Como foi projetado o cockpit do Toyota TF105

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 às 22:56
Toyota TF 105

“Cuecas?” Jarno Trulli fez muitos sacrifícios para alcançar sucesso em sua carreira no automobilismo, mas tirar a roupa de baixo, sem dúvida, deve estar entre os mais estranhos que ele já possa ter enfrentado.

Para qualquer pessoa, encontrar a posição mais confortável em seu carro de passeio é fácil, porque o assento e o volante são desenhados para ajustar-se às formas e tamanhos dos corpos dos mais diferentes motoristas. O interior de um carro de Fórmula 1, entretanto, tem de ser projetado sob medida, a fim de adequar-se especificamente a cada piloto – e, curiosamente, ocorre que as técnicas usadas para executar ambas as tarefas, obviamente com o auxílio da informática, são notavelmente similares, até porque se utilizam do mesmo software.

O trabalho de “vestir” o modelo TF105 em Trulli e Ralf Schumacher começa com uma cuidadosa medição, supervisionada pela Dassault Systèmes, parceira da equipe Toyota. Milímetros nessa hora fazem a diferença e foi aí que Trulli viu a peça mais intima de sua indumentária ser levada em consideração.

“As dimensões do cockpit são definidas pelo regulamento”, diz John Litjens, líder de projetos do departamento de desenho de chassis da Toyota. “O que nós fazemos é ajustar o piloto da melhor maneira no espaço disponível. Gostaríamos de colocar o banco o mais baixo possível, para auxiliar na distribuição do peso, mas é necessário que o piloto esteja numa posição elevada o suficiente para enxergar adiante”. Os projetistas também obedecem o regulamento, que exige que os pés dos pilotos fiquem atrás da linha do eixo dianteiro.

“Por medida de segurança, a FIA impôs determinadas dimensões ao cockpit (a estrutura principal que incorpora a célula de sobrevivência)”, diz François Barrovecchio, da Dassault Systèmes. “Poder definir a posição do piloto sem ter de construir um modelo em tamanho natural economiza bastante tempo. O uso do software adequado oferece à equipe uma considerável redução no tempo de projeto e realização. Isso é importante não só para atender a futuras mudanças de regulamento como para o desenvolvimento do carro durante a temporada. Este ano são dezenove provas, algumas com somente uma semana de intervalo. Se a equipe identifica um problema no projeto, ela necessita estar apta a instalar, rapidamente, novas peças e componentes.”

Há 103 diferentes medições a serem feitas – largura do nariz, cabeça, mãos, pés, circunferência da cabeça etc. – tudo é inserido no computador para criar um manequim que pode ser chamado de “Trulli virtual”. Essa réplica é colocada num cockpit também virtual.

“Uma vez criado o modelo no computador, procuramos assentá-lo na postura exata do piloto dentro do cockpit”, diz Eric Coutu, um especialista em ergonomia da Dassault Systèmes. “É aí que usamos o scanner para mapear a postura real do piloto. O objetivo é alcançar a melhor visibilidade, o máximo conforto para as costas e facilitar o alcance dos comandos.

“Podemos fazer isso em duas horas, mas o tempo depende das medidas que temos de fazer. E gostamos de fazer isso três vezes, para evitar erros. Repetimos o procedimento com e sem roupas, a fim de avaliar que influência tem a espessura de determinada roupa no conforto do piloto dentro do cockpit. Medimos até a sola de seu calçado.”

Nessa tarefa cansativa, Trulli assume uma série de posturas que são “lidas” pelo scanner como num aparelho de raios-X. A seguir essas posturas são replicadas num cockpit e a posição do banco é discutida minuciosamente com Litjens e o engenheiro de corridas Ossi Oikarinen.

“Podemos simular uma população inteira”, diz Coutu. “Assim, é possível dizer – OK, essa é a menor ou essa é a maior pessoa que se pode instalar no cockpit do carro”. Nós usaríamos manequins comuns para um carro de passeio, em que pessoas de todas os tipos e tamanhos devem estar confortavelmente instaladas, ter uma boa visão e alcançar todos os controles com facilidade.

“O que fazemos aqui é limitar nossa “população” a Jarno Trulli e Ralf Schumacher, tirar medidas específicas de cada um e criar cópias detalhadas deles”.

O software utilizado também pode simular o ponto de vista do piloto de dentro do cockpit, mostrando o que ele consegue enxergar adiante e atrás. Isso ajuda a equipe de projeto a determinar os melhores pontos para instalação dos retrovisores. O fato de a Toyota produzir seus motores e chassis de Fórmula 1 sob o mesmo teto, em sua fábrica de Colônia, produz uma sinergia que possibilita os departamentos de motores e chassis trabalharem de maneira mais integrada. O resultado é que isso eventualmente pode auxiliar o piloto a enxergar melhor através dos retrovisores. Observem, por exemplo, a mudança de tamanho e formato das saídas de ar nos sidepods.

“O carro inteiro está em nosso banco de dados”, diz Barrovecchio. “Podemos avaliar cada componente e calcular o efeito que ele tem no centro de gravidade, por exemplo. É possível também simular os efeitos da variação na quantidade de combustível em cada abastecimento.

O modelo digital é mais fácil de alterar. Você pode ver o quanto aquelas mudanças afetarão o resto do carro. Cada piloto pesa cerca de 73 quilos, assim, a posição de cada um no cockpit afeta o centro de gravidade do veículo inteiro – com o manequim virtual podemos testar o efeito de abaixá-lo até mesmo em um centímetro apenas.”

Outro benefício de realizar um trabalho tão detalhado com o software é possibilitar à equipe otimizar suas operações e cortar custos – algo especialmente importante na conjuntura atual, na qual a entidade dirigente, a FIA, introduz novas regras com a finalidade de reduzir os gastos na Fórmula 1. Projetos computadorizados reduzem custos e melhoram o controle de qualidade. O objetivo é fazer com que todos os componentes cheguem à fábrica prontos para ser reunidos e não juntar estoques desnecessários. A equipe tem aprendido com os especialistas da montadora a maneira de melhorar os processos de manufatura dos carros de passeio – por exemplo, o sistema de produção que objetiva reduzir custos mantendo a durabilidade e aumentando a velocidade de produção. A Toyota foi a pioneira na técnica de produção “Just in Time”, coordenando a entrada de peças de forma a não haver desperdícios ou gastos com estoques dispendiosos.

De qualquer forma, ainda não há substituto para a etapa final, aquela do mundo concreto. É nele em que se encontra o inesperado, não importa o quanto se trabalhou para fazer as coisas funcionarem bem. Na fase de projeto é possível simular corretamente noventa a noventa e cinco por cento, diz Litjens. “Mas quando os pilotos de verdade estão pilotando e as forças gravitacionais estão atuando, às vezes, há efeitos sobre os músculos que não podem ser previstos por nenhum computador”.

José Antonio Coelho

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