Vettel dá a volta por cima na melhor prova do ano

quarta-feira, 25 de abril de 2012 às 5:23

Vista aérea do circuito de Sakhir - Bahrain

GP do Bahrein: a corrida certa no lugar errado

Conteúdo patrocinado por: selopatrocinio

Passado o Grande Prêmio do Bahrein, a Fórmula 1 respirou aliviada. Se deu até o direito de criticar seus críticos, principalmente a imprensa, que viu na realização da corrida a inegável, ineludível confirmação de que o esporte, se é que a Fórmula 1 pode ser considerada um esporte, é formado por homens gananciosos ao ponto de, por dinheiro, perder a noção da importância dos direitos humanos; capaz de jogar no chão sua imagem e, neste processo, se arriscar a perder os patrocinadores que restam. E os patrocinadores que restam nestes tempos de crise são as grandes companhias, as poucas que ainda querem e dispõem de dezenas de milhões de dólares para desfrutar da visibilidade que a categoria proporciona – e nem todos podem se considerar satisfeitos com esta iniciativa.

Sem dúvida uma atitude de risco a de Bernie Ecclestone, o todo poderoso da F1, e de Jean Todt, o presidente da Federação Internacional de Automobilismo, de manterem a qualquer custo a realização de uma corrida de F1 no mais do que dividido Bahrein – cujo logotipo era UniF1ed, um jogo com a palavra unificado (tudo que o principado não é) e a F1. Claro, o dinheiro explica tudo, e remarca, ressalta a ganância que já havia levado a F1 de Ecclestone à lista negra da ONU por frequentar a África do Sul no tempo do apartheid pré-Nelson Mandela e o cinismo com que Todt vem conduzindo sua carreira desde que deixou o banco de navegador dos ralis internacionais para se tornar um dos principais administradores do esporte mundial – mesmo submetendo-o a algumas das situações mais constrangedoras de sua história.

Ao fim e ao cabo, alguns chefes de equipes se disseram desapontados com o comportamento da imprensa que, segundo eles, desviou seus olhos do paddock do circuito de Sakhir para focar no que acontecia fora dele. Isso mostra claramente o grau de alienação destes homens. Para eles, nada houve que justificasse isso. Parecem não saber que mais de 100 líderes das manifestações por liberdade e respeito aos direitos humanos foram presos, que centenas de pessoas foram feridas e uma morta na semana do Grande Prêmio. Avestruzes incorrigíveis, só tiram a cabeça da areia para contar os dólares que pingam em seus caixas. É só isso que importa.

É uma visão imediatista, míope, curta. Hoje a F1 já não é tão atrativa, é vista como uma atividade que ignora a preocupação mundial com o meio ambiente, que torra milhares e milhares de litros de gasolina, o combustível maldito, para dar voltas e mais voltas e sempre voltar ao mesmo lugar. Mesmo errada, esta é uma visão que assola a Fórmula 1 e preocupa aqueles que a ela se associam e têm uma visão mais ampla do mundo, mesmo que esse mundo seja apenas o dos negócios. Neste GP do Bahrein, a F1 dificilmente agradou ao público que consome e sustenta todas empresas, pessoas que têm o hábito de respirar e, portanto, se preocupa com a qualidade do meio ambiente. Se ele optar por não consumir mais produtos de quem de alguma forma está ligado à F1, será a vez da F1 respirar ar rarefeito, de baixa qualidade.

Sim, entende-se que a F1, onde já mínguam os patrocinadores essenciais à sua existência, tem grande necessidade dos 45 milhões de dólares que o principado paga por cada edição anual de seu GP. Mas se Ecclestone cancela alguns dos mais tradicionais GPs europeus para dar lugar a outros países no calendário, é difícil aceitar que não haja outra solução que não voltar ao Bahrein. E talvez toda a F1 venha a lamentar, em um futuro não tão distante, esta decisão.

Uma pena, porque na pista o que se viu foi um espetáculo de alta qualidade. A corrida certa no lugar errado. O quarto vencedor do ano, duas figuras inéditas nos pódios de 2012, seis marcas diferentes se colocando entre os três primeiros de pelo menos uma corrida do ano. Esta é uma Fórmula 1 que sempre se sonhou, competitiva, alternando carros e pilotos prova a prova. O sucesso de ontem nada garante no amanhã.

