A tênue linha entre o gênio e a vaca braba

quarta-feira, 1 de junho de 2011 às 16:41
lar-monaco-2011-615 Largada do GP de Monaco 2011

Conteúdo patrocinado por: selopatrocinio


Mal acabou o Grande Prêmio de Mônaco, começaram as queixas contra o domínio de Sebastian Vettel. Para muitos, não dá para acompanhar uma Fórmula 1 que já tem um campeão tão cedo. É como se tudo se resumisse àquele alemãozinho voador. “Onde já se viu um piloto chegar a 143 pontos em 150 possíveis? Não vejo mais, prefiro levar o cachorro para passear”.

Os resultados, de fato, sugerem profunda monotonia, mas as corridas a desmentem etapa a etapa. Desconfio que o cachorro vai ter de esperar até a bandeirada final do GP do Canadá. Queiram ou não, todas corridas desse 2011 foram infinitamente melhores do que tudo que a F1 nos ofereceu nos últimos anos.

A receita é perfeita: asas móveis, KERS e pneus de vida curta manejados com altíssima qualidade por Vettel, Alonso e Hamilton. E toda uma geração que ainda conta com o brilho discreto de Jenson Button e a ascensão gritante de Kamui Kobayashi, Sérgio Perez e Paul di Resta. Maçante? Então tá. No domingo, está todo mundo com os olhos pregados na telinha, acompanhando lance a lance.

Eu adorei o GP de Mônaco. Foi emocionante, sensacional. Teve de tudo. Estratégias conflitantes, disputas de tirar o fôlego, lances inesperados e o Lewis Hamilton em Mad Dog mode. Aliás, como é fina a linha que separa o gênio do vaca braba. Pena que no melhor da história entrou em cena o regulamento e estragou tudo. Culpa do tal artigo 41.4 do Código Esportivo, que fez de uma bandeira vermelha uma deplorável parada de boxe. É que ele, o tal artigo,  se refere à segurança.

E tem suas razões. As bandeiras vermelhas entram em cena por causa de acidentes sérios ou chuvas de grandes proporções, e a troca de pneus é permitida para evitar a ameaça real de cortes causados pelos destroços ou que os carros voltem à pista molhada com pneus slick. Devia haver uma cláusula que desse ao diretor de prova a opção de vetar a maldita troca de pneus que estragou uma prova como foi a de Mônaco. Todo mundo reclamou, até a Pirelli pediu mudanças no 41.4.

Mas isso só aumentou a ansiedade com que espero o GP do Canadá. Lá, todos os olhos do mundo estarão presos a Hamilton, não só por sua agressividade. A temperatura do mercado de pilotos subiu após a extensão do contrato de Alonso até 2016, que fechou as portas da Ferrari para Hamilton. Seu novo empresário, o responsável pelo fenômeno Spice Girls, está procurando, de forma pouco discreta, um contrato milionário para seu novo cliente. Há equipes com dinheiro de sobra, mas apenas uma tem Adrian Newey. Com Hamilton e Vettel em seus carros, a Red Bull ganharia asas de verdade.

Por seu lado, Button deu para relembrar a infância. “Quando eu tinha oito anos, sonhava ser campeão mundial e correr pela Williams, pela McLaren e pela Ferrari. Já fui campeão, já corri pela Williams e pela McLaren. Só falta uma etapa”. Da parte de Alonso, a Ferrari não encontraria a menor restrição, e seria muito positivo para sua imagem contar com mais um campeão mundial.

Na Renault, a batata de Nick Heidfeld já está dourando, quase no ponto de ser servida. O chefe da equipe, Eric Bouiller, declarou para a imprensa que o alemão barbudo tem de melhorar nas provas de classificação. ‘Nas corridas, ele vai bem, mas como larga lá atrás, não chega nas posições que o carro pode obter”. Heidfeld foi chamado para ocupar a vaga de Robert Kubica principalmente por poder ajudar muito no desenvolvimento do carro. Como essa etapa já ficou para trás, sua posição se debilitou.

O dono da equipe, Gerard Lopez, também vem pondo lenha na fogueira. Primeiro, ao reclamar publicamente dos resultados. “Temos carro para muito mais”. Depois, ao dizer que não acredita no retorno de Kubica nesse ano. “No máximo, ele poderia andar no primeira treino de uma dessas sextas-feiras. Não acredito que volte a correr neste ano”.  Não precisou mais para fermentar os insistentes rumores de que o contrato do polonês já foi encerrado. O pior é que eles tiveram origem dentro da própria Renault.

De olhos e ouvidos ligadíssimos nos rumores, Mark Webber e Felipe Massa esperam antes de mover suas peças. O primeiro por antever o provável adiamento do fim de sua carreira por mais um ano, já que até lá Hamilton está preso por contrato à McLaren; o segundo por ver suas opções se ampliarem. Se antes ele mirava a Red Bull, que agora parece se afastar, pode então virar suas atenções para a McLaren e a Renault. Tudo isso sem pressa de deixar a Ferrari, que rebate as críticas da imprensa italiana com o argumento de que, primeiro, o carro não é nenhuma Brastemp e que, segundo, é sempre o pão de Massa que cai com a manteiga para baixo. Será que a maré começa a mudar?

