E no fim deu tudo certo. Por Lito Cavalcanti

quarta-feira, 3 de julho de 2013 às 11:11

Nico Rosberg no pódio em Silverstone 2013

Conteúdo patrocinado por: selopatrocinio

 

Pneus falham e fazem o melhor GP do ano

Não se pode negar que, mal ou bem, a Pirelli cumpriu o que lhe foi pedido: o Grande Prêmio da Inglaterra foi um dos mais emocionantes dos últimos tempos – pena que pelas razões erradas.

A começar pelo vencedor. Não, nada contra Nico Rosberg, mas quem mais merecia aquela vitória eram, pela ordem, Lewis Hamilton e, na falta dele, Sebastian Vettel. E a terminar pelos pneus, que com suas falhas geraram a melhor corrida do ano.

Concordo que Rosberg é, hoje, um dos pilotos de maior destaque da Fórmula 1, e portanto do mundo. Mas não o vejo à altura dos dois supracitados. Nem do Fernando Alonso. Vá lá, talvez do Kimi Raikkonen. E me parece inegável que sua maior qualidade seja gerir os frágeis, e por isso emocionantes, pneus da Pirelli.

No fundo, o que Rosberg e Raikkonen estão fazendo é muito semelhante: colher os pontos que sobram para eles. A diferença é que o finlandês guia um carro de segunda linha e o alemão, um foguete que, nas mãos certas, pode ganhar de qualquer um – nas provas de classificação.

Sim, exige-se a ressalva, porque nas corridas, nem de longe o Mercedes F1 W04 se equivale ao Red Bull RB9. Nem depois do teste de Barcelona, o anabolizante que deu à Mercedes duas vitórias e um segundo lugar em pistas tão distintas quanto Mônaco, Canadá e Silverstone.

Não dá para acreditar nas afirmações da Mercedes de que não tirou o menor benefício daqueles três dias, mil quilômetros de rodagem em Barcelona, a pista mais procurada para testes pela Fórmula 1.

Que houve quebra do regulamento já é sobejamente sabido; que o tribunal dito independente da FIA se limitou a dar à Mercedes a exata punição que ela pediu – a exclusão do teste de novos pilotos – todos também já sabem.

O tal tribunal pode dar a sentença que bem entender; o único aspecto negativo é carregar a inevitável pecha de cúmplice de um dos atos mais descarados da carreira de Ross Brawn, já repleta de tais desfeitas.

O que o tribunal não pode é fazer com que o mundo acredite nas falácias de Brawn. Por mais que o acerto do carro não tenha sido mudado ao longo dos três dias, seus pilotos tiveram a valiosíssima oportunidade de dar voltas e mais voltas.

Será por mera coincidência que, desde então, os resultados melhoraram da água para o vinho? Que a enorme voracidade com que eram devorados os pneus traseiros se tenha aplacado?

Ora, nem seria necessário mudar significativamente o carro para obter melhores resultados. Bastam as informações dos pilotos, que puderam experimentar as mais diversas mudanças no jeito de guiar ao longo dos três dias. O que tem consequências diretas sobre o consumo dos pneus, diga-se.

O fato inegável é que, depois desta sucessão de voltas em Barcelona, os carros da Mercedes já não perdem tanto rendimento quanto antes – mesmo ainda não se equiparando aos Red Bull – como deixou claro a cronometragem neste último domingo.

Se Lewis Hamilton foi imbatível no qualify, superando Vettel (o 3º no grid) por 0s604, na corrida o alemão foi mais rápido enquanto os dois ocupavam as primeiras posições. Na sétima volta, a melhores de cada um até então, Hamilton marcou 1min33s170; Vettel mandou 1min33s105.

Não se pode hoje desprezar uma margem de 0s065, não nestes tempos de KERS e DRS. Daí para a frente, o assoalho do Mercedes estava danificado, o que inviabiliza comparações sérias. Sim, daí para a frente, em uma fenomenal recuperação, Hamilton guiou como raramente se vê. Mas não se pode negar que, sem ameaça real, a atenção de Vettel já não era andar rápido, apenas se manter longe das zebras e à frente do pelotão.

