a inesquecível bandeira vermelha que garantiu a vitória de Vettel. Ninguém considerou que a pista era de baixa velocidade e que os temidos pneus duros não foram usados. Ou seja, aquele desempenho ainda era obra de Costa. Mas, como diz o provérbio, rei morto, rei posto.

Uma das primeiras medidas de Fry foi trazer dois engenheiros da McLaren: o grego Loannis Veloudis, especialista em CFD (software de dinâmica de fluidos que complementa as pesquisas aerodinâmicas) e o indiano Rupad Darekar, especialista em sistemas de escapamento, tema mais do que em voga na F1. A evolução da Ferrari em Silverstone, há pouco mais de um mês sob a direção de Fry, é inegável. Os carros vermelhos tinham inovações no aerofólio dianteiro e, principalmente, no traseiro, que ganhou ainda mais eficiência com a asa aberta; havia ainda um novo assoalho e novos pontos de fixação da suspensão traseira que permitem maior cambagem, uma maneira de aquecer mais rapidamente os pneus. Que se mostrou eficiente já no terceiro treino livre e no Q1, quando Massa e Alonso ficaram entre os melhores, a despeito de usarem os temidíssimos pneus duros em uma pista de alta velocidade, até então o maior pesadelo de Maranello.

Antes de Silverstone, os homens da McLaren desdenhavam da saída de Veloudis e Darekar, alegando que não era grande perda; depois não se falou mais nisso. Melhor evitar o assunto, os carros vermelhos haviam mostrado desempenho assustador. E o pior era que não foi só o de Alonso, até o de Massa; tanto que os dois marcaram as duas voltas mais rápidas da corrida. Que Ferrari era aquela? Um pesadelo vermelho? Sim, pelo menos para a McLaren, que viveu um inferno neste fim de semana e errou tudo. De ponta a ponta, de cabo a rabo. Primeiro, ao mandar Hamilton à pista no Q3 com pneus usados. O raciocínio era o correto – para dias de sol. Depois de garantir um tempo aceitável, Hamilton voltaria à pista para tentar abaixar o tempo com pneus novos. Só esqueceram, sabe-se lá por que cargas d’água, da chuva que já caíra no final do Q1 e voltaria no fim do Q3, impedindo a melhora dos tempos.

Ainda havia mais erros por vir. Quando viram a pista molhada antes da largada, os engenheiros reduziram em cinco quilos a carga de combustível de Hamilton, algo como 6,66 litros. O raciocínio se baseava na proibição de usar o difusor aquecido, que gastaria menos gasolina, e na pista molhada, quando os pilotos aceleram com mais parcimônia. A primeira sensação de erro veio logo no início da corrida, com o ritmo devastador que Hamilton impôs nas primeiras voltas; e ficou pior quando a pista começou a secar. Era inevitável a redução do consumo de combustível. Era nítido o embaraço deles ao dizerem a Hamilton para diminuir o ritmo nas últimas 15 voltas se quisesse chegar ao fim da corrida. Isso quando Felipe Massa tirava quase dois segundos por volta.

A fúria de Hamilton pôde ser avaliada no selvagem confronto com Massa nas duas últimas curvas, quando defendeu o quarto lugar com unhas e dentes. Mais uma pancadaria entre os dois, mas dessa vez sem despertar rancores de uma parte nem de outra. Mas esperemos até o próximo encontro – é inegável o aumento da temperatura entre eles, ambos em situações de altíssima pressão. Hamilton não sabe se fica ou não na McLaren no ano que vem. Seu contrato vai até 2012, mas há uma cláusula que lhe permite antecipar o encerramento se a equipe não conquistar o Mundial de pilotos, mesmo que seja com Button, ou o de construtores. Mas caso decida sair, para onde poderia ir Hamilton?

Massa vive tempos melhores na Ferrari, mas não muito. Tanto di Montezemolo quanto Domenicali lhe têm dirigido elogios e assegurado sua permanência na Scuderia até o fim do contrato; Alonso, politicamente correto, o inclui em suas avaliações do carro, tipo “eu e Felipe achamos isso ou aquilo”. Mas o mesmo não se pode dizer da inclemente e influente imprensa italiana. A enorme diferença de tempos do qualifying – 608 milésimos a favor do espanhol – e na corrida – quando sua melhor volta só ficou atrás da de Alonso, mas foi 566 milésimos mais lenta – deram motivo às mais ácidas críticas. Nem se considerou que o assoalho de seu carro foi danificado por peças deixadas na pista já na sexta volta – pelo contrário, isso foi visto como desculpa vazia.

