F1 – Drive to Survive se aproxima ainda mais do TV Fama

segunda-feira, 19 de abril de 2021 às 12:27

Por: Bruno Aleixo

Demorou, mas finalmente consegui finalizar a temporada 3, de Drive to Survive. A série da Netflix, que mostra os bastidores da F1, causou frisson entre os fãs de automobilismo quando estreou no serviço de streaming, em 2019 e, desde então, forma-se quase uma vigília para aguardar seus novos episódios. Porém, depois de assistir aos 10 capítulos da nova temporada, chego a uma triste e necessária constatação: a série não é para nós.

Quando digo nós, é no sentido da gente mesmo, os aficionados. Sim, você que está aqui no Autoracing todos os dias, nos ouve no Loucos por Automobilismo e está agora lendo essa coluna. Se ainda não viu a nova temporada, saiba que, infelizmente, o que vai encontrar na Netflix é uma espécie de “TV Fama sobre rodas”, com algumas menções honrosas e olhe lá.

O que é uma pena mesmo. Para fazer a série, a Netflix ganhou acesso integral aos bastidores da F1 o que deveria gerar um material técnico primoroso, para enriquecer ainda mais a experiência de quem vive respirando gasolina. Mas “Drive to Survive” prioriza outro público. É compreensível? Em partes…

É bastante óbvio que a Liberty Media deseja tirar a Fórmula 1 da categoria “esporte de nicho”, aumentando sua popularidade por meio da conquista de novos fãs. E é uma geração difícil de ser conquistada. Nós, que já passamos dos 40, crescemos em um mundo no qual o carro era protagonista. Quantos de vocês não aprenderam a dirigir antes de fazer 18 anos, no Fusca, na Brasília ou no Opala do seus pais? Ora, nessa época, gostar de F1 era algo quase automático, com um plus importante no Brasil: a presença de pilotos brasileiros em profusão, com três deles enfileirando vitórias e títulos.

Isso não é mais realidade. A molecada atual está mais ligada em outras coisas. Carro, hoje em dia, é um trambolho caro e desnecessário e dirigir é um fardo para a turminha que está mais interessada no que se passa na tela de seus celulares. Mas, ainda assim, o automobilismo pode ser interessante do ponto de vista da competição.

Por isso é que figuras como Lando Norris, Carlos Sainz e Daniel Ricciardo são tão importantes para a F1, com seus jeitões descolados e muita interação nas redes sociais. Aparentemente, isso vale mais do que ser um piloto foda, embora os três estejam bem longe de serem ruins. Apenas unem as duas pontas do quebra cabeças, e com maestria.

O que nos traz de volta à Drive to Survive e sua capacidade de ser superficial até mesmo em itens que poderiam gerar boas histórias para os dois públicos. Exemplos não faltam: a imperdoável ausência da família Williams e sua despedida da F1 no GP da Itália, após a venda da equipe; a total falta de informações a respeito do cancelamento do GP da Austrália e seus desdobramentos, incluindo a inexplicável não inclusão de qualquer detalhamento da atuação de algumas equipes, como a Mercedes, na fabricação de respiradores artificiais, que foram usados no combate à pandemia da Covid-19.

Além disso, passagens que poderiam render um bom conteúdo técnico são citadas de forma tão breve que até perdem o sentido, como a reclamação das equipes no que se refere à Racing Point e a ida de Daniel Ricciardo para a McLaren, tratada como uma simples briguinha de casal entre o australiano e Cyril Abteboul.

Ao invés de se aprofundar nestes temas, a série gasta intermináveis minutos em um episódio completamente desnecessário sobre a Haas e a Alfa Romeo, incluindo cenas totalmente “vergonha alheia” de Günther Steiner comparecendo a uma reunião com possíveis patrocinadores. Há também uma insinuação completamente ridícula de que Carlos Sainz teria sido boicotado pela McLaren logo após o anúncio de sua saída pela equipe que, de tão inverossímil, acaba até virando humor involuntário. E atenção para o spoiler: se você quer ver Valtteri Bottas completamente pelado, não perca o episódio 3.

Por outro lado, a série brilha quando vai além da fofoca barata e consegue investigar seus personagens com um olhar mais curioso. Um bom exemplo é o ótimo episódio 4, sobre a Ferrari, que praticamente entrega de bandeja o péssimo relacionamento entre Sebastian Vettel e o restante do time àquela altura, o que culminou com saída do tetracampeão do time. O acidente de Romain Grosjean também é bem explorado, mesmo que com dramatização excessiva, mas traz imagens exclusivas e valoriza bastante os profissionais envolvidos em seu resgate. São bons exemplos de episódios que rendem bem tanto para quem gosta da F1, quanto para quem ainda não gosta, mas precisa ser fisgado.

O que nos traz ao grande pecado da temporada 3 de Drive to Survive: a ausência quase total de Lewis Hamilton, o grande piloto de 2020. Ora, Hamilton é a síntese perfeita do que a série deveria buscar: um excelente atleta dentro da pista e um ser humano cada vez mais importante fora dela. O último episódio de Drive to Survive foca em uma luta absolutamente desimportante dentro da pista, envolvendo alguns pilotos de meio de grid, deixando de lado o campeão da temporada. Hamilton participa somente nos segundos finais e sua representatividade em um ano tão importante na luta contra o racismo é resumida a poucas imagens de arquivo que em nada dão a dimensão do que ele fez em 2020 (a ponto de mudar a cor da equipe Mercedes, o que também não é mencionado pela série). Um pecado absolutamente imperdoável que faz Drive to Survive perder muitos pontos como série, até mesmo para mero entretenimento.

Aos órfãos de bons conteúdos sobre F1, como eu, fica a dica para a Liberty tentar disponibilizar em algum streaming os sempre ótimos reviews oficiais da FIA. Já que não é possível, para eles, unir conteúdo técnico com entretenimento, que ofereçam os dois separados mesmo.

Bruno Aleixo
São Paulo – SP
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