MotoGP – Controle de tração

quarta-feira, 10 de agosto de 2016 às 18:33
Valentino Rossi

Valentino Rossi

Colaboração: Carlos Alberto Goldani

O conceito de aderência pode ser definido como o valor máximo da força tangencial que um pneu pode transmitir à pista em resposta a uma aceleração, frenagem ou solicitações extremas em uma curva. Quando a força tangencial ultrapassa esse valor máximo, a aderência diminui drasticamente e a roda gira em falso (patina). Um pneu parado ou em movimento de rotação possui uma aderência disponível que permite a moto acelerar e frear (aderência longitudinal) ou contornar curvas (aderência transversal). Para aproveitar ao máximo o torque entregue pelo motor, a situação ideal é que a força exercida pelo pneu seja muito próxima ao limite de aderência. Forças longitudinais e transversais são complementares, por isto os pilotos procuram frear sempre em linha reta para obter a máxima aderência longitudinal e aliviar os freios ao iniciar uma curva, para dispor de toda aderência transversal.

A importância dos pneus em provas de motovelocidade transcende ao fato de ser o meio de contato do equipamento com a pista. O perfil é arredondado, diferente dos utilizados em automóveis, pela necessidade de fornecer aderência contínua enquanto a moto inclina para contornar curvas. Mesmo com a máquina na vertical e andando em linha reta, a área de contato do pneu com a pista é muito pequena, do tamanho aproximado de um cartão de crédito. Nos modelos para circulação urbana esta superfície reduzida não é problema, porém com motores mais potentes, existe a possibilidade de a área ser insuficiente para proporcionar a aderência necessária quando a entrega de torque para a roda traseira é muito alta, como acontece durante os processos de retomada de velocidade. Pode ser um grande inconveniente especialmente em curvas, quando o piloto necessita da aderência do pneu enquanto inclina a moto. Se não houver condições de tração a roda desliza e o equipamento fica difícil de controlar.

Este é o ambiente de trabalho do Controle de Tração (Traction Control System ou TCS). O sistema utiliza sensores nas rodas para verificar se o pneu traseiro está girando como deveria em contato com a pista ou iniciando um processo de deslizamento. Em palavras mais simples, o TCS identifica se a roda tem a aderência adequada ou se está excedendo a capacidade de atrito com a pista e girando em falso (patinando).

A eletrônica embarcada é a principal responsável pelo desenvolvimento de vários sistemas de apoio ao piloto nos últimos anos. O chamado “Ride by Wire” permite aos engenheiros programarem as reações da moto sob certas condições, substituindo a necessidade da intervenção do piloto. A ECU (Unidade de Controle Eletrônico) administra todo o processo coletando em tempo real informações de diversos sensores distribuídos no equipamento. As vantagens do “Ride By Wire” são mais evidentes quando opera em conjunto com outros controles, para permitir uma moto explorar todo o seu potencial.

TCS é um sistema de segurança ativa, que impede a roda motriz de perder a tração reduzindo o torque entregue pelo motor. A ECU monitora a velocidade do veículo em relação a pista por um sensor montado na roda dianteira e analisa as velocidades de rotação das duas rodas. Se a traseira começar a girar mais rápido do que a dianteira, o TCS envia um sinal para a ECU reduzir a potência do motor e evitar que a roda escorregue. Quando a roda gira em falso e a moto não está ganhando velocidade tão rápido como poderia, a entrega de torque deve ser reduzida para recuperar a aderência do pneu. O TCS otimiza o fornecimento de energia para a roda motriz permitindo a melhor aceleração em qualquer situação, frenagens ou retomadas de velocidade, curvas rápidas ou lentas, pista seca ou molhada. A ECU, que administra toda a eletrônica da moto, utiliza mapas desenvolvidos para o TCS com as características da pista e dados coletados por sensores para balizar o seu procedimento, processa leituras da velocidade de cada roda e ângulo de inclinação, entre outras informações, para decidir a sua ação.

Existem três técnicas de redução de torque, todas centradas no controle eletrônico da aceleração, cancelar um cilindro, alterar a temporização da ignição ou controlar a abertura do acelerador. Para cancelar um cilindro, a alimentação (injeção de combustível) é interrompida, provocando uma queda no valor do torque entregue para a roda. Esta técnica, em um motor de quatro cilindros, reduz a potência em até 25%. Quando identifica uma condição de perda de aderência, o TCS pode comandar uma modificação nos tempos de ignição, que resulta em perda imediata do torque da ordem de até 20%, o problema deste procedimento é que pode inundar uma câmara de combustão e causar queima incompleta. Aliviar o acelerador é a reação instintiva de pilotos que não utilizam o TCS quando sentem que estão perdendo aderência, com a eletrônica este procedimento é possível porque o comando de injeção de combustível é controlado pela ECU. Com o fluxo de alimentação limitado há uma queda do torque entregue e a tração da moto pode ser retomada.

Quando em um contorno de uma curva ou em uma retomada de velocidade a roda traseira escorrega, o piloto pode ter acelerado demais ou muito cedo, neste caso o TCS utiliza um ou uma combinação dos métodos acima descritos para obrigar a moto a desacelerar e possibilitar a administração da situação. Cada fabricante desenvolve seu próprio conjunto de métodos e algoritmos, mas basicamente as técnicas utilizadas são composições ou variantes das descritas acima.

A maneira como o TCS interfere na condução da moto depende do mapeamento desenvolvido pelo fabricante, e pode ser individualizado de acordo com as características do piloto. Alguns utilizam técnicas de pilotagem que obtém melhores resultados se algum tipo de escorregamento da roda traseira for permitido, outros preferem uma condução mais fluida e consistente, com ambas as rodas girando sempre com a mesma velocidade. Evidente que o TCS compartilha com o piloto algumas decisões, substituindo em alguns casos a sensibilidade humana pela eficiência da eletrônica. Há quem diga que alguns pilotos adotam só duas posições no acelerador, fechado ou totalmente aberto, o TCS se encarrega de calibrar a aceleração no ponto mais adequado.

Eventualmente esta maravilha da tecnologia também pode em algumas ocasiões ser classificada como vilã. No GP da Itália em Mugello esse ano, uma disputa acirrada entre Jorge Lorenzo e Marc Márquez foi definida na reta de chegada antes da bandeirada final, por escassos 0,019 segundos. A Honda #93 contornou a última curva na liderança, entretanto acionou o TCS e foi ultrapassada pela Yamaha #99 na retomada de velocidade.

Carlos Alberto Goldani
Porto Alegre – RS

*Nota do editor: Na imagem acima Valentino Rossi derrapa um pouco na saída de uma curva mesmo com o controle de tração ativado.

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