Tudo pronto e nada certo

quinta-feira, 8 de março de 2012 às 3:36

Pat Fry conversa com Nikolas Tombazis em Jerez

Pat Fry conversa com Nikolas Tombazis em Jerez

Conteúdo patrocinado por: selopatrocinio

Pronto, agora é só começar. Findos os testes, a Fórmula 1 arruma malas e bagagens e aponta para a Austrália. Mas espera um pouco. Eu disse pronto? Nada disso, não cabe nem mesmo um “quase pronto”. Sim, assim é a categoria máxima nestes tempos de muita restrição e pouca ação. Foram apenas 12 dias para se testar, experimentar e fazer evoluir carros que tiveram amputadas soluções aerodinâmicas de extrema importância – por menores que pareçam, são enormes as perdas de pressão aerodinâmica causada pelo quase impossível aproveitamento dos gases de descarga na geração de pressão aerodinâmica via difusor.

Esse recurso ora banido era responsável por 15 por cento da pressão de que os carros de 2011 desfrutavam. Pela avaliação do diretor técnico da Ferrari, o inglês Pat Fry, quem fizer muito vai conseguir recuperar 25 por cento do que se obtinha no ano passado fazendo os gases da descarga passarem pelos difusores. E olhe lá.

A redução é incontornável por razões regulamentares: uma, porque os softwares que gerenciam os motores não podem mais injetar combustível nos motores sem que os pilotos estejam acionando seus aceleradores – antes, a injeção de combustível mandava gasolina não queimada para os canos de descarga. Passava por dentro dos motores, mas como não havia centelha, chegava virgem aos escapamentos e explodia, enviando um fluxo de gás de alta energia para os difusores. Assim, se conseguia enorme estabilidade nas freadas e entradas de curvas, momentos em que os pilotos mantêm o pé fora dos aceleradores. Tal fenômeno, ou recurso, tinha tamanha importância que ganhou até designação: era o chamado fluxo quente.

A outra é a obrigação dos canos de descarga terem seus terminais inclinados de 10 a 30 graus para cima, ou seja, os gases são direcionados para uma altura bem acima dos difusores e, assim, adeus difusores alimentados pelos sistema de escapamento.

Então a FIA pode comemorar mais uma vitória em sua eterna cruzada pela redução da velocidade com que os carros da Fórmula 1 percorrem as curvas? Poder pode, mas só até a página três. O campeonato ainda nem começou, tudo que se fez foram apenas três sessões de testes, e já é visível que a recuperação da aderência via escapamento e difusor está em plena marcha, se bem que ainda seja só o começo.

E como todo começo na Fórmula 1 leva à perda de chances de bons resultados – e de uma exagerada e prematura perda de cabelos e até de empregos nas equipes, digamos, mais passionais – pode-se dizer sem medo de errar que, voltando ao começo destas mal traçadas linhas, não tem nada pronto.

Qualquer tentativa de se estabelecer uma hierarquia prévia ao Grande Prêmio da Austrália parece fadada ao fracasso. Principalmente depois do domingo em Barcelona, aquele que seria o dia da definitiva consagração de mais uma criação genial do genialíssimo Adrian Newey, o homem que transformou a Red Bull no Davi que mata os Golias McLaren, Ferrari e Mercedes.

O sábado era aguardado com ansiedade. Pela manhã, mesmo sem a pompa e circunstância dos lançamentos pré-crise econômica, a segunda versão do novo Red Bull seria mostrada ao mundo. Muitas modificações, principalmente o posicionamento dos canos de descarga, colocados mais à frente do que estavam antes. No fim do dia, Mark Webber tinha apenas o oitavo tempo, mas se dizia contente por ter completado a programação, mas ter dado apenas 70 voltas despertou as primeiras dúvidas, já que teve gente passando de 130.

No domingo, Sebastian Vettel passou mais tempo sentado nos boxes do que no carro. O melhor tempo do novo Red Bull foi apenas o 11º entre os 11 carros presentes. Último tanto no quesito volta mais rápida quanto no voltas completadas: apenas 23. A explicação oficial era uma quebra no câmbio, o que não chega a tirar o sono dos técnicos. Extra-oficialmente, vazou a informação que a grande preocupação que se podia notar pelas rugas nas testas dos engenheiros era a temperatura, a nova asa dianteira estaria prejudicando a refrigeração do motor.