De volta a Mônaco e sua infame bandeira vermelha, foi aterrador ver os mecânicos trocando os pneus, deu a sensação do desastre iminente. Ora, era de seu desgaste que dependia o desenlace de uma disputa memorável, histórica. Os do Vettel já tinham percorrido 45 voltas; os do Alonso, o segundo, 28. Comparando com eles, os do Button eram quase novos, apenas 13 voltas. Naquelas seis voltas finais, Vettel teria de cortar um dobrado para se manter à frente de Alonso, que já tinha até escolhido o ponto ideal para atacar: na entrada da curva Um ou na saída do túnel.

Mas antes de qualquer coisa, eles teriam de aquecer seus pneus, o que não é nada fácil quando eles estão tão velhos. Já de Button não se sabia se escolheria esperar para ver em que daria o ataque de Alonso a Vettel ou aproveitar os pneus mais inteiros e partir para cima.

Para animar ainda mais, Vettel parecia cheio de confiança. “Estou OK, estou OK”, tinha dito pouco antes no rádio. “Meus pneus estão piorando, mas os deles também. E ultrapassar aqui é quase impossível”.

Será que Lewis Hamilton concordaria com isso? Com certeza não, muito pelo contrário. Foi exatamente a certeza de que dá para ultrapassar em Mônaco que fez dele o principal protagonista da corrida. Para o bem e para o mal.

Talvez essa certeza tenha surgido na sua cabeça já na primeira volta. Foi quando Schumacher voltou a ser Schumacher e o superou na freada do mesmo cotovelo em que, mais tarde, ele executaria a lambança que mudou o panorama da corrida. Com a experiência de quem tem cinco vitórias em Monte Carlo, Schummy se manteve pela esquerda na saída da curva anterior e se colocou exatamente ao lado de Hamilton no momento da freada. Lado a lado, roda a roda, a posição estava perdida, não havia nada que Hamilton pudesse fazer. Essa foi a grande diferença entre a ultrapassagem perfeita do velho Schummy e as trapalhadas de “Mad Dog” Hamilton.

Aí começam as divergências entre Lewis e o mundo. Vi e revi todas ultrapassagens que ocorreram naquela curva, as bem e as mal sucedidas. Inicialmente, mesmo debitando a culpa ao piloto da McLaren, achei que Massa poderia ter cedido espaço e levar em frente uma corrida que poderia terminar até em quarto – resultado nada desprezível na atual maré vazante. Mas logo mudei de idéia. Hamilton havia negado a Felipe o direito elementar de defender a posição. Desembestado, empurrou o carro de Felipe contra o de Mark Webber, o que decepou parte da asa dianteira direita da Ferrari. Não satisfeito, continuou acelerando com as rodas enganchadas na Ferrari, expondo ambos a riscos maiores.

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Felipe fez o mais correto: endureceu o jogo. Como aceitar tamanha prepotência? Principalmente depois de já ter seu carro danificado. Considerando o momento que vive, ele não podia se deixar superar como um cordeirinho. Sob fogo cerrado dentro e fora de casa, criticado (muitas vezes exageradamente, desrespeitosamente) por gregos e troianos, ele deu rédeas livres ao espírito de competição e se manteve firme.

Por seu lado, Hamilton também tinha razões para estar com péssimo humor. No sábado, a McLaren atrasou demais sua entrada na pista no Q3. Quando o liberou, só restou tempo de dar uma volta mais ou menos rápida, sem que os pneus estivessem corretamente aquecidos. A seguinte, que seria a boa, teve de ser abortada quando o mexicano Sérgio Perez se estatelou na chicane do porto. O pior é que ele já tinha marcado o melhor tempo do Q3 nos dois primeiros setores. Na pior das hipóteses, seria o segundo no pelotão de largada.

Pista reaberta, Hamilton saiu com a faca nos dentes, mas de novo os pneus não atingiram a temperatura certa e tudo que ele conseguiu foi passar de oitavo para sétimo – que se tornou nono depois que os comissários esportivos invalidaram sua melhor volta por ter passado direto na tão falada chicane do porto.

Começa a corrida e lá vem o Schumacher por dentro na freada do cotovelo. Não deu nem para pensar em fechar a porta. Algumas voltas depois, devolveu a ultrapassagem sobre o velho campeão na curva Um. Mas como tinha largado com pneus macios, só voltou a progredir quando os pilotos à frente pararam para trocar pneus  – e assim mesmo, não foi além de sétimo. Teve de esperar a troca de seus pneus macios pelos velocíssimos supermacios para voltar a voar.

Na saída do túnel, onde os carros atingem as velocidades mais altas, ele era de longe o mais veloz: 289km/hora. Quem chegava mais perto era Webber, 285,4km/h. Até aquele momento, sua melhor volta tinha sido 1min18s094. Já a de Massa era 283,7 e sua melhor volta tinha sido 1min20s202, isso ainda com os pneus supermacios. Naquele momento, ele já estava com os macios, mais duráveis porém mais lentos. Ou seja, Hamilton se aproximava muito mais depressa do que andavam os carros da Red Bull e da Ferrari.

