A importância do chefe de equipe na Formula 1

terça-feira, 30 de novembro de 2010 às 11:47

A revista inglesa Autosport fez uma matéria especial sobre a importância do chefe de equipe na F1. O Autoracing traz aqui para você.

Alguns acreditam que o papel do chefe da equipe é subestimado, mas ele pode fazer ou quebrar uma equipe de F1. Dieter Rencken explica:

Era por volta das 15 horas no domingo do crashgate no centro de hospitalidade da McLaren dentro do paddock de Cingapura. Estavam presentes cerca de 30 membros da mídia que lotavam a estrutura pré-fabricada relativamente compacta. Todos estavam lá para o tradicional ‘Meet the Team’ – adiada, por razões óbvias, de seu tradicional horário de sábado a tarde.

Ex-chefes da Renault

Mal sabíamos na época, mas o enredo que finalmente viu Fernando Alonso conquistar a primeira corrida noturna na Formula 1 estava sendo tramado dois edifícios abaixo no paddock, mas tudo isso é outra história, que tem apenas uma influência indireta sobre este conto que influenciou o resultado do título daquele ano (em benefício da McLaren).

O chefe da equipe Ron Dennis estava particularmente bem disposto, e respondeu os meios de comunicação com uma calma considerável, salpicado com as suas respostas consideradas ‘Ronspeak’.

O mais impressionante, porém, foi a maneira com que Dennis respondeu a uma série de questões abrangendo temas visuais de TV da Fórmula 1 após a primeira sessão de qualificação no escuro realizada na noite anterior (Lewis Hamilton tinha sido o segundo), a luta pelo título, a crise de crédito, a degradação dos pneus no circuito de rua esburacado, e outras tantas perguntas sobre os mais variados temas que envolvem a F1.

Foi um desempenho virtuoso muito impressionante de uma pessoa que tinha todos os fatos na ponta da língua; um homem que experimentou todos os dissabores que seu amado esporte pode dispensar, e me levou de volta ao início de 2000, quando a BAR-Honda estava testando em Kyalami na preparação para a segunda temporada da equipe.

Parado diante do pit wall durante um período de silêncio, estava Craig Pollock, obviamente chateado após uma temporada de estréia não muito boa, além de muitas disputas com a FIA (sobre várias questões, incluindo o conceito da equipe em ter um carro com as cores da Lucky Strike e outro com as da 555), brigas entre diretores e pressões da maioria dos acionistas da British American Tobacco.

Em 1999 a equipe tinha tudo: a compra da Tyrrell na qual fizeram a base da equipe, sem dúvida o maior orçamento, uma nova estrutura, cerca de 500 funcionários no momento em que o resto tinha 20% menos, o mesmo motor Mechacrome da Williams e Benetton, o campeão de F1 em 1997 Jacques Villeneuve, o campeão de protótipos Ricardo Zonta, e mesmo assim não conseguiu terminar entre os seis primeiros lugares em 16 GPs.

Nós então discutimos esta situação. As pessoas geralmente não entendem o trabalho do chefe de equipe, disse o ex-professor e instrutor de esqui com naturalidade, acrescentando que chefes de equipe eram invariavelmente vistos como pilotos frustrados. Ele tinha um ponto: na época o paddock era povoado por diretores de equipe com passagens em competição no currículo – com os casos dos co-pilotos Jean Todt e David Richards. Tinha ainda Bobby Rahal prestes a assumir a Jaguar e Tom Walkinshaw como chefe da Arrows. Além de Frank Williams que havia guiado carros de turismo e assim por diante.

Em seguida, Pollock entrou no âmago da questão: imagine, disse ele, sendo chefe de uma organização multimilionária, empregar 500 pessoas altamente competitivas, sempre lutando por orçamentos maiores e melhores instalações em um ritmo ainda desconhecido até para a indústria espacial, com o principal mercado para a companhia em países mudando a cada quinzena.

