SENNA e BELLOF: O show de dois martires de Mônaco 1984

sexta-feira, 19 de novembro de 2010 às 13:26
Ayrton Senna

Os grandes talentos têm pressa de se mostrarem ao mundo. Ayrton Senna e Stefan Bellof esperaram apenas seis corridas para deslumbrar o público com a expectativa do que estava por vir. Ambos morreram tragicamente nas pistas, porém um teve tempo de comprovar seu talento; o outro, que era apenas o ídolo de um garotinho chamado Michael Schumacher, foi embora mais cedo.

Ayrton Senna da Silva chegou à Fórmula 1 altamente credenciado, após a conquista do campeonato britânico de Fórmula 3. Assinou com uma equipe mediana, a Toleman (que viria a ser a Benetton, a partir de 1986). Tinha fama de atrevido e arrogante, mas desde cedo encantou o mundo com sua qualidade. Depois de Mônaco, ganhou o respeito do circo.

Stefan Bellof

Stefan Bellof também era um estreante. Sua tocada alucinante na Fórmula 2 e no Mundial de Esporte-Protótipos chamou a atenção dos chefes de equipe da mais importante categoria do automobilismo. Como o alemão já tinha assinado com a equipe de fábrica da Porsche para correr de protótipos em 84, sua agenda ficou bastante apertada. Ken Tyrrel decidiu apostar num contrato de risco, utilizando o piloto nos finais de semana em que estivesse “de folga”.

A concorrência era grande e de primeira linha: Alain Prost dividia as atenções da McLaren com Niki Lauda, recém saído de sua aposentadoria precoce. Nelson Piquet, então campeão do mundo, partia para mais uma temporada com a Brabham, enquanto um certo inglês bigodudo, Nigel Mansell, começava a chamar atenção na Lotus. Keke Rosberg era um adversário perigoso, com sua Williams, sem falar na dupla ferrarista, Michelle Alboreto e René Arnoux. Mas favoritismo não vale nada em circunstâncias tão especiais como as daquele famoso GP…
Os treinos foram realizados com tempo bom. Prost bateu Mansell por 0,091s, cravando o tempo de 1min22s661. Lauda não conseguiu nada melhor do que o oitavo tempo, logo à frente de Piquet. Senna ficou a mais de dois segundos da pole, em 13º, enquanto Bellof mal conseguiu um lugar no grid, largando na última posição.

O que os resultados dos treinos oficiais deixaram claro que, em condições normais, nem Senna nem Bellof teriam chance de rivalizar com as “cobras”. Por mais que o traçado de Mônaco, travado como ele só, nivele os carros, os fantásticos motores turbos da concorrência permitiam uma vantagem segura. O motor Hart, da Toleman, embora turbinado tinha uma curva de potência comparativamente baixa, enquanto o Ford da Tyrrel, além de ser aspirado, estava em decadência…

Mas eis que a chuva veio na manhã de domingo. Não era um tremendo temporal, apenas o suficiente para deixar a pista escorregadia e perigosa. Em comparação com a do GP de 1972 (leiam reis da chuva 2), parecia uma garoa. Com o decorrer da prova, a água começou a cair com mais força.

Logo na largada o caos se instaurou. Na curva St. Devote, as duas Renaults de Derek Warwick e Patrick Tambay se encontraram, forçando o resto do grid a desviar dos destroços.

Muitos pilotos foram traídos pelas curvas fechadas de Montecarlo. Acelerar demais era perigoso, pois uma batida parecia iminente. O problema é que nem Senna nem Bellof raciocinaram desta forma. Logo após a primeira volta, o brasileiro era nono, atropelando a concorrência. O alemão também vinha forte, ultrapassando nove adversários.

Nigel Mansell

A ascensão dos dois era alucinante. Enquanto isso, o resto da turma sofria um bocado. Mansell passou Prost como quis, somente para perder o controle de seu Lótus negro na subida para o Cassino. “Escorreguei na faixa de trânsito”, desculpou-se o leão.

