F1 – Linhas brancas X automobilismo puro

quinta-feira, 27 de junho de 2019 às 1:15

RIC X KIMI – França 2019

Colaboração: Fabio Campos

Essa filosofia implementada pela Fórmula 1, que já dura muitos anos, identificada como “track limits”, ou limites da pista, por mais que seja útil nos casos de infrações indiscutíveis, traz com ela um efeito colateral muito perigoso.

Os 2 últimos GPs mostram que a Fórmula 1 se transformou num campeonato de procedimentos, onde vale mais seguir ao pé da letra uma regra estabelecida em uma folha de papel, do que vivenciar a experiência de uma corrida de verdade, algo – esquecido por muitos – que envolve carros escorregando, às vezes escapando da pista, com fechadas mais fortes e de vez em quando até levando ao contato entre carros.

O problema é que essa filosofia que já dura tanto tempo vem educando boa parte de uma geração de fãs. Cada vez mais pessoas passam a enxergar qualquer movimento incomum na pista, ou manobras que sejam menos “tradicionais”, como algo que esteja necessariamente errado. Nós estamos sendo treinados, quase como se fosse uma lavagem cerebral, a não enxergar o automobilismo na sua plenitude. Muitas vezes nós preferimos fechar os olhos e deixar de admirar um lance de talento se ele em algum momento for além de uma linha branca, mesmo se – e é onde a coisa se torna mais grave – o “cruzar da linha” não se traduza em nenhuma vantagem.

O simples fato de exceder um padrão desenhando com tintas brancas na pista já anula, aos olhos de muitos – não todos, evidentemente – a beleza que pode existir em um movimento de ultrapassagem, algo tão raro na F1 de hoje. Nós nos tornamos telespectadores tão preocupados em observar se padrões estão sendo atendidos que às vezes nos tornamos cegos para o fato de que colocar as rodas fora da pista pode muitas vezes não significar vantagem alguma, pelo contrário: pode até ser uma desvantagem de quem pisa fora do traçado. O modo como os comissários encaram as corridas de Fórmula 1 condicionou muita gente a estar constantemente buscando motivos para punição. Viramos investigadores de manobras diferentes, e não mais apreciadores do esporte chamado automobilismo.

Basta um piloto colocar as rodas fora da pista para que qualquer contexto ou situação deixe de ser considerado. O martelo é batido automaticamente, sem que antes nos façamos a simples pergunta: Houve de falto algum benefício, alguma vantagem nessa ou naquela saída de pista?

Que fique muito claro: Uma coisa é cruzar uma chicane fazendo dela quase uma linha reta, criando com isso um “traçado alternativo” e tirando daí uma clara vantagem. Outra, completamente diferente, é cruzar a linha branca durante uma natural disputa de posição. Pense com seus botões, leitor do Autoracing: hoje, nós passamos a enxergar autódromos com áreas totalmente asfaltadas na lateral da pista como algo ruim. Nós clamamos por grama, clamamos por brita, pedimos por algum artifício que sirva para atrapalhar, quando poderíamos olhar pelo outro lado: como algo bom o fato dessa ou daquela pista possuir asfalto nas laterais, imaginando que isso possa favorecer disputas que durem mais de uma curva – como vimos na briga entre Felipe Massa e Robert Kubica em Fuji, em 2007.

Por que um piloto não pode utilizar áreas fora da linha branca – desde que não leve uma clara e acintosa vantagem esportiva sobre outro? O que vale mais para uma corrida de carros: pilotos se digladiando, trocando posições independente de linhas brancas, ou seguir a letra fria do regulamento, principalmente quando não se tira benefício algum ao se cruzar uma linha branca durante, por exemplo, uma reta.

Qual benefício teve Dani Ricciardo quando foi pra fora da pista antes de ultrapassar Kimi Raikkonen em Paul Ricard?

Uma pista de corrida é quase um organismo vivo, é algo que pulsa, de onde deveria surgir o inesperado, algo que nos surpreendesse e nos deixasse “de queixo caído”. Mas hoje muitos de nós estão completamente fechados a qualquer surpresa, e aceitando somente o que está empacotado dentro de regras e limites. Uma corrida da Fórmula 1 atual se transformou num lugar mais adequado para pilotos obedientes do que para pilotos ousados. Esse é o ponto que chegou o “automobilismo da era moderna”.

Se nós queremos enxergar as corridas com esse olhar, azar é nosso. Sorte mesmo deram Gilles Villeneuve e René Arnoux, pois correram em uma época onde admirar uma batalha, uma disputa por posição, era mais importante do que assistir com uma lupa em uma mão e uma régua na outra, medindo se a linha branca foi cruzada ou não, sem que se pare para refletir se limites da pista são mais importantes do que uma briga roda a roda.

Essa é a reflexão a se fazer. Após as corridas no Canadá e na França, cabem as perguntas: infrações foram corrigidas? Sim…. Mas a que preço? Qual a mensagem foi passada pelos comandantes do esporte que envolve, antes de tudo, adrenalina, ousadia e risco?

Fabio Campos
Belo Horizonte – MG

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