Como se diz é aí que o bicho pega em inglês? That’s where the beast catches, nos ensinaria o poliglota Michel Teló se perguntado fosse. Nesse caso, catches mesmo, de verdade, pesado. Um problema de temperatura no quase frio de Barcelona assumirá proporções incalculáveis no calor da Austrália. E para isso, a solução é aumentar os dutos de refrigeração, aquelas janelas e bocas por onde passa o ar. Nada sofisticadamente tecnológico: simplesmente aumentar o volume de ar que passa pelos radiadores – que também receberão maiores proporções, exigindo por isso maiores laterais para se acomodarem.

Deu para sentir o drama? Adeus estudos refinados e prolongados na busca do santo graal aerodinâmico, as formas mais eficientes, aquela que geram mais aderência e menos arrasto, prendem os carros nas curvas sem deixá-los lerdos nas retas. O pior é que, depois daquele domingo em Barcelona, restava pouco tempo até a hora de embarcar rumo à Oceania. Mesmo que novas peças, mesmo as volumosas laterais, possam ser pensadas, construídas e despachadas como bagagem (a peso de ouro, mas nessa hora vale tudo) no mesmo vôo dos engenheiros, nunca se sabe como elas vão se comportar quando instaladas no carro. Mesmo que tenham sido aprovadas com louvor em computadores e túneis de vento.

Tudo isso por quê? Porque Newey fez questão de só testar a versão definitiva dos Red Bull RB8 (essa a sigla deste ano) dois dias antes. Segundo seus admiradores, para que ninguém copiasse sua solução genial para recuperar o máximo possível de aderência via difusor. Segundo seus detratores, porque ele viu, admirou, elogiou e copiou (com mais aprimoramentos) a solução da Sauber e não teve tempo de testá-la antes.

Daí toda essa salada. Até o malfadado domingo, só se tinha uma certeza: a Red Bull vai estar na frente na briga pelo título, apesar da aproximação da McLaren. Só quem poderia ameaçar a supremacia de Vettel era Webber, dizia-se – e não apenas na Austrália. No máximo, concediam-se algumas poucas chances a Jenson Button. Já não se tem essa certeza tão fugaz.

Aqui, minha tendência é dizer melhor assim. Um ano sem que se saiba, de cara, quem é o campeão será bem melhor do que a absoluta falta de suspense de 2011. Tudo bem, havia outras atrações como as ultrapassagens, as eternas incertezas das paradas de boxe, etc. e tal. Mas o que me impede de comemorar esse 2012 de incertezas é que as coisas estão apontando.

Pelo que se sabe – e se sabe muito pouco –, na ausência da Red Bull, o favoritismo recai sobre a McLaren. Ela não se mostrou tão rápida quanto os RB8, é fato, mas a diferença foi muito pequena. Dependendo do tipo de pneu, até inexistente na simulação de corrida. E sua vantagem seria ter reagido bem à adição das peças novas – nada tão extenso quanto as da Red Bull, mas capazes de preencher certas lacunas detectadas pelos seus dois pilotos no primeiro teste de Barcelona.

O problema é se tornar um ano de monólogo da McLaren – se bem que a tradição da equipe é deixar o fogo arder entre seus pilotos. E para ambos, 2012 é muito, muito importante, tanto quanto para a equipe em si. Para Button, porque mesmo tendo em 2011 o que muitos (ele inclusive) consideram sua melhor temporada, ele largou cinco vezes atrás de Lewis Hamilton, perdeu de 12 a sete, não fez nenhuma pole position e Lewis fez. Foi só uma, mas ele fez e Button não fez. Pior que isso, Jenson teve três vitórias na sua melhor temporada, enquanto Hamilton, que teve em 2011 seu pior ano desde que chegou à Fórmula 1, também obteve três vitórias.