Ao mesmo tempo que inova, a F1 também renova. O Sebastian Vettel que venceu no Bahrein o fez da mesmíssima maneira que venceu em 2010 e 2011: largou na pole position, construiu rapidamente uma vantagem que o deixasse livre dos ataques de quem o seguia antes da terceira volta, quando a autorização do uso da asa móvel, o chamado DRS, exige que o perseguidor esteja no máximo um segundo atrás do perseguido. A cada troca de pneus, a mesma tática. E quando foi atacado seriamente pelo Lotus negro e dourado de Kimi Raikkonen, o alemão mostrou o que o levou a ser bicampeão. Defesas corretas, brilhantes, serenas.

Os mesmos adjetivos podem, devem ser empregados na análise do que fez Raikkonen, mas não na do que fez sua equipe. Se ousasse chamar o finlandês para a terceira troca de pneus antes de Vettel, a história da corrida seria certamente diferente. Com pneus novos, ele ganhava cerca de dois segundos por volta sobre o Red Bull do alemão; seria muito provavelmente margem suficiente para assumir e manter a ponta quando Vettel fizesse sua troca. E nem ameaça de perder o segundo lugar havia caso Raikkonen não conseguisse seu intento, já que era seu outro piloto, Romain Grosjean, quem vinha em terceiro e, portanto, herdaria a posição de Raikkonen.

Seja como for, o RBR de Vettel em primeiro e o de Mark Webber em quarto; os Lotus de Raikkonen e de Grosjean em segundo e terceiro. O Mercedes de Nico Rosberg, que vinha de uma vitória dominadora uma semana antes na China, lutando até a bandeirada para manter um quinto lugar garantido à base de fechadas desleais, confirmando o credo que a primeira vitória sempre muda um piloto – neste caso, para pior. Por trás dessa alternância, os pneus Pirelli, cujo desempenho se assemelha a uma magia negra a que se tem acesso um Grande Prêmio sim, outro não.

Foi este o caso da Mercedes e da McLaren. Às turras com os pneus, Michael Schuamcher os criticou enfaticamente, esquecendo que cabe ao piloto, principalmente os profissionais, controlarem seu desgaste. Na China, onde foi segundo da largada até sua roda ameaçar se soltar e onde seu parceiro Rosberg não teve adversários, mesmo optando pela arriscadíssima tática de fazer apenas duas trocas, o heptacampeão era só elogios para tudo e para todos. Saudoso dos tempos em que vencia corridas e títulos em sucessão, montado nos pneus que a Bridgestone fazia sob medida e com exclusividade para a Ferrari, ele não encontrou eco no paddock de Sakhir. Afinal, manter a temperatura ideal dos pneus é uma questão de equilíbrio dos carros.
 
Segundo Schumacher, os novos Pirelli impedem que os pilotos dirijam no seu limites e no dos carros, ao contrário, andem em velocidade de cruzeiro. Não foi bem isso que se viu. De fato, nas voltas finais, tinha gente tirando o pé para chegar ao final, mas também tinha gente vindo de lado para manter a posição ou até ganhar mais uma. Neste caso se enquadravam seu próprio parceiro Rosberg, Paul di Resta e Fernando Alonso, engalfinhados em dura refrega por um modesto quinto lugar. Volta à mente uma velha frase do tricampeão Nelson Piquet: “Não me importa se meus pneus estão velhos, só quero que eles estejam um pouquinho melhores do que os de quem está lutando comigo”. O fato é que, mais uma vez, Schumacher sente enorme saudade dos tempos em que dispunha da chamada “unfair advantage”, ou vantagem injusta.

Gary Anderson, que nos anos 80 e 90 se celebrizou como um eficiente projetista criando os carros da Jordan, hoje transformada na ainda competente Force India, relembra sem saudade aqueles anos. “Os pneus da Ferrari eram tão caros que a Bridgestone não os dava a nenhuma outra equipe. Nas poucas vezes que nos entregaram alguns que eram apenas derivados daqueles, nossos tempos de volta melhoravam significativamente”. Estas palavras me levam a pensar quantas vezes o heptacampeão chegaria ao título mundial em condições de igualdade…

A McLaren, pelo menos, teve a dignidade de não tentar transferir para ombros alheios a responsabilidade de seu fracasso. Se bem que nem de longe teria crédito caso tentasse. Seu único bom momento foi quando Lewis Hamilton colocou seu carro no segundo lugar do grid, do qual se despediu irreversivelmente ao longo das voltas – ou das paradas para troca de pneus. Alguma coisa de muito errado acontece no canto traseiro esquerdo. Na China, foi exatamente a troca daquela roda que atrasou Jenson Button e o impediu de atacar, com pneus novos, a liderança de Rosberg no momento em que o carro do alemão já começava a escorregar de frente. No Bahrein, as três trocas de Hamilton foram marcadas por dificuldades com esta roda. Nas duas primeiras, a perda foi superior a seis segundos.

