F1 – Não é a cor da pele que define o seu caráter, mas a sua competência!

terça-feira, 2 de junho de 2020 às 14:05

Lewis Hamilton

Colaboração: Victor Manoel de Oliveira Nunes

O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons. Provavelmente leitor, você já ouviu essa frase alguma vez na sua vida. E ela retrata bem o momento angustiante pelo qual passamos. A provação que o senhor está proporcionando a sociedade como um todo, parece não estar sendo levado a sério por seus pares; e o período que deveria ser de reflexão para nos tornarmos uma coletividade melhor, mais sensata, humanizada e contributiva; está transformando em seres ainda mais desprezíveis, asquerosos e destiladores de ódios.

Impressiona que nem nos piores momentos, a sociedade tenta convergir para o propósito do bem estar social. A polarização nefasta potencializada entre esquerda radical x extrema direita que cultivam político de estimação e ideologias macabras com a segregação de etnias, raças, sexo… são majoritariamente responsáveis pela periclitante situação e abismo infinito pelo qual estamos imersos.

Quando Lewis Hamilton, hexacampeão mundial da categoria do automobilismo mais importante do planeta, manifesta através das suas mídias sociais, a tristeza pela pouca relevância dos seus colegas de profissão em divulgar mensagem de apoio a sua raça que constantemente é alvo de ofensas injuriosas e racismo velado por todos os pontos da redonda terra; sujeitos, sem a menor empatia, compaixão, destila veneno, aduzindo que o mesmo só quer aparecer; que é cheio de mimimi; que deveria incomodar-se somente em pilotar, demonstra que não aprendemos nada do que é viver em comunidade na sua plenitude.

É muito fácil para você branco que nunca passou por situações constrangedoras, porque não humilhantes, em virtude da cor de sua pele. Desdenhar um irmão pelas suas declarações em legítima defesa da sua raça, merecem todas as repulsas possíveis. É um verdadeiro desserviço que presta a nação. É uma involução doentia. Hamilton como personalidade, formador de opinião e ídolo para os jovens, tem o compromisso de lutar pela causa. Ser o verdadeiro mestre, contribuindo incessantemente na disseminação de que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. E esconder-se, como alguns grandes esportistas (inclusive tupiniquins que parecem ter vergonha ou preconceito de aceitarem ser negros) acovardam-se e ficam silentes, definitivamente para o piloto do carro 44, não é, tão pouco será opção. Porque ele tem caráter, hombridade e atitude. Isso é para poucos.

Analisem. Conformem-se. Lewis é campeão não somente na esfera esportiva. Mas é digno de aplausos também no social. Afirmar que ele é hipócrita pelas suas atitudes é mais uma dentre tantas fake news arquitetadas a rodo por odiosos de plantão. Um sujeito ligado a causas ambientais que executa o que propaga (hamburgueria vegana, coleção de roupas recicláveis, causas animais), defensor da igualdade social/racial e extremamente limpo nas suas atitudes dentro das pistas, ratificam ainda mais o sujeito espetacular que é.

E isso incomoda demais os que só sabem reclamar da vida; que não procuram contribuir de forma produtiva na sociedade e não faz 1/10 do que Lewis propôs e executou durante esse período. Alguns podem imaginar, mas ele é bilionário, deveria ficar calado. Ora, ninguém aqui sabe os percalços que ele passou junto a sua família para chegar a Fórmula 1. Carlos Drummond de Andrade é super feliz ao aduzir que “Fácil é julgar pessoas que estão sendo expostas pelas circunstâncias. Difícil é encontrar e refletir sobre seus erros, ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado. E é assim que perdemos pessoas especiais”.

Importante deixar registrado: privilegiado é saber que nenhuma dificuldade da sua vida teve a ver com a cor da sua pele. Questiono a cada um de vocês? Quantos pilotos negros já passaram pela Fórmula 1? Quantos venceram corridas e campeonatos? Quem é o melhor de todos os tempos?

Para reflexão! Não é ficção. Contra fatos não há argumentos. A realidade é nua e crua. Não podemos fugir do que é. Segundo o IBGE, dados de 2019, dos 209,2 milhões de brasileiros, 19,2 milhões declaram-se negros e 89,7 milhões declaram-se pardos. Isso equivale a 56,10% da população geral.

