ERS e Software, a nova “Caixa de Pandora” da F1

quinta-feira, 27 de março de 2014 às 17:48
Formula 1 2014

Formula 1 2014 - Ilustração Renault F1

O Autoracing já publicou várias matérias técnicas sobre os novos carros da F1 e o quão mais complicados eles são em relação aos antigos.

Mas o que realmente mudou sob a carenagem?

Até o ano passado, o software que gerenciava os carros de F1 tinha “apenas” duas funções realmente básicas para lidar: gerenciar o poder de torque e mapear o motor para proporcionar uma melhor tração e explorar melhor os gases do escape, a fim de ganhar downforce, ambos ocorridos durante a fase de frenagem e na primeira fase de aceleração.

O velho sistema de recuperação de energia – composto apenas dos antigos KERS – não era tão sofisticado e o gerenciamento de energia era muito pobre em comparação com os novos (60kW vs 120kW) . Mas não só isso – graças ao novo sistema ERS e às restrições de combustível (apenas 100 kg por hora ), o novo software tem de gerir muito mais parâmetros ao mesmo tempo.

Muitos de nós já sabemos, o ERS (Sistema de Recuperação de Energia) é composto por um conjunto de baterias (capaz de fornecer 4MJ por volta) e por dois motores elétricos, o MGU-H e o MGU-K.

Como todos sabem, o MGU-K substituiu o antigo KERS e sua fonte de alimentação dobrou em relação ao ano passado. O MGU-K pode fornecer 2MJ por volta, enquanto a quantidade de energia que pode ser trocada entre o MGU-K e o MGU- H é ilimitada.

Além disso, o novo MGU-H está ligado ao turbocompressor do motor e recupera a energia por meio do calor dos gases de escape – que pode ser usada para controlar o turbo, reverter a energia elétrica a ser armazenada na bateria ou ser enviada para o MGU-K.

Unidade de Potência dos F1 2014

Unidade de Potência dos F1 2014

Todas essas mudanças não apenas introduziram um novo conceito de “motor”, mas também revolucionaram o conceito de uma corrida de F1. O limite de 100 kg de combustível por hora obrigou os engenheiros a se concentrar em como maximizar a potência que pode ser obtida pelo ERS, em vez daquela que poderia ser adquirida pelo motor de combustão interna quando levada ao seu limite, como acontecia até o ano passado.

As complicações técnicas são ainda mais evidentes quando se considera a enorme quantidade de fios (cerca de 30 km) e do número de ECUs exigido pelo novo sistema ERS. Estes, por sua vez, devem ser capazes de suportar ciclos contínuos de carga/descarga em uma única volta, que além de tudo faz aumentar as temperaturas de funcionamento de baterias e cabos.

A complexidade do sistema elétrico também é confirmada pela presença de um transformador, que converte a corrente contínua de 12, 14, 48 ou mesmo 90V, de acordo com as necessidades de uso, enquanto que no ano passado a voltagem era limitada a apenas 12V.

Isto levou os engenheiros a equipar cada componente do ERS (Armazenador de energia, MGU-H e MGU-K) e as suas unidades de controle com os seus próprios sistemas de refrigeração. Estas soluções têm complicado ainda mais a instalação desses dispositivos – em um espaço limitado onde temperaturas muito altas são atingidas.

Uma nova maneira de correr

Se até agora nos limitamos a uma explicação básica do que é o ERS, agora vamos tentar entender como essa nova tecnologia mudou a maneira de correr na Formula 1.

Quando pensamos sobre F1, a primeira coisa que vem à mente é o piloto forçando o carro até o limite, a fim de vencer a corrida. Mas, com as novas regras de restrições de combustível as coisas mudaram um pouco. Na verdade pilotos e engenheiros agora têm que levar em conta as restrições de combustível.

Este processo é auxiliado na forma do ERS, em particular pela energia ilimitada que pode ser trocada entre o MGU-H e o MGU-K. Isso significa que ter um ERS eficiente é crucial se você quer ser competitivo o suficiente para vencer corridas.

Estes novos sistemas híbridos influenciaram fortemente as atividades dos pilotos durante a corrida (GP da Austrália) e com a ajuda de seus engenheiros de pista, eles não só tiveram que gerenciar seu ritmo em relação aos limites dos pneus, mas também em função do montante de combustível queimado em conjunto com o respectivo modo de utilização dos ERS.

Com os antigos motores V8, os pilotos tendiam a forçar o motor ao seu limite (18.000 rpm) para ganhar velocidade reduzindo seu tempo de volta. Com os novos motores turbo, isso não é mais necessário.

Com efeito, a curva de potência de um motor turbo achata a partir de uma certa velocidade de rotação (cerca de 12.500 a 13.000 rpm) e isto combinado com as restrições de combustível, tornou praticamente inútil forçar o motor até o limite de 15.000 rpm.

Os pilotos começaram a usar a energia coletada pelo MGU-H e enviada para o MGU-K para obter potência extra. Os modos de utilização deste novo sistema ERS variam muito. O MGU-K pode retardar o virabrequim na frenagem e armazenar a energia nas baterias, que podem ser utilizadas durante a aceleração através do MGU-H, eliminando o turbo lag. O MGU-K também pode ser acionado durante a aceleração para suavizar os níveis de torque – que às vezes pode chegar ao monstruoso valor de 1.000 N/m se o motor e o ERS estiverem em 100% – enquanto o MGU-H impulsiona o turbo.

