Esmiuçando uma tragédia, 82 mortos, 120 feridos

domingo, 31 de outubro de 2021 às 14:19

Foto rara colorida de Le Mans 1955

Colaboração: Antonio Carlos Mello Cesar

1 – Entediado com os estudos Lance Macklin arriscou carreira no pugilismo, nada feito, porém mostrou-se bastante talentoso como esquiador, a ponto de integrar o time inglês na olimpíada de 1937. O pai de Lance construía carros desde 1925, veículo chamado Invicta, mais tarde passou a fabricar navios de guerra.

Durante a segunda guerra mundial, inicio dos anos quarenta, Macklin serviu a bordo do Fairmiles, embarcação produzida nos estaleiros do seu progenitor, quando deu baixa, 1945, ocupava posto de tenente-coronel da marinha inglesa. Começa, depois disso, participar de competições automobilísticas dirigindo um Bentley 8.0 litros.

Dias antes das 24 Horas de Le Mans 1955 o inglês está em sua quarta temporada de F1, sempre por equipes independentes ou modestas como a HWM Team Drivers. Nas provas longas exibe considerável prática, vitórias com a Aston Martim, boas apresentações na Bristol, contratado pela Austin Healey para Le Mans.

2 – Pierre Levegh tinha um desejo, verdadeira comiseração, vencer às 24 Horas de Le Mans, atuara em duas edições antes da guerra 1938 e 39, retornou ao circuito onze anos depois e o quarto lugar na classificação geral lhe deu esperanças para etapa seguinte 1952.

Adquiriu um Talbot-Lago T26 GS, automóvel descompassado frente às Ferraris, Jaguar, Mercedes e Aston Martim. Motor confiável, 4.5 litros, seis cilindros em linha e junto com o engenheiro Charles Deutsch, usando peças de alumínio, procedeu à significativa alteração aerodinâmica, o carro agora beirava 300 km/hora, fator importante num circuito cuja reta media cinco quilômetros.

Le Mans 1952 aos poucos Levegh vai escalando posições, durante a noite ocupa o segundo lugar, mas uma vibração no motor desativa o conta-giros e a troca de marcha fica complicada. Temendo que seu parceiro René Marchand bote tudo a perder não entrega o carro, dirige 12 horas seguidas.

Teimosia que lhe rende liderança da prova perseguido pela Mercedes. Veio à madrugada e um forte nevoeiro, visibilidade zero, o Talbot sem capota leva proveito sobre a Mercedes 300 SL fechada, Pierre Levegh coloca 04 voltas na dupla alemã Hermann Lang e Fritz Riess.

Indiferente ao apelo dos mecânicos, da esposa aflita, do ansioso René, o francês continua pilotando. A gloria adjacente acaba no beiral do asfalto, carro fumegando, óleo pra todo lado, fim de corrida. Pierre havia dirigido por 22 horas e 40 minutos

3 – Ídolo na Inglaterra, piloto da equipe Ferrari F1, Mike Hawthorn tornara-se em seu tempo o mais jovem corredor a vencer na categoria, 24 anos, derrotando Fangio por centímetros no GP da França 1953.

Questionado porque da vida exorbitante, desregrada, do afincado desafio a morte, Mike confidenciou para o amigo: “Cada vez que vou ao banheiro parece que estou a urinar cascalhos, retirei um rim, o outro está bastante comprometido, quem sabe quanto tempo vou viver talvez sete, oito anos, os comissários da FIA não podem saber, pois receio perder minha licença.”

Largada em Le Mans 1955

23th Grand-Prix Le Mans de Endurance 1955:

A Mercedes apresentava os novíssimos 300 SLR, muito leves graças à carroceria de magnésio. Fangio e Sterling Moss como dupla principal, Pierre Levegh, também, fazendo parte da equipe oficial. Para Macklin e seu Austin Healey pouca chance, o máximo que poderia almejar uma boa colocação na categoria.
Jaguar investiu forte, a peso de ouro contratou Mike Hawthorn, este, por sua vez, nutria verdadeiro ódio pelos alemães, fragmentos da segunda guerra mundial. Hawthorn para mais de vencer, planejava depreciar os germânicos.

03 horas de corrida, volta 35, o Jaguar D-Type de Mike Hawthorn ultrapassa um retardatário Lance Macklin e reduz de forma imprevista na entrada dos boxes, Macklin numa rápida manobra desvia à esquerda bloqueando Pierre Levegh que vem logo atrás, sem tempo para reação o choque inevitável. A roda direita da Mercedes sobe na traseira do Austin e voa em direção um barranco deficiente para proteção dos torcedores.

Pierre Levegh decola em direção às arquibancadas

Com impacto na ravina a Mercedes em chamas, combustão facilitada pelo magnésio, é catapultada contra o público. Ao tocar no solo se desintegra e partes do carro, bloco, rodas, para-lama, pedaços grandes, pequenos são lançados feito torpedos contra a multidão. Qual lâmina de guilhotina a tampa do motor percorre 100 metros dilacerando pessoas, uma delas morre decapitada.

Combustível espalhado, o fogo consome vidas, pânico, correria, corpos pisoteados, gritos por socorro, cheiro de sangue, gasolina e carne humana queimada. A corrida continua apesar da morte de Pierre Levegh e mais 82 pessoas, a despeito dos 120 feridos. Mercedes imediatamente retira seus carros, Mike Hawthorn vence triunfo da equipe Jaguar primeiro e terceiro lugar, Aston Martin em segundo.

Interpelado os organizadores pela não interrupção da prova, afirmaram temer que 300 mil pessoas deixando simultaneamente o autódromo, inviabilizaria entrada e saída de ambulâncias, tornando precário atendimento ás vítimas.

Antonio Carlos Mello Cesar
São Paulo – SP

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