Mas se a McLaren parece mais próxima de um bom início, o mesmo não de pode dizer da terceira componente do Trio de Ferro da F1. A Ferrari é, hoje, um mistério, uma incógnita. Já se sabia e se esperava um desenvolvimento mais lento do que o das duas grandes adversárias – mas o que se viu foi a busca sem sucesso desse desenvolvimento. Os engenheiros, não sem razão, não parecem ter encontrado a receita certa para fazer do F2012 a redenção pedida, exigida e cobrada por Luca Di Montezemolo e, a reboque, toda a Itália.

Já no discurso proferido do novo carro, dava para sentir as expectativas do Capo de Maranello. Ele não falava em evolução ou progresso, falava em título mundial. O carro tem pouca pressão aerodinâmica e sua velocidade nas retas é insuficiente. Quando Pat Fry admitiu que espera sangue suor e lágrimas em vez de pódios nas três primeiras etapas, o cheiro de sangue espalhou-se no ar. Não é novidade que na Ferrari de hoje se adota o consagrado método administrativo dos times do futebol brasileiro. Não ganhou, degole-se o técnico – no caso, o diretor técnico.
Que o diga Aldo Costa, o pranteado responsável pelo carro do ano passado. Foi demitido sumariamente antes do meio da temporada, sem direito a defesa. Para sua sorte, e possível azar da Ferrari, encontrou na Mercedes os braços abertos do ex-chefe Ross Brawn e Geoff Willys, uma das estrelas do pragmatismo inglês. O produto deste trio é o Mercedes W03. O W é de wagen, carro em alemão; o 03 de terceiro carro da equipe.

Sim, pura cascata. Ross Brawn já estava na equipe desde que ela era Honda; se tornou Brawn e adivinha quem deu nome à equipe? Como se diz me engana que eu gosto em inglês, Michel? Fool me that I like, em uma versão mais, digamos, sertaneja universitária? Não, em alemão nem o incomparável talento idiomático de Michel Teló é capaz de esclarecer.

O fato é que, cascateira ou não, a equipe de Brawn, Costa e Willys produziu um carro bem capaz de deixar Nikolas Tombazis mais perto do cadafalso. Ele é um engenheiro grego com longos e bons serviços prestados a diversas equipes da F1; hoje, responde pelo setor aerodinâmico da Ferrari. Sim, está sob as ordens de Pat Fry, mas como o inglês chegou a menos tempo, muito bem recomendado pelo dono da casa de fato, o espanhol Fernando Alonso, é mesmo Tombazis o mais forte candidato à próxima contradança.

Agora imagina a cara do responsável pela gestão esportiva da Ferrari, o pudim de chuchu Stefano Domenicali, se o novo Ferrari tomar um pau do novo Mercedes. Seria prendere uno legno em italiano, Michel? Ah, o idioma de Dante Alighieri não faz parte de seu cabedal? Escusa, cantore.

Tenho ótima impressão do Domenicali, com seu jeito de menino de seminário. Sempre ético, bem educado, revela bons princípios mas carece do indispensável tirocínio, não tem o veneno que mantém as cabeças sobre seus respectivos pescoços quando a Casa de Maranello procura culpados. Domenicali pode até não cair de forma tão estrepitosa como Costa e pode vir a cair Tombazis, mas que sua pizza está no forno parece inegável. Ainda pode ser fogo brando, mas a Mercedes pode aumentar súbita e intensamente esta temperatura.

E se em vez da Mercedes for essa Lotus endiabrada? Nas mãos do menosprezado Kimi Raikkonen e do subestimado Romain Grosjean, a ex-Renault pareceu voar. Até a largada da Austrália, vai restar a dúvida se é um foguete ou um blefe, mas o fato é que o contestado Kimi saiu de Barcelona com o melhor tempo absoluto, 1m22s030 com pneus macios, não os supermacios. Que, por sinal, mostraram performance quase sempre pior que a dos macios mesmo em carros da mesma equipe.

Após os oito dias de teste, podemos formar um grid imaginário, considerando os melhores tempos de cada piloto. A ordem desse grid falso, depois do finlandês, é Sérgio Perez, com Sauber (macios); Button (macios); Daniel Ricciardo, Toro Rosso (supermacios); Alonso (macios); Bruno Senna, macios; Niko Hulkenberg, Force India (macios) Kamui Kobayashi, Sauber (supermacios). Massa vem a seguir, 11º com os supermacios, seguido por Hamilton, macios; Paul di Resta, Force India, supermacios, Grosjean, macios, e Heike Kovalainen, Caterham, supermacios, em 15º.