Até o fato da Ferrari ter acertado todas paradas do brasileiro serviram para atacá-lo. De fato, a sua última só foi mais lenta que a última de Vettel, em um total de 54 paradas nos boxes neste GP. Isso porque na primeira, Alonso perdeu cerca de três segundos em relação às outras duas, e mesmo assim Massa recebeu a bandeirada em quinto, a quase 30 segundos de Alonso. Alegam que o espanhol gastou 1min14s014 em suas três paradas e Massa, apenas 1min11s326. Nessas ocasiões, qualquer pedra serve para ser jogada contra ele. E a história mostra que tudo que é publicado pela imprensa italiana ecoa profundamente nas decisões da Scuderia.

Mais uma hipótese que afeta Massa e Hamilton começou a fermentar após a bandeirada e pode voltar a agitar o mercado de pilotos. Ela diz respeito à propagada desobediência de Mark Webber às ordens de não atacar Sebastian Vettel nas voltas finais. Terceiro colocado, sem ser pressionado, por que o australiano devia atacar o segundo lugar do alemão? Por que colocar sob risco os 33 pontos já quase garantidos? Apenas para que a vantagem de três pontos do segundo lugar sobre o terceiro passasse de Vettel para Webber? Sim, neste aspecto Christian Horner, o até então imaculado chefe da Red Bull estaria certo. Mas pesaram contra ele as fortíssimas declarações feitas contra a Ferrari antes do último GP de 2010.

Para quem não se lembra, Webber, Vettel e Alonso saíram do Brasil, penúltima etapa, com chances de chegar ao título: Alonso tinha 246 pontos, Webber 238 e Vettel 231. Hamilton, com 222, ainda tinha possibilidades, mas para lá de reduzidas. Na ocasião, Horner disse em alto e bom tom que seus pilotos estavam livres para lutar roda a roda. “Se Alonso for o campeão, azar o nosso, mas nós não vamos mandar nossos pilotos darem passagem um ao outro. Se não formos campeões agora, seremos no próximo ano. O importante é mantermos a filosofia de que isso é um esporte e deve continuar a ser um esporte. Nós não manipulamos resultados como a Ferrari”. Para alegria de todos, os mocinhos venceram. Vettel ganhou o GP de Abu Dhabi, Alonso foi oitavo e Webber nono. O bem havia triunfado sobre o mal.

De um só golpe, Horner rasgou tudo isso, jogou no lixo a aura de justiça e dignidade que circundava a Red Bull – virou mais uma representante de uma Fórmula 1 de poucos escrúpulos, tão condenável quanto a Ferrari pós-GP da Alemanha. Lembram? Naquela corrida Massa completava um ano desde seu lamentável acidente no GP da Hungria. Ao invés de parabéns, o que ele ouviu de sua equipe foram ordens para ceder o primeiro lugar para seu companheiro Alonso.

Tudo isso voltou à lembrança do mundo quando Webber confirmou que a ordem lhe foi dada quatro ou cinco vezes; as primeiras por seu engenheiro, Ciaran Pilbeam; a última pelo próprio Horner, incomodado com a insistência de seu piloto número 2 de não atacar seu piloto número 1. Ou não é essa a hierarquia dentro da Red Bull? Na entrevista coletiva, Webber afirmou que não se conforma com ordens desse tipo. Seu melhor argumento era que se Alonso tivesse qualquer problema, a luta contra Vettel não seria mais pelo segundo lugar, passaria a ser pela vitória. Insofismável, mas também improvável. Horner respondeu que teria uma conversa a portas fechadas com ele, que nenhum piloto é maior do que a equipe.

Confesso minha indignação. Para mim, nenhuma equipe é maior que seus pilotos. Por mais que admire os engenheiros, vejo os pilotos como os verdadeiros heróis, são eles que enfrentam os riscos, que trazem vibração e entusiasmo que fazem das corridas um espetáculo de tanta emoção. Mas, por via das dúvidas, decidi conferir os tempos de volta do Webber, volta a volta. E para minha profunda decepção, verifiquei que, na penúltima, quando Horner entrou em cena, o tempo do australiano caiu drasticamente. Na 49ª de um total de 52 voltas, ele marcou seu melhor tempo na corrida: 1min35s665; nessa altura, Vettel virou 1min36s738; na 50ª, 1min35s968 (MW) contra 1min37s039 (SV); na 51ª e penúltima, quando a ordem veio de Horner, Webber virou 1min37s879, quase dois segundos mais lento do que na 50ª, enquanto Vettel virava 1min38s385. Na última, 1min38s436 para Webber e 1min38s521 para Vettel. O que os tempos mostram é que Webber reclamou das ordens, mas as respeitou.

