F1 – Tazio Nuvolari, o Demônio de Mântua

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 às 23:22
Tazio Nuvolari

Muito antes de a Fórmula 1 ser instituída como a conhecemos, desde 1950, a categoria superior do automobilismo já havia dado ao mundo nomes lendários para o esporte. Nazzaro, Rosemeyer, Varzi, Caracciola, Wimille integram as listas dos melhores de todos os tempos, alternando este ou aquele, de acordo com preferências de estilo ou a valorização de uma ou outra característica.

Tazio Giorgio Nuvolari, o Demônio de Mântua, entretanto, permanece como uma das poucas unanimidades, em qualquer relação que se faça, sejam quais forem os critérios. A inegável característica de piloto veloz é apenas um dos aspectos que o transformaram em ídolo nos autódromos de todo o mundo. Seu único objetivo em qualquer corrida era a vitória, não importavam as probabilidades maiores ou menores de alcançá-la ou os perigos que teria de enfrentar. Isso se comprova pelo retrospecto – em 30 anos de carreira e 72 vitórias, Nuvolari terminou em segundo lugar apenas 17 vezes.

Na tentativa de chegar em primeiro, se a alternativa fosse a segunda ou terceira colocação, o resultado mais provável seria o abandono ou até mesmo um acidente, não importa o carro que estivesse pilotando. Havia mesmo na Itália quem acreditasse num “pacto com o demônio”, ou alguma espécie de magia negra, por trás de sua singular e natural habilidade.

A realidade, entretanto é mais simples. Nuvolari passou a vida acumulando experiências em todas as formas de esporte a motor e sua coragem não era, absolutamente, resultado de uma carreira sem acidentes. Ah, não mesmo! O homem quebrou a maioria dos ossos de seu corpo em algum momento da vida.

Tazio Nuvolari

Nascido em 1892, ele já era entusiasta da velocidade aos cinco anos de idade. Seu pai criava cavalos e a diversão do pequeno Tazio era agarrar pelo rabo animais já domados e fazê-los correr. O resultado foi o primeiro ferimento sério – um coice quebrou-lhe a perna. Mas isto não seria suficiente para mantê-lo longe do perigo. Aos quatorze anos já aprendera a andar de motocicletas.

Foi com elas, no início da década de 20, que Nuvolari tornou-se conhecido. Nos três primeiros anos, não venceu nenhuma prova, quando ainda andava apenas com as motos que suas posses permitiam adquirir. Após o primeiro êxito, em 1923, entretanto, alcançou uma sucessão de vitórias. A mais notável em 1928, na pista de Monza. Na véspera, durante os treinos, se machucou seriamente, lesionando as duas pernas.

No dia seguinte, tendo recebido a recomendação de ficar um mês de cama, “Nivola” aparece na pista com ambas as pernas engessadas. É amparado e colocado na moto pelos mecânicos até o grid de largada. Mais de quatrocentos quilômetros depois, voltam os mecânicos à linha de chegada para receber o vencedor. Isto foi pouco antes de Nuvolari começar a interessar-se por coisas com quatro rodas e um volante.

Tazio Nuvolari

Dois anos mais e viria a decisão de correr exclusivamente com automóveis, disputando roda a roda com o grande rival e amigo Achille Varzi, piloto cerebral, calculista que dificilmente quebrava carros. Toda trajetória era perfeita. Não havia esforço físico em sua condução, nem um acidente sério em toda a carreira, a não ser o que resultou em sua morte.

Num claro contraste encontrava-se o mantuano, que nunca poderia ser descrito como um piloto racional. Apesar de reconhecido por ninguém menos do que Ferdinand Porsche como excelente mecânico, Nuvolari dispensava o mínimo cuidado à integridade do equipamento, o suficiente para cruzar a bandeirada em primeiro lugar. Também não se preocupava com os princípios estabelecidos de corrida.

Certa vez um dirigente levou um jornalista especializado para dar a volta na pista, após uma prova, comparando a maioria das marcas de pneu que denotavam a trajetória normalmente aceita, com as marcas dos pneus do carro de Nuvolari. O jornalista registrou: “Obviamente ninguém faz essa curva dessa maneira, é acidente na certa. não há alternativa.” Tazio não bateu e venceu a corrida. E foi mais rápido naquele ponto do que qualquer um.

