F1 – Pilotos pagantes. E daí?

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018 às 19:02

Por: Adauto Silva

Hoje publicamos uma matéria onde a dona da equipe Williams de F1 – Claire Williams – disse que é injusto chamar seus pilotos, ou qualquer piloto, de “pagante“.

Que tal discorrermos sobre isso com a mente aberta, sem preconceitos de qualquer natureza?

Podemos classificar a Formula 1 em três eras: Amadora, semi-profissional e profissional.

É difícil precisar exatamente o ano em cada uma começou, mas isso é o menos importante. O que importa é o que cada uma representou e representa.

Oficialmente a era semi-profissional começou em 13 de maio de 1950, quando a FIA anunciou a prova inaugural do campeonato mundial de F1, em um sábado no Circuito de Silverstone, na Inglaterra, para não coincidir com um culto religioso local.

Antes disso podemos considerar a F1 como “amadora” ou seja, só pilotos com muito dinheiro e coragem, lordes e afins, conseguiam pagar todas as despesas que haviam para participar de alguma ou todas as corridas existentes. E foram muitos anos assim correndo na Europa, uma vez que o campeonato era europeu. Patrocínio não existia, a não ser um ou outro piloto que escrevia o nome da sua empresa ou da empresa da família no carro.

A partir de 13 de maio de 1950, quando a FIA assumiu, podemos considerar que a era semi-profissional começou. A FIA incluiu as 500 Milhas de Indianapolis para o campeonato não parecer somente europeu. E então muito timidamente começaram a aparecer algumas marcas e algumas fábricas querendo participar do campeonato. Em virtude do mundo ainda não ter se recuperado totalmente da Segunda Guerra Mundial, os carros eram todos dinossauros do pré-guerra e podiam participar com motores turbo até 1,5 litro ou com motores aspirados de 4,5 litros. A presença da Alfa Romeo logo de cara com suas Alfettas dominantes deram a importância que a categoria precisava naquele início. A Ferrari também entrou (mas os carros não ficaram prontos para a prova inaugural), assim como a Maserati, algumas “Voiturettes” e carros esportivos modificados, como os Talbots.

Alguns pilotos foram contratados, alguns convidados, mas a maioria tinha que tirar do próprio bolso para tudo, inclusive comprar os carros. As Alfettas que começaram dominantes, a partir de 1952 não eram páreo para a Ferrari, que fez carros modernos e dominou completamente. Em 1953 a Alfa abandonou a F1 porque alegou não ter recursos para fazer carros novos e desafiar a Ferrari ou quem quer que fosse que fizesse carros modernos. Por aí já vemos como a era semi-profissional precisava de investimentos que sequer uma fábrica de carros estava disposta a fazer.

A Mercedes entrou em 1954 já dominando de cara e junto com a Ferrari e outras fábricas, pagava um “troco” para seus pilotos, além das despesas de locomoção. Mas a maioria anda tinha que pagar para correr, apesar de alguns patrocínios tímidos começarem a aparecer. Os custos já eram altos para a época, uma vez que o regulamento mudava e o carro do ano anterior já não podia mais correr.

E assim a categoria foi indo até o final da década de 60. Alguns garagistas ingleses entraram e conseguiam algum patrocínio aqui e ali, mas quase nunca o bastante para bancar todos os custos, inclusive os pilotos. A maioria dos pilotos que não tivesse dinheiro próprio, tinha que dar um jeito de conseguir algum patrocínio para ajudar a equipe, pois eram poucas as que podiam contratar pagando salário.

A década de 70 pode ser considerada como aquela de transição entre o semi-profissionalismo e o profissionalismo total. Bernie Ecclestone, que era dono da Brabham, mas já fazia negócios com a F1 e para a F1, resolveu mergulhar de cabeça na administração da F1. Então na década de 80 temos o início do profissionalismo total. Quer dizer, total não, pois muitos garagistas ainda teimavam – e às vezes conseguiam – participar vencendo corridas e campeonatos. Mas só os garagistas com visão empresarial conseguiram continuar na F1. Todos os outros – e foram muitos – faliram.

E visão empresarial é conseguir dinheiro de todos os lados, inclusive dos pilotos. Pilotos que conseguiam trazer patrocínios tinham – e tem – prioridade. Só equipes muito grandes, sempre apoiadas por grandes montadoras, tinham e tem até hoje condição de contratar pilotos apenas pelo talento puro. E mesmo essas equipes, quando têm possibilidade de escolher entre pilotos com talento parecido, prefere os que atraiam patrocínios.

Mas isso quer dizer que atualmente pilotos sem nenhum patrocínio não tem chances na F1?

Lógico que tem. Talento adianta…. e muito! Hoje em dia até melhorou, já que se você tiver talento MESMO consegue entrar no programa da Red Bull, Ferrari, Mercedes ou McLaren. Até a Williams ajuda alguns pilotos nas categorias de base, como fez com o Valtteri Bottas, que nunca teve dinheiro ou patrocínio pessoal. Os dois tetracampeões atuais de F1, Hamilton e Vettel, estariam na categoria com todas as glórias sem o apoio da McLaren e da BMW respectivamente?

E os quatro pilotos atuais da Red Bull e Toro Rosso? Eles não colocaram um tostão do bolso ou trouxeram patrocínio para chegar na F1.

O “problema” é que quando você entra num programa como o da Red Bull, Ferrari, Mercedes ou McLaren, você tem que se destacar entre os outros que estão lá, que são os melhores de várias categorias de base pelo mundo. E então você tem uma chance real de chegar na F1 sem levar um único tostão.

Antigamente isso não existia. 99% dos pilotos precisava pagar pra correr nos primeiros anos, ou correr de graça. Dos 3 grandes do Brasil, Emerson foi o único realmente contratado pela Lotus de Colin Chapman já ganhando salário pra começar. O salário era praticamente irrisório, mas era um salário.

Piquet correu de graça pela Brabham uns 2 ou 3 anos antes de começar a ganhar salário. Senna pagou, já que teve que levar patrocínio pra entrar na F1, assim como Lauda, Schumacher (Mercedes pagou USD 400 mil pela primeira corrida dele na Jordan), Alonso (um banco espanhol) e quase todos os outros daquela época.

Lógico que se você tiver dinheiro (patrocínio monstro) você chega lá e fica em equipes de fundo de grid até seu patrocinador dizer chega. Não preciso citar exemplos…

Veja como estão os programas atuais das equipes de jovens pilotos:

Ferrari Academy
Antonio Fuoco – F2
Guan Yu Zhou – F3
Giuliano Alesi – GP3
Marcus Armstrong – F4 italiana
Enzo Fittipaldi – F4 italiana
Gianluca Petecof – Kart
Charles Leclerc GP3, F2

Red Bull Junior Team
Dan Ticktum – Gp3 (venceu macau)
Neil Verhagen – gp3
Jack Doohan – F4
Dennis Hauger – F4
Jonny Edgar – Kart
Harry Thompson – Kart

McLaren Young Driver Programme
Nobuharu Matsushita – F2
Nyck de Vries – F2
Lando Norris – F3

Resumindo, a Claire não deixa de ter razão. Todos ou praticamente todos os pilotos precisam de dinheiro para chegar à F1. Mas ninguém se mantém lá por muito tempo só pelo dinheiro.

A questão de onde vem o dinheiro para chegar é apenas semântica.

Adauto Silva
Leia e comente outras colunas do Adauto Silva

AS - www.autoracing.com.br

Tags
, , , , , , , , ,

ATENÇÃO: Comentários com textos ininteligíveis ou que faltem com respeito ao usuário não serão aprovados pelo moderador.