Confira o teor da carta de Max Mosley às equipes da F1

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 às 19:51

O texto abaixo é a carta escrita por Max Mosley, presidente da FIA, aos chefes das equipes de Fórmula 1. Nela, o dirigente explica as razões das mudanças feitas no regulamento para este ano e para as próximas temporadas. O dirigente destaca o fato de as grandes montadoras envolvidas com a categoria terem ciclos de entrada e saída da F1, além de detalhar algumas propostas aprovadas no dia 15 de janeiro.

Novo regulamento proposto para o mundial de Fórmula 1 – FIA

As discussões a respeito da reunião do dia 15 de Janeiro e seus efeitos imediatos obscureceram o que eu acredito serem importantes propostas para 2004, 2005 e 2006. As idéias por trás disso são novas e difíceis de engolir, particularmente quando você está envolvido na F1 há muito tempo. No entanto, o campeonato precisa de soluções de longo prazo para problemas que estão ocorrendo hoje. A intenção desta carta, portanto, é explicar estas propostas e provocar os chefes de equipe a pensarem a respeito.

Duas dificuldades significativas

Atualmente, sete grandes montadoras estão envolvidas com a F1. Todas elas aplicam vasto conhecimento técnico e recursos financeiros. Tudo isso trará benefícios, mas apresenta duas dificuldades significativas: 1º) qualquer equipe sem o suporte de uma destas montadoras irá se encontrar em dificuldades financeiras e tecnológicas, particularmente num cenário de recessão econômica. 2º) não existem garantias de que uma ou várias destas montadoras não vão parar de correr a qualquer momento. Apesar da Ferrari estar no mundial desde de seu começo, e da Toyota estar participando pela primeira vez, as outras cinco montadoras (BMW, Ford, Honda, Mercedes e Renault) tem uma história de idas e vindas ao longo dos anos. Não há nada de errado nisso – A Fórmula 1 não é o negócio principal deles, simplesmente é um de vários instrumentos de marketing e de desenvolvimento tecnológico disponíveis para eles. No entanto, para planejar o futuro, nós precisamos levar em conta a possibilidade de termos apenas uma ou duas grandes montadoras na F1 num futuro próximo, ou mais de oito ou nove.

As Equipes Independentes

Se nós pretendemos realizar um campeonato estável, nós precisamos garantir que as equipes independentes possam sobreviver enquanto as grandes montadoras vêm e vão. O Campeonato Mundial de F1 da FIA é o negócio principal de uma equipe independente. Ao contrário de uma grande montadora, uma equipe independente não pode simplesmente parar de correr, pois para fazer isso ele teria de fechar seu negócio. Portanto o caminho para garantir a saúde e estabilidade do campeonato em longo prazo é garantindo a existência de um grupo sólido de equipes independentes que não dependam da presença das grandes montadoras para sobreviverem. Podemos confiar nas equipes independentes, mas não nas montadoras. Apesar da presença das montadoras ser muito bem-vinda, porém eles vêm e vão como lhes convém. Eles sempre fizeram isso, e sempre farão. Afinal eles não têm de dar satisfação a seus acionistas, não ao esporte a motor.

A Necessidade de uma Decisão

No último dia 15 de Janeiro, eu delineei um número de passos que a FIA pretende tomar com o objetivo de aplicar as regras existentes com maior eficácia. Além disso, houve a inclusão de novas propostas para mudanças no regulamento que iram ser efetivadas em 2004, 2005 e 2006. Se nós queremos introduzir estas mudanças, nós devemos começar a fazê-lo não antes de 31 de Outubro de 2003. No entanto, seria melhor se os pacotes completos, incluindo as medidas que tecnicamente poderiam esperar até 30 de Outubro de 2005, fossem votadas para tomar efeito antes. Eu escrevo a vocês, portanto para explicar as propostas na esperança de que possamos progredir mais rápido.

O Custo do desenvolvimento X O custo de correr

Uma montadora vai gastar centenas de milhões de dólares projetando e desenvolvendo um novo carro de rua e sua produção em série. O resultado final é um carro que custa relativamente pouco para reproduzir, e pode ser vendido por baixos preços, comparando com o custo de projeto e desenvolvimento. Por outro lado, nós devemos separar o custo de desenho e produção na Fórmula 1, do custo de competir. Ninguém pode controlar o custo de projeto e desenvolvimento de um carro ou motor; este custo esta inteiramente nas mãos da equipe ou montadora envolvida. Mas o custo de competir depois que o carro está pronto pode ser controlado.