Como você pode ver, os métodos de utilização dos novos ERS variam muito. Um exemplo prático do que estamos falando pode ser visto durante a classificação.

Durante o evento de 2013 houve uma prática utilizada por todos os pilotos para explorar os pneus de forma mais eficiente: sequência de 1 volta lenta, 1 rápida e outra lenta. Este ano foi a mesma coisa, exceto que durante a volta lenta os pilotos não estavam apenas esfriando os pneus, mas sim recarregando a bateria. Isso é feito por uma razão simples, já que quando o ERS está completamente carregado, a energia que ele libera é capaz de baixar o tempo de volta em quase 2 segundos.

Este truque também é utilizado durante a corrida. Houve muitas transmissões de rádio onde os engenheiros pediram para seus pilotos mexerem em alguns botões no volante. Dependendo da situação, a instrução pode significar usar menos energia (e em seguida focar em recarregar a bateria) ou para usar mais energia, a fim de ultrapassar um adversário. Torna-se fácil de entender, então, que parte da temporada será focada na eficiência do ERS, e só nesta área irão surgir desvantagens/vantagens iniciais para algumas equipes.

Mercedes PU106: Menos potência, mas mais performance

Unidade de Potência da Mercedes

Unidade de Potência da Mercedes

Após o GP da Austrália começaram a circular rumores sobre o que poderia ter sido o segredo de tanta performance e confiabilidade da unidade de potência da Mercedes.

Fontes confiáveis indicam que o desenho simplificado da unidade de potência pode ser a vantagem do Mercedes PU106. De acordo com esses rumores, a Mercedes optou por abrir mão de parte da potência do ERS para ter mais confiabilidade e um fluxo contínuo e constante de energia. Mas por que isso?

Os engenheiros da Mercedes teriam optado por renunciar a uma parte da energia, reduzindo a capacidade de armazenamento da bateria para 2MJ ao invés de 4MJ. As vantagens seriam muitas. Antes de tudo, um pacote de baterias muito mais leve, 12 a 13Kg ao invés dos 25 kg que a concorrência está utilizando. A quantidade reduzida de energia se traduz também em necessidades de resfriamento mais baixas e em um pacote mais claramente definido.

O peso reduzido é uma grande vantagem, o que também se reflete no consumo de combustível, sem nem mesmo mencionar que menos stress seria colocado na unidade de energia pelas cargas reduzidas. Em suma, simplificar para obter mais performance.

Esta abordagem é completamente diferente de seus concorrentes, o que poderia ajudar a Mercedes marcar muitos pontos, enquanto outras equipes ainda estão sofrendo com a confiabilidade de seus sistemas.

É essa confiabilidade que parecia totalmente carente na Red Bull, ainda que a equipe austríaca, em colaboração com o fabricante do motor transalpino, tenha impressionado muitas pessoas na Austrália. Deixando de lado a polêmica sobre o medidor de fluxo, o gigante francês que foi acusado de não ser capaz de fornecer uma boa unidade de potência nos testes de pré-temporada, parece ter conseguido resolver a maioria dos problemas, o que prova mais uma vez que o software que gerencia o ERS é tão importante quanto a parte mecânica.

Na verdade, parece que os problemas que a Red Bull sofreu e ainda sofre um pouco, estão relacionados com o mau gerenciamento – feito pelo software – da energia armazenada na bateria, que leva a superaquecer a fiação e em seguida, um dos dois motores elétricos (principalmente o MGU-K )

Apenas os dois motores elétricos (MGU-K e MGU-H) parecem ser as razões por trás da falta de velocidade da Ferrari F14 -T. A equipe de Maranello exibiu uma aparente falta de velocidade desde os testes de pré-temporada e esta situação se manifestou repetidamente durante o GP inaugural da temporada.

Durante a sessão de classificação, as Ferraris de Alonso e Raikkonen não foram capazes de fazer duas voltas consecutivas com o ERS a 100%, ao contrário da concorrência. Esta situação resulta não só em tempos de volta mais lentos, mas também com maior consumo de combustível (por causa da potência menos utilizável do ERS). Isto forçou seus pilotos a reduzir significativamente o ritmo de corrida. O problema parece estar na “comunicação” entre os dois motores elétricos e o pacote de baterias, um problema que também afeta o freio eletrônico.

Entre as equipes de ponta, o F14 -T foi o único que nunca ativou – durante a corrida – a função de economia de combustível automática, que é identificada pela luz traseira vermelha piscando. Isso explica – mais do que o suposto maior peso – o alto consumo de combustível e a falta de desempenho mostrada por Raikkonen e Alonso.

É evidente, portanto, que o software será a chave em que as equipes irão concentrar a maior parte de seus esforços. Os novos sistemas híbridos abriram novos cenários e ideias diferentes para interpretação, mas todos com um único propósito: recuperar a energia de forma mais eficiente.

Qual vai ser o melhor? Ainda estamos muito no início para poder responder a esta pergunta. A solução da Mercedes pode ser aquela capaz de dar mais garantias para a primeira parte da temporada, mas o que vai acontecer quando a Renault e a Ferrari corrigirem seus problemas? Será que vai ser suficiente para a Mercedes correr (se os rumores forem confirmados) com menos potência por tempo mais longo?

É hora de ficar animado com a nova tecnologia da F1, em vez de se distrair por causa do “barulho”.

Análise técnica de Lorenzo De Luca

AS - www.autoracing.com.br

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