Não, não esqueci dos Red Bull, apenas guardei para o fim, exatamente onde eles ficaram. O mais rápido foi Webber, 16º com pneus macios, imagina só. O Vettel foi o 22º de um total de… 22 pilotos. Como atenuante podem-se citar os problemas de câmbio (e/ou refrigeração, lembremo-nos) do último dia. Não, não sei dizer por que ele ficou atrás de pilotos que também não andaram no último dia porque não era a vez deles guiarem. Não, Adrian Newey não tem mais cabelos a perder, mas isso dificilmente lhe servirá de consolo…

Voltando ao tema por que Tombazis deve se acautelar, vocês devem ter notado que o melhor posicionado nesse grid hipotético entre os carros powered by Ferrari é um Sauber? Pois é…O do Sérgio Perez, o segundo mais rápido de Barcelona. Há quem veja nele o futuro substituto de Felipe Massa caso o contrato do brasileiro não seja renovado. Melhor que o mexicano pense bem. Normalmente, essas dragas em que a Ferrari de tempos em tempos se mete são profundas e duradouras.

Não, não estou dizendo que ficar na Sauber pode ser melhor do que ir para a Ferrari (não digo, mas, sozinho e no escuro, chego a pensar que sim). Mas quem tem o apoio de Carlos Slim, se não o homem mais rico do mundo pelo menos um dos três, e já consegue tão bons resultados depois de apenas um ano na F1, não deve ter muitas dificuldades para convencer os maiorais a lhe darem uma chance.

Ao fundo, ouve-se as Bachianas Brasileiras, obra magnífica do enorme, descomunal Heitor Villa Lobos. Ora, Michel, como Lobos quem?! Nosso compositor maior. Não, só fazia música clássica, não mantinha ligações com sertão nem universidades mais modernas, não era acompanhado pelo Neymar. Claro que não fazia tanto sucesso, se a medida for quantitativa.

Sim, Felipe Massa continua defasado em relação a Alonso. Como, aliás, ocorreria com 19 dos 21 pilotos restantes (as exceções são Vettel, provavelmente, e Hamilton, comprovadamente). Mestre Villa Lobos diria que o ritmo musical dos 19 cupracitados é o Allegro, enquanto o do espanhol é um Vivacíssimo.

Bruno Senna, por mais que venda entusiasmo em seus pronunciamentos midiáticos, não chega a convencer. Não se deve esperar muita velocidade de seu Williams, só parece lhe restar como trunfo o baixo desgaste dos pneus; se vier, ótimo, mas a prudência aconselha caldo de galinha e parcimônia neste caso. Vejam o exemplo de Sir Frank Williams, que abdicou do trono e nele colocou sua amada filha. Tão amada que camelava há coisa de 10 anos na empresa do pai e ninguém tinha ouvido falar dela.

Mas, voltando a nossas comparações rítmicas, Bruno pode até alcançar um Allegro ma non Troppo, mas dificilmente irá muito além. A base disso é seu parceiro Pastor Maldonado, que pode ser propenso a uma batidinha aqui e outra acolá mas de lento não tem nada, em Barcelona não foi além de um Adagietto.

Mesmo a contragosto, sou obrigado a admitir que as chances de nossos preclaros representantes conquistarem bons pontos ou subirem a um ou outro pódio dependem da má sorte dos que os precederão – mas nem por isso, acredito, deixarão de tentar o melhor com a garra que até hoje mostraram. Como todos os outros, seguirão Red Bull e McLaren com olhos compridos. Ao fundo, se ouvirá o popularíssimo refrão Ah se eu te pego, ah ah se eu te pego…

Mas tudo isso acima citado aconteceu em uma Barcelona bem mais fria do que será a Albert Park que sediará, daqui há poucos dias, o início do campeonato.

Por isso, mesmo com tudo pronto, nada está pronto!!!

Lito Cavalcanti

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