F1 – O “cara bom” e o “bom cara” (vídeos)

segunda-feira, 1 de junho de 2020 às 16:15

Fernando Alonso na Ferrari em 2010

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

O Departamento de RH (Recursos Humanos) de uma grande indústria recebeu uma requisição da Pesquisa e Desenvolvimento para repor um funcionário que havia sido seduzido por uma empresa concorrente. O inusitado da solicitação estava nas últimas recomendações, depois de enumerar salário oferecido, formação acadêmica e a relação de qualidades desejadas, o requisitante incluiu uma última exigência: Indispensável que, além de ser um “cara bom”, também seja um “bom cara”. Traduzindo, além de exercer as atividades com competência, devia ter a capacidade de trabalhar em equipe e uma personalidade agregadora. Se esta requisição fosse formulada para contratar um piloto para Fórmula 1, Fernando Alonso não seria um candidato adequado.

Poucos duvidam da capacidade de Alonso no volante de um monoposto durante um GP, é um piloto habilidoso, inteligente e eficiente. Todo o seu talento pode ser comprovado se tiver um carro competitivo e a controle total da equipe, o resultado sem dúvida é compensador. Fernando Alonso adaptou a máxima do direito, reconhecida na legislação de quase todas as nações como presunção de inocência, “In dubio pro reo“, a versão do piloto espanhol é “In dubio, pro eu”.

Muitos consideram Fernando Alonso como um dos melhores pilotos da história do esporte motorizado, além de bicampeão da Fórmula 1 (2005 & 2006) ele venceu o Mundial de Endurance da FIA (2018/2019), duas vezes as 24 Horas de Le Mans (2018 & 2019) e as 24 Horas de Daytona (2019).

Fernando Alonso estreou na Fórmula 1 em 2001, pelas mãos do empresário Flavio Briatore e, apesar de não marcar pontos na temporada teve um desempenho melhor que seu companheiro na equipe Minardi, o tupiniquim Tarso Márquez. Depois de passar 2003 como piloto de testes da Renault, assumiu o cockpit da equipe oficial substituindo o britânico Jenson Button, que viria a ser campeão da Fórmula 1 em 2009 pela Brawn GP. Alonso conquistou com a Renault os títulos de 2005 & 2006.

Apesar do bicampeonato Alonso trocou a Renault pela McLaren em 2007, esperando colocar o seu nome na história da F1 colecionando títulos mundiais, teria como companheiro de um novato chamado Lewis Hamilton. Criou uma enorme expectativa na McLaren, a equipe não tinha um título de pilotos desde Mika Hakkinen em 1999. Foi um ano complicado, irritado com o que chamava de tratamento diferenciado dado a Hamilton, Alonso entregou à FIA e-mails que comprovavam o envolvimento do chefão da equipe, Ron Dennis, em um escândalo que ficou na história com o nome de “spygate” e envolveu McLaren e Ferrari. Relembrando, o diretor de desenvolvimento da Ferrari, Nigel Stepney, forneceu informações confidenciais da F2007 a Mike Coughlan, um dos projetistas do MP4/22. O material totalizava 780 páginas, que foram analisadas pelo corpo técnico da equipe inglesa, incluindo Alonso e então piloto de testes Pedro de la Rosa. Esta atitude não facilitou a vida do espanhol, mas continuou sendo tratado como um piloto da equipe.

Fernando não estava feliz quando chegou na etapa da Hungria, Hamilton tinha uma vantagem de 2 pontos na classificação geral. Na ocasião o genioso espanhol declarou à imprensa em palavras textuais: “Tenho um companheiro britânico, em uma equipe britânica. Todo o benefício vai na direção dele”. A McLaren tinha um acordo verbal para treinos classificatórios, em situações alternadas, um dos pilotos tinha direito a uma volta a mais no Q3. Em Hungaroring, pista onde as ultrapassagens são extremamente complicadas, Alonso seria o beneficiado. Durante os minutos iniciais da classificação Hamilton se recusou a abrir o caminho para o companheiro. Quando estava faltando poucos minutos para encerrar o tempo, os dois foram ao pitlane para colocar um último jogo de pneus e tentar a pole, Alonso entrou antes e fez a sua troca. Inexplicavelmente ficou parado após receber a liberação da equipe, aguardando uma sinalização combinada com seu fisioterapeuta. Atrás Lewis esperava. No retorno à pista, Alonso acelerou forte e abriu o giro rápido faltando 2 seg para encerrar o treino. Hamilton, como planejado, não teve a mesma sorte e não pôde dar a última volta rápida. A FIA puniu Alonso com perda de cinco posições do grid de largada, o que acabou dando a pole para Hamilton. O britânico ganhou a corrida, seguido por Kimi Raikkonen, o espanhol ficou em 4º.