Por que o custo para competir é fundamental

Se o custo de correr competitivamente é baixo nós podemos ter grids cheios e uma F1 saudável. Sabendo que o custo de competir é muito baixo, comparado com o custo de desenho e desenvolvimento, não há problemas se apenas uma ou duas montadoras estiverem presentes. Seus carros e motores podem ser duplicados por preço mínimo para encher um grid. Da mesma forma não há problema se tivermos sete ou oito montadoras envolvidas, por que as equipes independentes ainda podem ser equipadas a custos mínimos. Uma equipe independente pode inclusive achar uma montadora pronta a ajudar em troca de uma maior presença (exposição na mídia).

Reduzindo o custo para competir

Então, como nós reduzimos o custo de competir? A resposta é: (1) Eliminando equipamentos e procedimentos complexos e desnecessários nas corridas, (2) Permitindo o uso de carros, e componentes de longa duração, (3) Permitindo às equipes que usem componentes (ou mesmo chassis inteiros) comprado de outras equipes ou fornecedores terceirizados.

Motores como um exemplo

Como ilustração, pegue o exemplo dos motores, provavelmente o maior problema para as equipes independentes em 2003. Se o preço de fornecimento para uma temporada para uma equipe em 2003 é de cerca de US$ 20 milhões, em 2004 será de apenas US$ 10 milhões, pois as equipes irão usar apenas um motor por carro por fim de semana ao invés de dois ou três como atualmente. O motor também irá durar o dobro nos testes, o que também diminui pela metade os gastos com motor nestas ocasiões. Em 2005 este valor deve cair para cerca de US$ 5 milhões (se as novas propostas forem adotadas) por que os motores agora irão durar dois fins de semana, e em 2006 o custo pode cair para cerca de US$ 1,6 milhões por que os motores irão durar seis GP’s. Em três anos nós iremos de absurdos e insustentáveis 20 milhões por equipe para “apenas” US$ 1,6 milhões. Por US$ 100.000 por corrida ainda é muito caro, porém admissível. Além disso, com menos mudanças de motor, menos gente viajando será necessária nas equipes.

Uma Ilustração

O quanto isso será benéfico para a F1 num todo pode ser facilmente visto quando você considera, deixando de lado desenho e desenvolvimento, que custará o mesmo para uma montadora fornecer motores para todo o grid em 2006 quanto fornecer para apenas uma equipe em 2003. Os custos de desenho e desenvolvimento são os mesmos se você fornece para uma ou para diversas equipes, e uma montadora que quer fazer um motor de F1 terá ainda que bancar os custos de desenvolvimento e projeto, mas competir custará muito menos por que os motores vão durar muito mais.

Motores para seis corridas

Claro que a reação de muitos fãs de F1 para motores que duram seis corridas será bastante negativa. Um entusiasta pode até mesmo dizer que isto não será mais Fórmula 1. Mas nós podemos esperar bem mais de 700 cavalos a 16.000 rpm para estes motores em 2006, praticamente o mesmo que os melhores motores do grid no ano de 1996. (lembre-se de que quando a F1 baixou de 3.5 para 3 litros a cilindrada dos motores por segurança depois das fatalidades de 1994 era esperado uma potência de cerca de 600 cavalos, o que era julgado como correto na época). Apesar da redução dos custos com motores da ordem de 90%, ninguém, nas arquibancadas, ou na TV, vai notar qualquer diferença. Na verdade o único problema com os motores para seis grandes prêmios é achar o balanço correto para a penalidade caso uma troca prematura de motor seja necessária, o suficiente para impedir trocas sistemáticas, sem colocar o piloto em questão de fora da disputa pelo campeonato.

O Desafio Técnico

Ninguém mais discute que os custos de projeto e desenvolvimento de um motor para seis grandes prêmios é pouco maior do que para motores do tipo “dois por grande prêmio”. O desafio técnico não é menor, e certamente é mais interessante para o negócio principal de uma montadora do que motores que duram 400 km, ou pior, 50 km para qualificações.