A coisa piorou quando Massa encostou no Webber, que era o nono e virava na faixa de 1min22s, um segundo mais lento do que a Ferrari. Foi demais para Hamilton, que se viu preso atrás dos dois duelantes. Inconformado por ver se afastar a chance de voltar a vencer Vettel, Hamilton praticamente ignorou a Ferrari de Felipe e a empurrou enquanto procurava espaço na calçada. Quando os dois carros enfim se desengancharam, ele aproveitou a melhor tração de seus pneus para passar a Ferrari por dentro no túnel. Com os pneus escorregando nos restos de borracha que ladeiam cada curva, a famosa farofa, Felipe escorregou até bater.

Punido com um drive through, Hamilton voltou voando e, mais uma vez, arrancou o sexto lugar de Pastor Maldonado à base do empurrão. O venezuelano estava a poucas voltas de mostrar na F1 que não foi por acaso que venceu quatro corridas de GP2 e Renault 3.5 nas ruas de Mônaco, mas saiu com as mãos abanando. E a cabeça fumegando. Ainda teve autocontrole para definir a manobra de Hamilton como “otimista”. Massa não quis saber de amenidades e pediu a suspensão de uma corrida para o inglês. “De outra forma, não vai aprender”.

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Pelo que mostrou após a bandeirada, Hamilton não vai aprender mesmo. Vestindo-se de vítima, declarou aos microfones da TV BBC, inglesa como ele, que é um perseguido, que, pobrezinho, teve de dar explicações aos comissários esportivos em cinco das seis corridas do ano. Falar em racismo foi apenas mais uma gafe, uma piada sem graça, mas que mostrou sua dificuldade de entender a seriedade do momento. Chamou Massa e Maldonado de “pilotos ridículos”, deixou a impressão de viver fora da realidade. No dia seguinte, pressionado por todos os lados, pediu desculpas. Se foi tarde demais ou não o tempo vai dizer.

Ainda bem que o GP de Mônaco teve muito mais. Vettel, Alonso e Button mostraram que, independente de estratégias e trapalhadas, os pilotos reconquistaram a relevância que lhes faltava nos últimos tempos. Vettel, por exemplo, compensou no braço (e principalmente na cabeça) o erro grave da Red Bull. Quando fez a que seria sua primeira parada, na 17ª volta, o alemãozinho devia ter recebido pneus supermacios, mas saiu com os macios. Será por mera coincidência que tenha sido exatamente quando a equipe decidiu alterar os procedimentos de boxe a fim de evitar que a Ferrari antecipasse todas suas trocas de pneus? Só Deus sabe…

Mostrando maturidade de campeão, o alemãozinho não cometeu o erro de destruir seus pneus tentando evitar a aproximação ameaçadora da Ferrari de Alonso. Preferiu mantê-los no melhor estado possível para poder resistir quando a luta verdadeira começasse. Isso lhe valia acelerações ainda fortes na última curva antes da reta dos boxes e estabilidade suficiente na delicadíssima freada da chicane depois do túnel.

Erros ocorreram também na Ferrari. A diferença do roteiro é que dessa vez foram com Alonso, não com Massa. As dificuldades costumeiras na troca dos pneus fizeram a segunda parada do espanhol demorar seis segundos mais do que a primeira.

Button não sofreu percalços em suas três paradas, mas viu toda sua vantagem se diluir quando o Safety Car entrou na pista para a Ferrari de Massa ser retirada da pista.

Foi esse mesmo problema que atrasou Barrichello. Ele largou em 12º e chegou a quarto antes da parada, uma volta antes do Safty Car entrar na pista e impedi-lo de se recuperar da 12ª posição em que se encontrava após a troca de pneus. No fim chegou em nono, mas preferia ter sido 10º, posição em que se encontrava quando Hamilton jogou Maldonado no guard rail da curva Um. Por outro lado, saiu mais animado com a evolução de seu carro.

Mas há mesmo evolução na Ferrari e na Williams? Mônaco não é o melhor palco para esta medição. As baixas velocidades do Principado não requerem eficiência aerodinâmica. Tanto que a Ferrari, em crise pela reconhecida carência nesse setor, colocou seus dois carros entre os seis primeiros do grid. Isso se deveu em parte ao aquecimento mais rápido dos pneus supermacios e macios que a Pirelli levou para as escorregadias ruas de Monte Carlo, que a cada dia são devolvidas ao trânsito pesado da cidade assim que as atividades de pista se encerram. Um desafio a mais para os pilotos, que precisam incluir os efeitos do tráfego urbano na análise do acerto de seus carros.

O próximo Grande Prêmio será na Ilha de Notre Dame, Canadá. Lá, o piso não se deteriora tanto, mas a aerodinâmica também não vale muito. O traçado é do tipo stop and go: acelera, freia, vira o volante, volta a acelerar até a próxima freada. Bons freios e boa tração são as exigências. Isso a Ferrari tem. Em termos de velocidade final, a disputa é com a McLaren. Mais uma oportunidade de derrotar a Red Bull.

Lito Cavalcanti

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