O rendimento médio domiciliar de um negro é de R$ 934,00; enquanto os brancos ganhavam, em média, R$ 1.846,00. Quase o dobro, meus caros. Entre 2007 e 2017, o número de assassinato de negros subiu 33,1% e de não negros 3,3%. Isso são alguns dados que retratam a extensa desigualdade existente em terras brasilis. Entretanto, continuo a indagar, quantos representantes negros temos como CEO de empresas, multinacionais? E a representatividade no parlamento brasileiro? Chefe do Executivo?

Estamos presenciando uma das maiores manifestações em defesa dos direitos civis dos negros em quase meio século nos Estados Unidos da América. Quer queira ou não, é o reflexo também, do descaso que acontece em diversos outros países, ainda mais nos subdesenvolvidos, diariamente. E o assassinato do George Floyd, asfixiado por um policial branco intensificou ainda mais a luta pela igualdade de raça entre os povos. O regime democrático impera, necessita e suplica que não fiquemos inertes diante do rompimento do bem mais precioso que há: a vida. A manifestação é saudável desde que o ideal seja perquirido com instrumentos pacíficos. E como bem salientou Barack Obama, deve ser um manifesto racial e político. Não tem como desassociar-se. Mas sempre em tom conciliatório; evidentemente que alguns meliantes ultrajam o propósito e danificam a imagem real do objetivo.

Manifestar algo, não significa que você deve sair para as ruas em multidão. Pelo contrário, com o aparato tecnológico, uma simples mensagem de apoio a um determinado grupo, faz uma enorme diferença para uma minoria historicamente marginalizada perante a sociedade. Ação tão básica que a disseminação do preconceito, deixou de ser repugnado, para tornar-se algo banal. Ou seja, a sociedade acostumou-se e por isso ficou.

Richard Branson

Sir Richard Branson, proprietário do grupo Virgin (ex-patrocinador da Brawn GP e dono da extinta Virgin F1 e atual sócio na equipe da Fórmula E) foi de uma felicidade, ao postar no Instagram a seguinte mensagem do Arcebispo Desmond Tutu “se você é neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor”.

Portanto meus caros, cada qual tem a liberdade de manifestar-se quando bem queira; todavia quando você é uma personalidade, exemplo para milhões de pessoas, a responsabilidade social impera e o silêncio ensurdecedor angustia sim. Foi preciso o maior de todos os tempos, escrever algumas palavras duras solitárias para que o circo da Fórmula 1 começasse a aderir ao movimento. Pilotos principalmente; porque de equipe, só vi manifestação da própria Mercedes. Corrijam, por gentileza, se eu estiver enganado. Nem a Liberty Media escreveu mensagem (até o prezado momento) defendendo a luta incessante contra o racismo. Antes tarde do que nunca!

Leclerc, Ricciardo, Lafiti, Perez, Norris, Sainz, Russel, Giovinazzi endossaram o apoio ao Hamilton. Provavelmente Vettel deve ter enviado alguma mensagem no particular; tão discreto que é nas suas atitudes pessoais. Sentiram falta de alguém? Pois é! Não há desculpas para o holandês Max Verstappen. Eu que o defendi tanto (há quatro anos) e solicitando calma aos leitores que com o amadurecimento, ele iria tornar-se menos afobado dentro das pistas; fora dela, não demonstrou compaixão numa causa tão importante e ímpar para o momento. Tão pouco Bottas…

Haverão questionamentos de alguns que a Fórmula 1 sempre foi racista; que corria na África do Sul sobre o regime do Apartheid. Todavia, atitudes do passado, não servem de pretexto para gestos semelhantes no presente e futuro. Até a Nascar, conhecida por ser racista na década de 70, 80… mudou suas concepções, incentivando cada vez mais a diversidade no esporte. Só observar o que a categoria está fazendo com a implementação de projetos de inclusão, seja envolvendo mulheres, negros, ou latinos e asiáticos, por exemplo.

Recentemente, foi de conhecimento de todos que Kyle Larson, ao pronunciar um termo considerado racista nos EUA, durante uma prova virtual (iRacing), foi punido exemplarmente pela Nascar com suspensão indefinida; levando a rescisão do contrato com a Ganassi, e perda dos patrocinadores Chevrolet, Mcdonalds e Credit One Bank.

Para a Stock Car Americana, em comunicado oficial, “as nossas diretrizes de conduta dos membros são claras a esse respeito e vamos aplicá-las para manter um ambiente inclusivo para toda a nossa indústria e base de fãs”. Mensagem pontual, clara e objetiva. Ontem, novamente voltou a manifestar-se, afirmando ser contra qualquer tipo de racismo e o contínuo trabalho inclusivo.