O relacionamento entre Felipe Massa e Fernando Alonso foi o que se espera entre colegas de profissão e pilotos da mesma equipe. No GP da Europa de 2007 depois de ter vencido a prova o espanhol reclamou acintosamente do tupiniquim, em uma ultrapassagem os dois carros chegaram a se tocar. A roda da Ferrari de Massa bateu na carenagem da McLaren, deixando marcada a lateral do carro. Alonso não gostou da situação e expressou sua irritação com muito estardalhaço.

Em 2010 no GP da China, Alonso, primeiro ano dele na Ferrari, mostrou já na quarta corrida que se considerava piloto principal da equipe. O espanhol forçou passagem sobre o brasileiro na entrada dos boxes, teve preferência no pit stop e obrigou Felipe a esperar sua troca de pneus. Como resultado Massa perdeu posições e viu Alonso sair de Xangai à sua frente na tabela de pontos.

Nada, entretanto, se compara ao que aconteceu na Alemanha no mesmo ano. A Ferrari forçou Felipe Massa a dar a vitória para o espanhol, que lutava pelo campeonato com a McLaren e a Red Bull. Vettel na Red Bull conquistou a pole position apenas 0,002 seg à frente da Ferrari de Alonso, mas como ambos hesitaram na largada, Massa ultrapassou ambos por fora. Liderou a competição até a volta 49, quando Alonso reclamou com a equipe pelo rádio “Isso é ridículo”, ele considerou que Massa o estava prejudicando na luta pelo título. A Ferrari mandou e então a seguinte mensagem para o brasileiro: “Fernando é mais rápido que você, pode confirmar que entendeu a mensagem”. Para a humilhação ser definitiva depois de ceder a liderança a equipe tentou consolar Massa: “Bom menino, agora fique atrás dele. – (pausa) – Desculpe”. Alonso, com um cinismo extraordinário, ainda perguntou para a equipe se havia acontecido alguma coisa com Felipe e sugeriu que ele poderia ter perdido uma marcha.

Em 2015 Alonso deixou a Ferrari e migrou para a McLaren, que comemorava também o retorno do motor Honda, tentando reeditar uma associação que, entre 1988 e 1992, resultou em 44 vitórias, 91 pódios e 53 poles (incluindo os campeonatos de Senna em 1988 & 1990). Não foi uma história com final feliz. Após três anos de parceria, um longo histórico de falhas, abandonos e nenhum sinal de evolução na confiabilidade dos motores. Alonso sempre fez críticas contundentes aos propulsores japoneses, a ponto de durante o GP do Japão, na casa da Honda, frustrado com a falta de potência disse no rádio que parecia um motor de GP2 – atualmente Fórmula 2. Cabe lembrar que a fábrica japonesa bancava o seu salário na McLaren.

Os efeitos das críticas ácidas de Alonso à Honda durante a parceria do fabricante japonês com a McLaren ainda estão presentes na memória da montadora. Nos últimos dias de 2019 a Liberty Media, que administra os direitos comerciais da Fórmula 1, sondou a Red Bull sobre a possibilidade de a equipe contar com Alonso para 2020. A equipe austríaca respondeu que não seria possível, só o nome de Alonso causa repulsa aos japoneses.

Antes da pandemia do Corona Vírus, integrantes da equipe Andretti informaram que a empresa nipônica havia vetado a participação de Fernando Alonso com um propulsor Honda no que seriam as 500 Milhas deste ano.

O bicampeão está fora da principal categoria do automobilismo mundial desde o final de 2018. Apesar de um histórico de grandes resultados, o espanhol também ganhou a fama de piloto difícil e de convívio complicado com as equipes. Definitivamente é um “cara bom”, mas não é um “bom cara”.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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