Tazio Nuvolari

Antes de cada prova analisava não só o traçado como também a superfície da pista – não raro, nos treinamentos, andava com metade do carro pela área de escape, observando as mínimas ondulações, para certificar-se da melhor trajetória. Aliás, Nuvolari é freqüentemente associado à origem da derrapagem controlada nas quatro rodas.

Um episódio que demonstra sua inacreditável perícia foi a observação casual, feita após a prova, de que não usou os freios de sua Maserati no Grande Prêmio da Itália de 1934. Os mecânicos tinham drenado o fluido do sistema para a pesagem e esqueceram de fazer a reposição. Só mais tarde se lembraram do fato.

Ao contrário do que se pode pensar, o relacionamento entre Nuvolari e Varzi fora das pistas era bastante amistoso. Tamanha especulação havia sobre qual dos dois seria o melhor que uma corrida mano a mano foi proposta. Nuvolari, entretanto, sabedor de sua própria atitude “ou vence ou morre”, disse a Varzi: “Se perder essa, nunca encontrarei paz novamente. Se ganhar, lamentaria muito por você, mas, de qualquer modo, nossa amizade estaria arranhada, não penso que essa disputa tenha importância.” Avaliaram a situação e o assunto terminou com os dois reunidos para um drinque.

Os números da carreira de Nuvolari falam por si, mas o que realmente conta são as histórias que narram as corridas que ele venceu ou quase, sem ter, na realidade, nenhuma chance. Não aquelas em que ele simplesmente dispunha de equipamento inferior – Não! Isso foi a maior parte do tempo, considerando o fato de que estava quase sempre ao volante de uma Alfa, em clara desvantagem com as enormes Flechas de Prata e Auto-Union, invariavelmente conduzidas por alguns dos melhores pilotos da época.

Tazio Nuvolari

Transcorria o ano de 1935 e, o cenário, os quase 23 quilômetros de curvas traiçoeiras, subidas, descidas e curvas cegas de Nurburgring. Aqui, Nuvolari dirige uma Alfa Romeo tão vastamente inferior em relação aos competidores alemães que chega a ser absolutamente risível. Para tornar as coisas piores, Nuvolari aparece para a largada com a perna direita novamente imobilizada – isso significava acionar freio, embreagem e acelerador com a perna esquerda. Os fatores adversos, entretanto, não pararam por aí.

Tão logo assume a liderança, os boxes da Alfa são tomados por um estado de histeria sem precedentes e tamanho era o entusiasmo quando Nuvolari entrou para reabastecer que o mecânico responsável pela tarefa, afobado, acabou quebrando o dispositivo que acionava a bomba! Um tempo significativo foi perdido no reabastecimento feito por latas, o que resultou na queda para o quinto lugar. Dirigindo como um demônio, Nuvolari recupera posições e ainda consegue ultrapassar a Mercedes de Von Brauchitsch, que liderava, pouco antes da linha de chegada.

Sua mais singular e perigosa façanha foi na Mille Miglia de 1930. Varzi liderava e, segundo ele próprio, dando tudo que podia mas seguro, na escuridão total, de que não havia ninguém por perto. Mal sabia ele que o eterno rival o seguia, com os faróis apagados, aproximando-se milha após milha. Finalmente, em uma curva, Nuvolari executa a ultrapassagem, acende os faróis e vai embora. Foi uma vitória espetacular. O mecânico que o acompanhava nunca soube dizer quantas orações fez durante todo o tempo que durou a perseguição.

O Mantuano Voador permaneceu nas pistas ainda por muitos anos. No fim da vida, contraiu tuberculose mas continuou competindo. A última vitória – primeiro em sua classe, 5º. na geral – foi numa prova de Subida de Montanha no Monte Pellegrino, Itália, em 1950. Tazio Nuvolari morreu em 1953, vitimado por uma trombose que se somou a outras complicações. Foi enterrado vestindo o capacete de couro e um volante junto ao peito.

(03/02/2006)
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