MotoGP – Hecha la ley, hecha la trampa

segunda-feira, 24 de julho de 2017 às 12:01
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ECU da Magneti Marelli para a MotoGP

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

Esta sentença é atribuída a Fosco Maraini (1912-2004) que no livro chamado “Segredos do Tibet” a utilizou para descrever a história de monges, que por orientação religiosa só podiam comer carne de animais marinhos, cuja obtenção era trabalhosa em um local onde abundavam cabras e porcos selvagens. Pragmáticos, decidiram catalogar estes animais como “baleias silvestres”, desta forma puderam manter sua disciplina e estender consideravelmente a sua dieta. Desde então a expressão é utilizada para denunciar que em qualquer atividade sempre que surge uma norma restritiva, surge também uma estratégia de a evitar sem um risco aparente.

A Dorna e a FIM, entidades que administram e regulam o mundial de motociclismo, estão empenhadas em um processo de tornar o mundial de motovelocidade mais atrativo, evitando que o poder econômico possa restringir a disputa a duas ou três equipes. Entre 2010 e 2015 todas as provas da classe MotoGP, com exceção do GP da Holanda de 2011, foram vencidas por pilotos das equipes Movistar Yamaha e Repsol Honda. Em 2016 entrou em funcionamento o Pacote de Contenção de Custos, com o uso obrigatório da Unidade de Controle Eletrônico (ECU) com software padronizado. Esta e outras medidas tornaram a temporada mais equilibrada, com nove pilotos diferentes vencendo provas, inclusive com uma equipe independente (LCR) conquistando duas vitórias.

A MotoGP é além de uma competição entre pilotos e marcas, um laboratório para novas tecnologias. Os organizadores estão constantemente trabalhando em maneiras de tornar as provas mais disputadas e atrativas para o público. As duas linhas mais promissoras que estão sendo estudadas para o futuro são a limitação de RPMs dos motores e redução de velocidade em curvas pela redução do raio das rodas dianteiras. Como condição para impor condições restritivas ao desenvolvimento tecnológico, a Dorna e a FIM concordaram em congelar os regulamentos por cinco anos, para proteger os investimentos dos fabricantes em novas linhas de desenvolvimento compatíveis com a regra atual. As únicas exceções previstas são questões que afetam a segurança (como foi o banimento das “winglets”) ou um acordo unânime entre os fabricantes.

Os engenheiros das entidades promotoras estão constantemente monitorando o cumprimento das regras e descobriram que pode haver desvios de finalidade no uso da Unidade de Medidas Inerciais (IMU), que alimenta o software da Unidade de Controle Eletrônico com dados sobre a inclinação da moto. Quando a MotoGP conseguiu um acordo com os fabricantes para o uso obrigatório da ECU em 2016, a padronização da IMU não foi contemplada, na ocasião foi considerada só um sensor que coletava informações para o software unificado. O equipamento é bem mais complexo, tecnicamente a IMU é um conjunto de giroscópios e outros sensores equipado com um firmware que realiza cálculos matemáticos. Em outras palavras, inclui um processador programável, com potencial de transmitir dados manipulados e influenciar as decisões do software do sistema unificado.

A atribuição inicial da IMU é fornecer os ângulos de inclinação da moto nos sentidos lateral e longitudinal. Para executar esta função a unidade combina as leituras de vários sensores, realiza a integração dos dados, calcula os ângulos de inclinação e entrega o resultado para a ECU. O processo de integração permite que os dados sejam trabalhados para obter vantagens indevidas, uma possibilidade por exemplo, é considerar junto com a as medidas de inclinação a temperatura dos pneus e enviar uma informação manipulada para a ECU. O software unificado vai tratar a informação como inclinação real e oferecer respostas diferentes de acordo com cada ocasião. Como resultado, para um mesmo ângulo de inclinação, o controle de tração do protótipo é acionado de uma maneira diferente de acordo com as condições dos pneus, ou seja, a ECU padronizada fornece comandos diferentes para motos diferentes em situações iguais.

Óbvio que é uma vantagem indevida e ilegal. O regulamento da MotoGP é explícito: “O uso do software Oficial da ECU para o controle motor e chassis é obrigatório para todas as máquinas, e nenhuma outra estratégia de controle (para o motor e chassis) pode ser utilizada em provas oficiais do calendário”. A origem do problema está na limitação em provas oficiais. Pelo regulamento não há previsão legal que impeça as fábricas utilizarem IMUs customizadas para conduzir ensaios e testes, portanto a especificação do firmware não pode ser lacrada, o que torna virtualmente inviável identificar o uso indevido. Conceitualmente IMU é parte da ECU e o mais lógico seria estarem unificados, entretanto as equipes não querem abrir mão de um recurso que pode coletar livremente dados para indicar novas regulagens ou linhas de desenvolvimento. A exigência de uma padronização da IMU viola o acordo com os fabricantes.

Por enquanto uma possibilidade de burlar as regras, embora complexa para ser implementada, está disponível. Em um ambiente altamente competitivo, onde as mínimas diferenças podem resultar em valiosos milissegundos no final de uma prova, não é de todo descartável que possam existir fabricantes com disponibilidade de recursos financeiros para investir em software para aumentar o desempenho dos seus equipamentos.
Os organizadores fizeram as regras, os fabricantes as utilizam de acordo com suas estratégias.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

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