Enfim, esta é a única certeza que restou do Grande Prêmio da Inglaterra: a de que para andar junto com a Red Bull, a Mercedes ainda vai ter de evoluir. São muitas as incertezas que perduram. Principalmente no tangente aos pneus, tema dominador deste Grande Prêmio. Foram cinco estouros ao longo dos treinos e da corrida (e mais um sem número de furos e cortes), um pesadelo para os engenheiros da Pirelli.

Eles que, antes da prova, acreditavam ter alcançado a solução definitiva para a malfadada delaminação que afligiu a todos nas primeiras provas do ano. Era a falência do ombro do pneu, o descolamento da parede da banda de rodagem. Eram cenas extremamente danosas à imagem da Pirelli. Nada pior que em uma corrida de Fórmula 1, uma das atividades esportivas com maior exposição televisiva mundial, ver um carro manquitolando, o pneu traseiro esquerdo exibindo uma luzidia lâmina metálica onde se devia ver a borracha negra.

Os engenheiros esperavam que uma nova cola ligando a banda de rodagem à parede dos pneus daria fim à malfada delaminação dos pneus traseiros esquerdos que desnudava a tal lâmina metálica, na verdade a cintura de aço. Todo pneu é construído em torno de um aro feito de material resistente à deformação; é ele que dá ao pneu a forma perfeitamente redonda.

Até o ano passado, a Pirelli construía este aro com uma fibra sintética de aramida resistente e leve chamada kevlar, que é uma marca registrada da Dupont. Trata-se de um polímero capaz de dissipar o calor com muito mais eficiência que o aço, além de ser sete vezes mais resistente por unidade de peso. Por isso, é usado em coletes à prova de bala, cintos de segurança, velas náuticas, raquetes de tênis, tanques de gasolina da F1, etc.

Logicamente, é mais caro que o aço. Daí a Pirelli substituir um pelo outro, mesmo sofrendo um aumento de 10 graus na temperatura dos pneus. Para amenizar, passou de uma construção mista entre o radial e a carcaça cruzada para outra puramente radial – que tem como característica paredes mais flexíveis e bandas mais rígidas.

Infelizmente para a empresa italiana, o resultado foram temperaturas mais altas, que originaram o pesadelo das bandas voadoras. Isso ficou claro já nas primeiras etapas do campeonato, mas quando a Pirelli quis voltar ao kevlar no lugar do aço, esbarrou no veto da Ferrari, Lotus e Force India. Elas estavam se dando bem com os novos pneus e se beneficiando dos problemas enfrentados pela Mercedes e pela Red Bull.

A FIA poderia ter alegado falta de segurança para intervir, mas a Pirelli sequer cogitava reconhecer que seus pneus eram inseguros. Insistia em dizer que a delaminação, ao contrário, era mais segura porque os pneus continuavam rodando sobre a cintura de aço. Como não se esvaziavam, os pilotos mantinham o controle.

Mas na Inglaterra eles passaram a estourar diante dos olhos do mundo. Nada mais havia a esconder ou alegar. Premida pelas circunstâncias, a FIA rompeu seu torpor, decidiu que era caso de segurança e permitiu que a Pirelli passe a testar como, onde, com quem e com o carro do ano que bem entender.

Ela, a FIA, só não falou que este tipo de teste já tinha sido feito pela Pirelli em conjunto com a Mercedes, em Barcelona e à sua revelia. Teste este que acabou sendo motivo de um clamoroso julgamento público, notório e de desenrolar para lá de vexaminoso.

Também omitiu que havia recebido duas corridas antes uma carta da Associação dos Pilotos de Grande Prêmio, a GPDA, assinada por Jenson Button, Sebastian Vettel e Pedro de La Rosa. Nela, se chamava atenção para a insatisfação dos pilotos quanto à segurança dos pneus. A resposta da FIA foi de que não havia motivo para preocupação, um fútil comprometimento com a inexistente segurança dos pneus que semanas mais tarde viriam a falhar estrondosamente em Silverstone.