Sou suspeito para tecer elogios sobre o Jimmie Johnson; contudo muito orgulha que o melhor e maior campeão da Nascar, ao lado de Petty e Dale Sr.; utilize as redes sociais para escrever essa tocante mensagem “Dói ver o nosso país ser dilacerado pelo racismo e pelo ódio. Embora eu nunca possa entender o que homens e mulheres negros(as) experimentaram, posso falar contra isso e condenar a desigualdade racial. Estou esperançoso nesse momento que o nosso amor, por toda a humanidade, possa prevalecer e nos ajudar a fazer as mudanças, para construir um futuro melhor para nossos filhos.

Aos que não recordam, no ano posterior ao vencer o campeonato da Nascar, o piloto é convidado pelo presidente norte americano a visitar a Casa Branca; sendo realizada uma cerimônia restrita a equipe campeã e as vezes, alguns outros pilotos acabam comparecendo para prestigiar. Isso é de praxe com a NFL, NBA, dentre outros campeonatos. Acontece que Jimmie Johnson, ao faturar o 7º título em 2016, marco na história do automobilismo americano e mundial, não foi “homenageado por Trump” em 2017. Isso demonstra o quão o piloto do famoso 48 é integro com os seus princípios, valores e atitudes. Um simples gesto, pouco percebido, demonstra uma gigantesca nobreza. Repito: Um verdadeiro campeão não se faz somente dentro das pistas, mas aquele que também age de modo propositivo fora dela. Portanto, Jimmie Johnson e Lewis Hamilton, equivalem-se em gênero, número e grau.

Por fim, seria injusto finalizarmos o artigo sem mencionarmos explicitamente o nome de Martin Luther King Jr. A liderança do ativista político norte americano, foi preponderante para que o movimento dos direitos civis lograsse êxito. É claro que a batalha continua e nunca poderá cessar. O boicote ao ônibus de Cleveland Avenue das seis da tarde, ao qual os negros tinham permissão de sentar-se, ao fundo, foi um marco de que algo deveria mudar. E por consequência, os hábitos da sociedade local não poderiam coadunar mais com tamanha humilhação. A história da pequena mulher afro-americana Rosa Parks, retrata bem o quão o mundo pode ser perverso com os cidadãos de bem. E que a única maneira de coibir, é a luta pelos seus ideais.

E foi isso que aconteceu quando o motorista do ônibus, James F. Blake, ao verificar que havia passageiro branco em pé (pela superlotação do transporte público), ordenou que negros que estivessem ocupando filas do meio, levantassem e dessem o lugar a ele. Do contrário, em tom ameaçador, chamaria a polícia. E a valente Rosa, o enfrentou, sendo presa por algo completamente inexplicável. Esse ato foi o estopim para que o movimento dos direitos civis começasse a eclodir e surgisse então, a figura carismática de Martin Luther King Jr. Isso é uma pequena parte da história que nos ensina o poder que um ato possui para modificarmos padrões sociais. Quem teve a oportunidade de ler e compreender o livro O Poder do Hábito, sabe bem o que estou escrevendo. Em fragmento extraído da obra, “quando o jovem Martin Luther King Jr. Chegou a Montgomery em 1954, um ano antes da prisão de Parks, ele descobriu que a maioria dos negros da cidade aceitava a segregação sem nenhum protesto aparente. Não só eles pareciam resignados à segregação em si; também aceitavam os maus tratos e humilhações que vinham junto com ela”.

Vidas negras também importam. Não aceitemos calados tamanhas injustiças que possam acontecer com o próximo. Usemos a nossa capacidade de persuadir para o bem e apoiemos (ainda mais) construtivamente uma minoria quando eles clamem por ajuda. E quando Lewis Hamilton, maior piloto da história da Fórmula 1, único negro do citado esporte a motor, vem a público externar sentimento áureo, singelo, não os deixemos na mão. Tenhamos mínimo de empatia, compaixão ao próximo. Somos privilegiados por acompanhar essa bonita história no esporte a motor. Não custa nada apoiá-lo na causa.

“A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode fazer isso”.

Portanto meus caros, “Tenho um sonho hoje. Tenho um sonho de que um dia cada vale será elevado, cada colina e montanha será nivelada, os lugares acidentados serão aplainados, os lugares tortos serão endireitados, a glória do Senhor será revelada e todos os seres a enxergarão juntos. Essa é nossa esperança”. (Martin Luther King).

Victor Manoel de Oliveira Nunes
Natal – RN

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