Erro do mecânico? Difícil acreditar que ele o repita tantas vezes em uma função para a qual treina cotidiana e intensamente. Um exame mais acurado mostrou que por duas vezes a porca teve sua rosca espanada. Talvez as pistolas precisem de um refinamento que a Ferrari conseguiu trabalhando junto com a Bosch desde que foi proibido o uso do gás hélio em seu acionamento – apenas ar é aceito. O resultado é que, depois de copiar o sistema introduzido pela Mercedes – no qual a porca é presa à roda – e treinar fanaticamente, a Scuderia já fez, neste ano, uma troca em 2s6 em corridas e uma em 2s2 nos ensaios. Junte-se essa deficiência ao (des)acerto que fez seus carros consumirem com voracidade os pneus traseiros para se chegar infalivelmente à receita do insucesso da McLaren.

Não que a Ferrari ou a Mercedes, as recordistas nas trocas de pneus, sejam sempre perfeitas. Desta vez, por exemplo, houve trocas lentas tanto para Felipe Massa quanto para Fernando Alonso, uma para o brasileiro e duas para o espanhol. Mas estas são as exceções, não a regra. E quando a McLaren acerta, iguala os tempos que fazem Ferrari e Mercedes quando erram. Assim, de nada vale o empenho dos pilotos, o que é ganho na pista é desperdiçado nos boxes. E quando a isso se somam carros que não conseguem manter os pneus na temperatura certa, o resultado é ver Hamilton receber a bandeirada em um discreto oitavo lugar e perder a liderança do Mundial de Pilotos, conseguida com uma sequência de três terceiros lugares.

Mas a sorte de cada um sempre pode ser vista de maneira diferente, de acordo com suas possibilidades. Se a McLaren teve toda razão de se sentir desapontada com o oitavo lugar de Hamilton (sem esquecer a incomum desistência forçada de Button), a Ferrari também estava certa ao se alegrar com o sétimo lugar de Alonso e o nono de Massa. Como inovação, os carros de Maranello tinham apenas e tão somente uma aleta sobre a lanterna de chuva, entre o aerofólio e o difusor, cuja função era exatamente a de melhorar a interação dos fluxos de ar destes dois importantíssimos componentes aerodinâmicos. Experimentada por Alonso nos primeiro treino da sexta-feira, a pequena asa foi também instalada no carro de Massa – sem que se notasse em nenhum dos dois ganho de tempo – o que não exclui a hipótese de ter melhorado ou suavizado as reações de um carro que mostra variações de temperamento volta a volta quando os pneus se desgastam. Principalmente os traseiros.

Por falar em Massa, vi nele evolução ainda maior do que já havia detectado na China. Desta vez, chegou a superar Alonso no Q1, com 1min34s372 contra 1min34s760 do espanhol, e no Q2 resolveu economizar um jogo de pneus macios para a corrida e usou apenas um jogo,  o que o relegou ao 14º posto no grid. Compensou a má posição ganhando nada menos de seis lugares na primeira volta e chegou a pressionar seu companheiro de equipe durante algumas voltas. E a exemplo do que ocorreu na China, a única posição que perdeu foi por culpa da equipe. No domingo anterior, por ordem para dar passagem a Alonso, que vinha em uma tática de três paradas; desta vez, em uma troca mais lenta que permitiu a Rosberg superá-lo enquanto estava parado. Não fosse por isso, poderia e merecia ter chegado mais à frente. Prova disso é sua volta mais rápida, 1min38s123, melhor por exemplo que a de Alonso, 1min38s203, e a de Schumacher, 1min38s128.

Já Bruno Senna, e também Pastor Maldonado, tiveram um fim de semana para ser esquecido. Com um acerto mais agressivo, Bruno viu seus pneus serem mascados como chicletes. Mesmo fazendo uma largada que o levou momentaneamente ao 10º lugar, viu sua corrida se perder com a sucessão de volta e seu melhor posicionamento foi um nono posto quando seus predecessores pararam para trocar os pneus. Uma pena, mas ao menos os problemas não podem ser a ele atribuídos, já que, enquanto esteve na pista, seu companheiro Pastor Maldonado não fez melhor.