Adicione a isso, ele prosseguiu, regras e regulamentos que mudam constantemente, às vezes com pouco ou nenhum aviso prévio, a necessidade de aumentar o orçamento exponencialmente a cada ano e, finalmente, ser fiscalizado por 300 milhões de pessoas altamente especializadas e uma crítica, a mídia apaixonada, a cada duas semanas em público.

Salvo as equipes de F1, nenhuma outra empresa no mundo é submetida a essas práticas de trabalho – nesse ponto era difícil discordar de Pollock – e, concluiu ele, o chefe de equipe tem que sentar em cima disso tudo e arcar com todas essas responsabilidades.

A gestão de uma equipe de F1 é extremamente exigente e isto pode ser comprovado pela taxa de sobrevivência das equipes nos 60 anos de história da F1: durante este período, mais de 120 equipes já tentaram se estabelecer na categoria principal do automobilismo mundial, mas apenas nove ainda existem (salientando que essas nove ganharam um grande prêmio em uma encarnação ou outra) – uma taxa de sobrevivência de apenas 7,5%, ou seja, menor que na vida selvagem. Adicione as equipes que já nasceram mortas e o número piora ainda mais.

Invariavelmente, a sobrevivência de uma equipe depende muito do homem de cima: depois que Colin Chapman morreu, a Lotus resistiu por uma década e desapareceu. Quando Bernie Ecclestone vendeu a Brabham ela durou apenas quatro temporadas. Somente Frank Williams até o momento sobreviveu com sua equipe.

A Ferrari teve uma mudança de proprietários (Fiat) e incontáveis chefes de equipe. Apenas as habilidades de uma pessoa excepcional (Todt) no início dos anos 90 salvou a equipe da extinção quase certa. Isso porque o francês, agora presidente da FIA, demorou oito anos para levar a Ferrari de volta ao topo. A McLaren está agora no seu quarto chefe de equipe em 40 anos, enquanto a Red Bull Racing, em vários aspectos, já está em seu sétimo em 15 anos.

Retornando brevemente a Pollock, a equipe atualmente conhecida como Mercedes GP originalmente era a Tyrrell, que foi comprada pela BAT, em seguida, tornou-se uma joint venture entre BAT e Honda, depois somente Honda e finalmente um consórcio liderado por Ross Brawn. Em novembro de 2009 a Mercedes adquiriu uma participação majoritária – tornando-se a quinta proprietária em 11 anos, depois de Ken Tyrrell e sua família terem sidos donos sozinhos da equipe por mais de 30 anos!

Sem exceção, todos os chefes de equipe de sucesso contaram com apoio de trabalhadores excepcionais, mas nem todos os trabalhadores excepcionais tiveram a sorte de trabalhar para chefes de equipe de sucesso – o que certamente diz alguma coisa, e explica as lacunas nos currículos de muita gente boa.

Frank Williams

No entanto, onde houve falhas imediatas, estas podem ser classificadas em “boas” e “más”, e o fato de que oito de nove equipes existentes já terem competido na Fórmula 1 ainda sobreviverem (e, salientando, todas que ganharam um GP em uma ou outra de suas encarnações), apesar de inúmeras mudanças de donos, decisões dolorosas tiveram que ser tomadas pelos administradores ao longo do caminho.

Sim, alguns chefes de equipe foram coagidos a tomar decisões dolorosas, mas o fundamental é que a Toro Rosso hoje existe graças a Giancarlo Minardi, que antes do barco afundar tomou a decisão de venda para Paul Stoddart, que por sua vez vendeu para a Red Bull quando o seu tempo como chefe de equipe terminou.

