Discreto, elegante e fundamental

segunda-feira, 24 de maio de 2021 às 12:25

André Ribeiro

Por: Bruno Aleixo – Quando Ayrton Senna morreu, de forma repentina e brutal naquele primeiro de maio de 1994, em Ímola, todo mundo que gostava de corridas ficou meio perdido. No caso da minha geração (eu tinha 14 anos) a situação era um pouco mais dramática já que, na prática, tínhamos descoberto a nossa paixão pelas corridas há muito pouco tempo. Portanto, tínhamos acabado de encontrar o prazer de torcer para os pilotos brasileiros quando, pimba, tudo acabou em um piscar de olhos.

Sim, acabou, porque o Brasil viveu uma situação esquisita na qual, de uma hora para a outra, deixava de ter na pista o melhor piloto da categoria, para ter que torcer para jovens que estavam chegando. No passado, sempre vimos uma sucessão gradual: Nelson Piquet substituiu Emerson Fittipaldi. Mais tarde, Senna sucedeu Piquet. O caminho natural era que Rubens Barrichello fosse galgando posições na carreira até chegar a um ponto no qual poderia ser o sucessor de Ayrton Senna, quando este se aposentasse. Mas, tudo isso ficou estampado no muro da Tamburello.

Bom, no desamparo da nossa geração, procuramos reencontrar nosso caminho até mesmo em outras categorias. E a Fórmula Indy era bem promissora. Tinha Emerson Fittipaldi ainda em forma, Raul Boesel começando a dar trabalho e Maurício Gugelmin chegando, depois de alguns anos na F1. Esses três nomes batalhavam contra gente de primeira linha, como Al Unser Jr., Bobby Rahal, Mario e Michael Andretti, Jimmy Vasser, Nigel Mansell. A Indy dos anos 1990 era uma categoria de respeito. Muito respeito.

E foi na temporada de 1995 que mais três nomes brasileiros foram “fazer a América”: Gil de Ferran, Christian Fittipaldi e André Ribeiro. Gil era o mais talentoso, rápido e promissor. Christian o mais famoso, pelo sobrenome e pela carreira na Europa. André, o mais discreto, sobre quem se sabia menos, embora tivesse alcançado ótimos resultados nas categorias de acesso à própria Indy.

Os dois primeiros tinham mais torcida e pareciam ter uma carreira mais profícua. Christian, inclusive, conseguiu uma vaga na Newman Haas logo em sua segunda temporada. Mas eu gostava mesmo era do André Ribeiro. A cada prova, ficava evidente a técnica diferenciada do piloto brasileiro, bem como a sua incrível capacidade de lidar com a imprensa. Suas entrevistas eram impecáveis. Um gentleman no trato com os repórteres e no respeito aos fãs, oferecendo explicações técnicas descomplicadas. Um deleite para quem estava começando a acompanhar automobilismo, como eu.

André Ribeiro, junto de sua pequena equipe Tasman, encarou o desafio de pegar o motor Honda, que havia estreado de forma lamentável na Indy, em 1994, para desenvolvê-lo no primeiro ano da equipe e do piloto na Indy. E a Honda, que não havia sequer se classificado para as 500 milhas de Indianápolis naquele ano, quase venceu a prova com Scott Goodyear, o outro piloto da Tasman, na temporada de 1995. A primeira vitória dos japoneses veio com André, no oval de New Hampshire, primeira vitória de um brasileiro que não se chamasse Emerson Fittipaldi na Indy, também.

No ano seguinte, foi André Ribeiro quem reascendeu a paixão do brasileiro por automobilismo, ao vencer de forma memorável o primeiro GP do Brasil da categoria americana, no final circuito oval do também finado autódromo de Jacarepaguá no Rio de Janeiro. Até hoje, não há cristão que não se arrepie com a narração de Téo José para aquela última volta.

André Ribeiro deu sua grande cartada na carreira ao ir para a Penske, em 1998. Mas o carro, apesar de maravilhoso, não funcionava. Ao final da temporada, Roger Penske convidou o piloto para administrar seus negócios no Brasil e André pendurou o capacete com o pragmatismo que lhe era peculiar. Se envolveu com a Indy como comentarista, na temporada de 2001, e depois sumiu dos holofotes.

Ontem, logo no início do GP de Mônaco, na semana das 500 milhas de Indianápolis, pipocou no Twitter a notícia de que André Ribeiro tinha nos deixado. Aos 55 anos, depois de uma batalha silenciosa contra um câncer no intestino. Partiu de forma discreta, como discreta foi sua carreira. Mas barulhentas, muito barulhentas, foram as suas realizações para uma parcela relevante de quem gosta de automobilismo hoje em dia.

Muito obrigado André Ribeiro. Se hoje estou aqui no Autoracing, escrevendo e falando sobre corridas, devo um percentual bem grande a você.

Bruno Aleixo
São Paulo – SP
Leia e comente outras colunas do Bruno Aleixo

AS - www.autoracing.com.br

Tags
, , , , , ,

ATENÇÃO: Comentários com textos ininteligíveis ou que faltem com respeito ao usuário não serão aprovados pelo moderador.