Uma pena, e por vários motivos. Finalmente se entendendo com os pneus Pirelli, Webber tinha batido Vettel em condições de igualdade no qualify, e se perdeu o primeiro lugar na largada foi apenas porque estava no lado emborrachado da pista – exatamente o que dá mais aderência no seco e o que mais perde no molhado, quando a mistura de água e borracha criam uma superfície extremamente escorregadia. Mesmo assim, se recuperou a ponto de se colocar em condição de ameaçar a posição de Vettel nas voltas finais. Logo ele, que se orgulha de sua imagem de piloto mais combativo da F1 atual.

Terá sido por medo de não ter seu contrato renovado? Logo ele, que parece ser o único piloto que teria para onde ir no caso da casa cair na Red Bull? Pode bem ser essa a explicação. Afinal, a Toro Rosso, onde a Red Bull cultiva seus jovens pilotos, tem mostrado a evolução de Sébastien Buemi e Jaime Alguersuari a cada etapa. Foi exatamente por isso que precisou comprar a vaga do indiano Narain Karthikeyan na Hispania para dar a sua nova aposta, o australiano Daniel Ricciardo, a experiência de um fim de semana GP completo. Não é a política da Red Bull aceitar pilotos tão novos, mas as circunstâncias hoje são diferentes. Vettel já é um campeão mundial e provavelmente será bi no fim do ano. Não precisa mais de um companheiro tão experiente como em 2009, quando chegou à nave mãe com apenas 20 corridas em seu currículo. Hoje, são 71, e serão 81 no fim do ano, quando provavelmente já terá a seu crédito bem mais do que as 16 vitórias e 22 pole positions que exibe hoje.

Sem dúvida a possibilidade de abertura da vaga de Webber na Red Bull excitou não só os jovens pilotos da Toro Rosso; também se deve incluir nesta lista os empresários e pilotos que não andam lá muito satisfeitos em suas funções atuais. Há um mês atrás, um dos candidatos mais comentados era exatamente Massa, que poderia abrir uma vaga para Webber na Ferrari. Outros dois seriam Nico Rosberg e Jenson Button, mesmo estando, ambos, amarradíssimos às suas equipes. O que pode mais uma vez jogar a favor de Massa. Com um contrato de um ano, ele teria tempo suficiente para se estabelecer na Red Bull e fazê-la esquecer de Rosberg e Button. Mesmo que ele não tenha o apelo juvenil do alemão nem a imagem de companheiro ideal para uma estrela de que desfruta Button. Só não muda para Hamilton, que tem as portas da Ferrari fechada por Alonso e as da Red Bull por Horner, que disse no começo da semana que preza mais o ambiente da equipe do que a possibilidade de ter nela duas estrelas de primeira grandeza.

Mas toda esta hipótese cai por terra se for comprovado que Webber tirou o pé do acelerador e cumpriu a ordem de Horner. Pelo menos, é isso que os tempos dele levam a crer. Talvez a telemetria apresente outros motivos para sua queda de rendimento, mas parece difícil. E se foi isso o que de fato aconteceu, o esperneio do australiano diante da imprensa assume contornos mais suaves, apenas uma malcriação de um piloto contrariado que, na hora da verdade, faz o jogo da equipe. Por mais feio que ele seja…

Para dar fim à controvérsia, mais uma vez entrou em cena o dono da Red Bull, o austríaco Dieter Mateschitz, o mesmo que deu as ordens de liberar os pilotos para lutarem entre si no ano passado. Ele não só elogiou Webber por ter atacado Vettel como disse que ele seria um péssimo piloto se não procedesse desta forma. E disse ainda que não resta a menor dúvida sobre a permanência do australiano na equipe em 2012 – de certa forma esvaziando a autoridade de Horner. Mas, no final, deixou escapar uma frase que volta a por em dúvida toda a lisura esportiva que apregoa: “Afinal, ele não vai encontrar um carro melhor para correr nem nós vamos encontrar um piloto melhor”.

Será que não? Bem, não importa. Esta história ainda não terminou de ser escrita. Vai ser importante acompanhar a tensão que recomeça a crescer entre Vettel e Webber. De volta à sua melhor forma, o australiano tem agora licença para ir à luta; Vettel nem precisa, em termos de pontuação, se preocupar muito com o australiano, mas sua imagem será inegavelmente arranhada se vier a ser superado, uma vez que seja, por Webber.

E o próximo GP vai ser na Alemanha…

Lito Cavalcanti

AS – www.autoracing.com.br

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