F1 – Missão impossível

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021 às 13:36

Largada do GP do Brasil de 2000

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

Autódromo abandonado de Beach Haven, Nova Jérsei, dezembro 1999… O ronco encorpado de um Aston Martin verde quebra o silêncio na edificação deserta, Rubens Barrichello deixa o interior do veículo, óculos escuros, cara de mau, paletó Armani, jeans Gucci, decidido sobe os degraus de uma arquibancada em ruínas com admirável destreza.

Entre as cadeiras mais altas, última fileira, Rubens recolhe um apetrecho eletrônico que de imediato reproduz uma mensagem: Vamos colocá-lo na Ferrari, sua missão caso aceite, será destronar Schumacher, sequenciar o legado de Fittipaldi, Piquet, Senna e devolver os pontos do IBOPE perdidos nas manhãs domingueiras. Esta mensagem se autodestruirá em três segundos.

Demonstrando frieza, gesto único, rápido, arremessa o aparelho que explode no ar. Música tema da série Missão Impossível, alta, vibrante, invade a cena, o Aston Martin arranca veloz, deixando atrás de si densa nuvem de poeira…

Semana do GP Brasil F1, março 2000, com maioria no Congresso Fernando Henrique Cardoso anuncia novo salário mínimo, inferior a cem dólares, braveza geral, Aécio Neves defende o Presidente: É preciso ter responsabilidade. Mesmo tempo IBGE divulga dados do desemprego, 8,2%, segundo maior índice desde que começou a ser medido em 1983.

Enquanto isso Rubinho, até então piloto coadjuvante, contratado da Ferrari, equipe pela qual estreou em Melbourne duas semanas atrás, vira celebridade. Ao desembarcar no Brasil concede inúmeras entrevistas, participa de eventos, sessão para fotos, comerciais, um verdadeiro astro.

Vinte e três de março, instituto Datafolha divulga pesquisa onde 34% acreditam que Barrichello será campeão mundial ainda este ano, seguido por Schumacher com 22% da preferência. Consideram o brasileiro ótimo/bom 73% e apenas 19% regular. Ruim/péssimo 2%.

A Shell, cujo combustível alimenta os carros da Ferrari, além de patrocinar uma torcida organizada vermelho e amarelo, imprimiu milhares de adesivos incentivando o piloto nacional. Pela primeira vez desde 1994 tínhamos boa esperança, técnicos da Globo projetavam 50 pontos na audiência, nível semelhante ao ciclo Ayrton Senna.

Michael Schumacher provocado a determinar seu maior adversário na busca pelo título, Barrichello ou Mika Hakkinen? Respondeu: Eu e Rubens competimos em carros iguais, posso lidar muito bem com ele, contra o Mika vai depender do equipamento. A frase respingou como arrogante para periodistas locais.

Sexta-Feira, treinos livres, domínio da McLaren, a equipe quer ir à forra, após quebrarem na Austrália por motivo besta, uma pequena peça tirou os dois carros da prova, motorzinho do filtro de ar.

Credenciais concedidas pela FOA (Formula One Administration), entidade presidida por Bernie Ecclestone, costumava estampar o símbolo característico do país visitado, em Melbourne um canguru, um touro na Espanha, escolheram para o Brasil uma modelo de costas exibindo belo bumbum, o fato causou indignação. Membros da EMBRATUR (Empr. Bras. Turismo) exigiram explicações de Bernie, mas não deu em nada, centenas de pessoas circularam pelo autódromo carregando a foto do bumbum pendurada no pescoço.

Sábado, prática classificatória, vento forte, céu nublado, Mika Hakkinen segue absoluto, Schumi e Coulthard brigam pela segunda posição, Rubens prevalece em quarto. Uma placa publicitária, tamanho considerável, cai e atinge o carro de Jean Alesi, tremendo susto, mais dois enormes letreiros despencam na reta dos boxes. Treino interrompido.

Máquinas na pista, garoa fina dificulta melhores tempos, Mika Hakkinen pole 1:14. 111, seguido de David Coulthard 1:14.285, Michael Schumacher 1:14.508 e Rubens Barrichello 1:14.638. Satisfeito com primeira fila McLaren, Ron Dennis critica organização da prova: No Brasil pode-se esperar tudo, agora chuva de placas jamais poderia imaginar.

O curitibano Ricardo Zonta coloca a Bar Honda em oitavo lugar, duas posições à frente do companheiro Jacques Villeneuve. Equipe Sauber devido problema estrutural na fixação do aerofólio traseiro desiste da corrida, decepção para Pedro Paulo Diniz.

Domingo… Vias que dão acessos a Interlagos, acordam decoradas de verde, amarelo e vermelho. Ambulantes, pelo caminho, vendem de tudo, bandeiras, bandeirolas, bonés, camisetas, adereços. Um boneco inflável gigante do Senna, colocado poucos quilômetros da pista, balança ao vento, parece assombrar Barrichello. Pobre rapaz, como substituir o ídolo eterno e ainda vencer Schumacher piloto extraordinário, quase imbatível.

Ferrari adota estratégia ousada, pouca gasolina (era permitido reabastecer), carro leve, pneus macios e três paradas, contra duas da McLaren, para tanto, seus pilotos deveriam tomar rapidamente a ponta e abrir diferença confortável compensando parada extra.

Fim da volta de apresentação, estranho frenesi percorre a multidão, pessoas acotoveladas procuram melhor visão, quando o fiscal, lá no fim do pelotão, atravessa a pista agitando bandeira verde, explode a sanha ruidosa dos motores V10 3.0 aspirados, uma nuvem cinzenta envolve o grid, nessa época queimava-se bem mais combustível. McLaren mantém a frente.

Começo da segunda volta “S do Senna” Michael supera Hakkinen, Rubens ultrapassa Coulthard e sai à caça do finlandês, delírio na arquibancada. O alemão lidera, abre um segundo por volta, Barrichello demora intermináveis quinze giros até transpor a McLaren, no primeiro pit stop tem apenas 3.8 s. de vantagem para Hakkinen, retorna em quarto lugar, plano de três paradas foi “pro brejo”, volta vinte e sete desiste, problema hidráulico. Schumacher executa com perfeição a tática ferrarista e vence o GP Brasil.

O prefeito de São Paulo, certamente estaria na tribuna entregando troféu aos vencedores, político adora holofote, contudo, dias antes, a justiça afastou Celso Pitta do cargo, suspeito de pagar propina a vereadores, entre outras trambicagens. Pelé chamado às pressas para comandar o cerimonial da premiação, chegou de helicóptero minutos antes da largada.

No pódio Michael encantado com a presença do Rei, faz questão de colocá-lo a seu lado na base mais elevada, confessa sua admiração e o desejo quando criança em se tornar jogador de futebol, ao que Pelé sugere: Marcamos então um joguinho?

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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