Mais uma sequência de erros do presidente da FIA, o francês Jean Todt, a quem se atribui tanta omissão por ter sido derrotado em um lobby para ser a também francesa Michelin e não a italiana Pirelli a nova fornecedora de pneus para a F1. Deu no que deu.

Agora, com a casa arrombada, a FIA instala trancas nas portas. Mas não há tempo para muitas mudanças, já que apenas uma semana separa os GPs da Inglaterra e o da Alemanha. Em Nurburgring a Pirelli voltará a fornecer pneus com cintura de kevlar – que ela classifica como menos sofisticados que os de aço. Muito provavelmente, quase com certeza, os mesmos de 2012.

Em paralelo, a fornecedora italiana insiste que os estouros de Silverstone foram causados pelas equipes. Elas teriam abusado da cambagem, abaixado demais a pressão de ar e colocado os pneus do lado direito no esquerdo e vice-versa, fazendo-os girarem no sentido inverso àquele para os quais foram concebidos. Há quem acredite que fazendo esta inversão eles duram mais. A Pirelli nega, alertando que as paredes são projetadas para receberem cargas diferentes entre si.

Na Alemanha, os pneus serão os médios e os macios. Dos que estouraram na Inglaterra, três eram médios. Nada se pode antecipar, a não ser que os novos (ou melhor, velhos) pneus de kevlar demoram mais a se aquecer. Isto deve causar uma reviravolta no equilíbrio de forças. Red Bull e Mercedes, as que tinham mais dificuldades com a alta temperatura dos pneus, devem continuar bem nos qualifies e enfrentar menos problemas nas corridas.

Ferrari, Lotus e Force India, que consumem menos pneus porque os aquecem mais vagarosamente e mantêm temperaturas mais baixas, enfrentarão maiores dificuldades nos treinos de classificação, onde já não estavam entre as melhores, e terão menor vantagem durante as corridas. O que, aliás, já ocorreu em Silverstone, levantando suspeitas de que os pneus fornecidos eram mais duros do que o normal.

Na verdade, ninguém sabe o que vai acontecer em Nurburgring – nem o que aconteceu em Silverstone. Ainda nos perguntamos se a causa dos estouros e furos foram a construção ou a pista. Não há resposta definitiva. Gary Anderson, ex-projetista de F1 dos anos 90 e hoje comentarista da BBC, está amplamente convencido que os ombros internos dos pneus foram cortados por cantos vivos das zebras. E mostrou na televisão alguns desníveis de três a quatro centímetros. Será que o mesmo acontece em Nurburgring?

Outros engenheiros citam a longa duração das curvas velozes, que submetem os pneus a cargas mais intensas e duradouras que outras pistas. Isso, certamente não acontece em Nurburgring, onde as curvas são mais lentas e mais curtas. Outros mais põem parte da culpa na falta de informações sobre os pneus em pista seca, já que o treino da manhã da sexta-feira foi realizado sob frio e chuva; no domingo a temperatura ambiente era de 21 graus – 31 no asfalto.

Mas há um fato que desmente estas teorias: os carros da GP2, categoria que tem os mesmos pesos e medidas da F1 e utiliza pneus com as mesmíssimas características, enfrentaram as mesmas condições e as mesmas zebras sem as mesmas consequências. É o que diz, por exemplo, um indignado Derek Warwick, ex-piloto de F1 e atual presidente do clube que cuida de Silverstone. Não se pode lhe negar razão.

Realmente restaram poucas certezas após Silverstone. Talvez a mais gritante seja a de que do jeito que está não dá para continuar. Os pneus devem ser substituídos a qualquer preço. Mesmo que venham a favorecer a Mercedes e a Red Bull e desfavorecer a Ferrari, a Lotus e a Force India.

O animador de toda essa salada é que, mesmo que pelas razões erradas, tais mudanças podem melhorar ainda mais esse campeonato tão errado e ainda assim tão emocionante.

Lito Cavalcanti

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