Assim como Eddie Jordan, que desistiu da luta desigual, antes que fosse tarde demais, o sempre digno Peter Sauber voltou para salvar sua equipe, tendo originalmente vendido-a para a BMW, a fim de ‘assegurar’ o seu futuro. Teddy Mayer cedeu a Ron Dennis, involuntariamente talvez, mas ele cedeu e a McLaren sobreviveu para lutar mais uma temporada e um outro título no prazo de três anos. Outros, como Pollock, tiveram que ser derrubados em golpes dados em salas de reuniões para suas equipes florescerem.

Onde houve falhas, estas podem ter sido causadas ou agravadas por vários fatores. Além de gestão inepta, patrocinadores que retiraram-se sem aviso ou deixaram de pagar, apostas técnicas que não vingaram e etc. Mas geralmente quanto melhor o chefe de equipe, melhor as chances da equipe sobreviver. Como Jackie Oliver – que manteve a Arrows viva durante 20 anos ímpares antes de vender a Walkinshaw, que a matou em seis – disse uma vez a este autor, “É como uma dona de casa que tem um orçamento. Se conseguir se manter dentro dele, vem a felicidade; estoure-o e você terá o divórcio”.

Neste contexto, considere os desafios enfrentados pelos quatro proprietários das novas equipes deste ano, especialmente tendo em conta que eles tiveram menos de oito meses de preparação para a temporada 2010.

O chefe da Lotus F1, Tony Fernandes, já anunciou que não será mais chefe de equipe (para ser justo, o anúncio foi feito antes mesmo da equipe que leva o nome ressuscitado entrar na pista – mas é um indicativo da demanda de trabalho).

Na Virgin Racing (que mudou o nome de Manor Grand Prix antes do primeiro chassi passar pelo crash-test), Alex Tai, o chefe de equipe inicialmente indicado, abandonou as suas funções em dezembro, abrindo caminho para o expoente chefe da F3, John Booth, retomar a função no seio do grupo Virgin.

E assim, as duas novas equipes restantes, três se a Stefan GP (baseada na operação falecida da Toyota) for considerada, estão incluídas. Que Campos e USF1 têm suas lutas – por várias razões – tem sido bem documentado nestas páginas, e aqui, novamente, a situação pode ser descrita como “bom” e “mau”, respectivamente.

Adrian Campos viu o enorme problema que estava e vendeu sua parte para Jose Ramon Carabante, que por sua vez, fechou um acordo com o construtor de carros Dallara para completar o chassi em que tinha parado de ser fabricado em meados de janeiro. Assim, a equipe foi salva e agora tem uma chance de participar do grid no Bahrain. Será doloroso para Adrian ver um carro com o seu nome no grid, mas a alternativa seria deixar centenas de pessoas desempregadas na Espanha e na Itália.

Em contrapartida, a saga em Charlotte, Carolina do Norte, continua, com o chefe de equipe Ken Anderson (e parceiro de Peter Windsor) obstinadamente pendurado lá apesar de tudo estar indo para o brejo. A equipe não tem chance de aparecer nas quatro primeiras corridas – como evidenciado por um pedido a FIA para conceder um benefício de quatro corridas – e as probabilidades sobre a capacidade da equipe não fazer uma corrida neste ano estão crescendo a cada minuto.

Em última análise, a salvação de USF1,como a sua presença no grid, encontra-se na comissão de gestão existente finalmente aceitar que as probabilidades estão empilhadas contra eles, e de reestruturação da operação antes que tudo seja perdido. O investidor principal, Chad Hurley (do Youtube e Google) deve considerar cuidadosamente suas opções para garantir que ele não seja mordido duas vezes.

Ron Dennis com Lewis Hamilton

Na análise final, a melhor equipe de chefes não é aquela que leva sua equipe a centenas de vitórias e dezenas de títulos, mas sim aquela que coloca o bem-estar de sua força de trabalho em primeiro lugar – algo que Jean Todt, Ron Dennis e Frank Williams infalivelmente fizeram. Eles lideraram suas equipes nas vitórias e títulos durante o processo.

Adauto Silva – www.autoracing.com.br

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