Componentes de Maior Vida Útil

Os argumentos aplicados para motores são aplicados da mesma maneira para outras peças e componentes. A introdução de caixas de câmbio, suspensões, carenagens e outros componentes terão o mesmo efeito. Uma equipe grande ou montadora vão continuar gastando milhões em projeto e desenvolvimento destes itens, mas não terão o custo de substituir estas peças a cada GP. Isso não irá apenas poupar dinheiro para as grandes equipes, mas produzindo em larga escala, incentivando a venda de componentes para as equipes independentes. Equipes independentes por sua vez vão poupar o dinheiro de projeto e desenvolvimento e de substituição dos componentes. Todas as equipes, pequenas e grandes, vão economizar na quantidade de pessoas necessárias.

Componentes mais seguros

A segurança será maior. Se um componente é projetado para durar uma corrida, ele irá terminar a prova perto do seu limite, e, portanto com maior chance de falhar no fim da corrida. Se ele deve durar seis corridas ele irá ser usado no seu limite apenas duas a três vezes por ano, ao invés de 16.

Uma Lista de Materiais Permitidos

Adicione a isso tudo a lista de materiais permitidos, e você reduz ainda mais os custos. Obrigando todos a usarem materiais não exóticos de uma lista acordada, você garante que o custo dos componentes será baixo. Isso não reduz o custo de desenvolvimento, pode até aumentar em alguns casos, mas reduz o custo da peça final e, portanto o custo de competir.

Outro Desafio Técnico

O desafio técnico da lista de materiais pode ser ainda maior que o sistema que existe hoje, onde as equipes com dinheiro o suficiente podem simplesmente comprar materiais exóticos caríssimos de laboratórios aeroespaciais. O desafio será muito mais relevante para a indústria, onde dificuldades de engenharia precisam ser superadas pelo desenho criativo, pois carros de rua não podem usar materiais caros, custaria muito caro.

Estabilidade a Longo Prazo

Se estas medidas foram adotadas, a F1 poderá continuar num altíssimo nível com dez a doze equipes sem ser afetada pelas idas e vindas das grandes montadoras. O sistema proposto funcionará bem tanto com uma ou duas montadoras, quanto como se cada equipe tivesse sua montadora por trás.

Motores acessíveis e competitivos para todas as equipes

Equipes independentes não mais serão obrigadas a usar motores do ano passado. Para os primeiros três anos isso não ocorrerá, pois os motores do ano passado não serão projetados para durar o necessário, motores novos terão de ser fornecidos. E a partir de 2006 o número de motores necessário para toda a temporada será tão pequeno que não exigirá esforço algum das montadoras para fornecer os motores de ultima especificação para as equipes independentes. Argumentos similares podem ser usados para chassis, câmbio e demais componentes.

Equipes Independentes Competitivas

Equipes independentes vão dispor de chassis e motores similares aos dos grandes equipes. Isso possibilita que uma equipe independente, bem administrada, com um piloto excelente pode ser competitiva, e até mesmo vencer corridas. Combinado com baixos custos, isso irá possibilitar que estas equipes operem num ambiente estável e financeiramente bem sucedido.

Em suma: Um campeonato totalmente viável

Nós acreditamos que as idéias delineadas acima são o único caminho para realizar um campeonato viável quando um indeterminado número de companhias muito ricas e tecnicamente avançadas podem se envolver a qualquer hora. Quando uma montadora decide investir uma alta soma para produzir chassis e motores de alto nível técnico, o único meio de impedir que isto coloque as equipes independentes fora do negócio é introduzindo regras que tornem comum que cada montadora forneça chassis e motores a preços aceitáveis.

Outras propostas

As resoluções do dia 15 também prevêem a adoção de asa traseira e sistema de freios padronizados para 2004. Não tratamos deste assunto nesta carta, pois acreditamos que este assunto foi totalmente compreendido e não aconteceram grandes controvérsias. No entanto, por razões óbvias, eles também têm de ser discutidos e votados o mais rápido possível.

Conclusão

Espero que esta carta inicie um diálogo construtivo a respeito do futuro a médio e longo prazo para o campeonato mundial de Fórmula 1. Para isto pode se útil que fica acertada uma reunião no futuro próximo, onde juntos, nós possamos examinar estas e outras idéias detalhadamente.

Espero ansiosamente por seus comentários.

Paris, 10 de Fevereiro, 2003

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