A ironia maior, porém, veio com o sexto lugar da Force India de Paul di Resta. A equipe tinha se negado a participar do segundo treino livre, na sexta-feira, sob a alegação de que seus membros estavam com medo de pegar a estrada de volta para o hotel depois o Sol se por. Nem as garantias de escolta armada demoveram o chefe da equipe Bob Fernley de sua decisão. Mas, por coincidência ou não, seus carros não foram mostrados pela geração de televisão durante o treino de classificação – nem mesmo quando eram os únicos na pista. Segundo quem já trabalhou na Formula One Management de Ecclestone, este é o castigo para quem desagrada o todo poderoso Bernie. Segundo o próprio, foi porque os carros tinham adesivos de uma marca de whisky – de fato, os carros e os uniformes da McLaren não exibiam os costumeiros anúncios da Johnnie Walker.

Por isso ou por aquilo, versões diferentes correram o paddock neste fim de semana. Mais uma vez, o dinheiro surgindo como fato gerador da situação. No fim deste ano se esgota o Pacto da Concórdia, contrato entre as equipes, a FIA e a FOM que regula todos os aspectos comerciais da Fórmula 1, o que tem gerado tensão incomum entre a FOM e a FOTA, a associação das equipes. Mas a força da associação já foi diminuída pela manobra de Ecclestone de oferecer certo percentual das ações da Fórmula 1 que pretende lançar nas bolsas europeias à Ferrari, que como sempre só cuida de seu lado, e à Red Bull, que se indispôs com as outras equipes ao defender a teoria de que o acordo de restrição de gastos seja aplicada a todas menos ela própria.

O maior golpe na associação, porém, veio quando Bernie divulgou que a McLaren também havia se juntado a ele. Como? Impossível, pois Martin Whitmarsh é o presidente da associação. Sim, mas é também, o chefe da McLaren, e 50 por cento das ações da equipe estão em mãos do fundo soberano do Bahrein, que foi convencido a apoiar a FOM na sua luta contra a FOTA em troca da garantia da realização do seu Grande Prêmio. Com estas três equipes cooptadas, e mais a garantia de que Frank Williams se juntaria a ele depois de demitir seu chefe executivo Adam Parr – que se opunha abertamente às decisões de Bernie e criticava constantemente seus métodos ultrapassados de administrar a F1 –, Ecclestone se sentiu forte a ponto de ignorar as outras equipes.

Entre as ignoradas, porém, está a Mercedes, que tem influência, dinheiro e corpo jurídico mais do que suficientes para desafiar seja quem for. Descontente por ter sido menosprezada, a empresa se manteve em um silêncio que vem sendo interpretado como beligerante. E teria partido dela a decisão da Force India (a quem a Mercedes fornece motores e empresta o piloto escocês Paul di Resta, que tem sob contrato, e por isso não tem como rejeitar um pedido dela).

O mesmo não poderia ser solicitado à McLaren, que também usa seus motores mas vive e convive com os dólares barenitas; e não seria prudente nem inteligente envolver sua equipe oficial nesta situação de confronto. A solução para alertar Ecclestone de sua força teria sido forçar a ausência da Force India do segundo treino. E ainda tinha o bônus de deixá-lo em situação desconfortável junto ao mentor e promotor da corrida, o príncipe Al Khalifa, que se fez presente à pista para tentar inutilmente demover o chefe da Force India Bob Fernley de sua decisão.

Para culminar o mau humor de Ecclestone, a Force India de Paul di Resta chegou em sexto, disputando o quinto lugar com o Mercedes de Rosberg. E ainda teve o McLaren de Hamilton em oitavo e o Mercedes de Schumacher em 10º, para não deixar que ninguém esqueça que nada menos de seis dos 24 carros que alinham nos grids de cada Grande Prêmio de Fórmula 1 levam motores Mercedes-Benz, o que enfatiza a influência da indústria alemã na categoria. Tudo isso deve fazer o supostamente todo poderoso Bernie Ecclestone ter muito claro em sua mente que nem todos são tão dependentes de seu dinheiro como Frank Williams. E que ele mesmo pode já não ser tão poderoso como se diz.

Passado o Grande Prêmio do Bahrein, fica a impressão que, certo ou errado, ele pode ter sido o mais importante do ano. Dentro e fora da pistas.

Lito Cavalcanti

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