Senna não respeitava antigos campeões. Ultrapassou Rosberg como se o finlandês estivesse parado. Partiu à caça de Lauda com tudo o que tinha, em busca da segunda posição. Subiu na zebra do S após o túnel, quase jogando sua prova fora. Contornou a piscina como se a pista estivesse seca. Na Rascasse, quase tocou na McLaren do austríaco. Partiu para a reta dos boxes grudado, escolheu o traçado externo e mergulhou para fazer a St. Devote por fora, ultrapassando Niki de forma magistral!!! A perplexidade tomava conta dos felizardos que estiveram presentes ao GP de Mônaco.

A sala de imprensa ficou em polvorosa. “O locutor holandês do nosso lado está gesticulando, como se não entendesse mais nada” comentou Galvão Bueno, ao vivo para todo um Brasil surpreso diante do nascimento de um novo herói.

Mais atrás, Stefan não era menos espetacular. Após uma batalha titânica com Rosberg, o jovem piloto da Tyrrel aproveitou-se da rodada de Lauda para assumir a terceira posição, logo atrás de Senna.

Ayrton Senna

A essa altura do campeonato, a chuva havia apertado um pouco mais. Prost continuava à frente, mas girava cinco segundos por volta mais alto que Ayrton. O francês, famoso por não gostar de chuva, parecia apavorado com o assédio da promessa brasileira, e quase rodou na Mirabeau na 30º volta. Cruzou os pits gesticulando freneticamente, pedindo o encerramento da corrida.

Senna vinha rápido, mas Bellof era o mais veloz na pista naquelas últimas três voltas, por mais incrível que isso possa parecer! Os dois estavam prestes a devorar Prost quando a direção da prova decidiu interrompê-la.

O cartola por trás desta ação, referida muitas vezes como uma grande patriotada, foi Jackie Ickx, um dos maiores pilotos sob chuva da história da F-1. A corrida foi interrompida na volta 31, valendo a classificação da anterior. Uma decisão providencial: quando foi mostrada a bandeira vermelha, Prost encostou seu McLaren antes da linha de chegada, sendo ultrapassado por Ayrton. Era o início de uma das mais famosas rixas entre pilotos de que se tem notícia.

Senna deixou claro seu descontentamento com a decisão do Diretor de Prova. Para ele, a chuva não estava tão mais forte que na largada, sendo desnecessária a interrupção da corrida. “Eu poderia ter passado Prost e cinco voltas depois ter batido no muro, mas isso não importa” afirmou o brasileiro na coletiva de imprensa. E não importava mesmo; o estrago já estava feito. O nome Senna seria respeitado por todos desde então. Nascia um mito.

A justiça viria no final da temporada. Como a corrida foi prematuramente interrompida, os pontos valeram pela metade; desta forma, a vitória de Prost rendeu-lhe apenas 4,5 pontos. O francês perderia seu primeiro título mundial para Lauda por apenas meio ponto, uma diferença histórica. Se a corrida tivesse continuado e Prost chegado em segundo, teria ganho 6 pontos e o campeonato de F-1 de 1984.

E Bellof? O que aconteceria com ele se a corrida continuasse? “Senna passaria Prost, mas Bellof passaria os dois” concluiu Martin Brundle, então seu companheiro de equipe, e eterno desafeto de Ayrton. É bom lembrar que o inglês havia sido derrotado pelo brasileiro um ano antes, na disputa do Campeonato Britânico de Fórmula 3. De fato, Bellof vinha rápido demais; mas daí a acreditar que ele seria capaz de ultrapassar um Senna fantástico, prestes a vencer pela primeira vez, são outros quinhentos. Stefan seria posteriormente desclassificado, já no final da temporada, junto com toda a equipe Tyrrel, por irregularidades técnicas nunca devidamente explicadas.

A carreira do maior Rei da Chuva terminou na fatídica curva Tamburello, em Ímola, 10 anos depois. Sua trajetória vitoriosa foi prematuramente interrompida, impedindo-o de alcançar o recorde de 5 campeonatos mundiais de Juan Manoel Fangio. Deixou-nos, também, com a eterna dúvida de como teria sido seu duelo com Michael Schumacher nos anos seguintes.

Ao contrário do tri-campeão brasileiro, Stefan Bellof não teve tempo de mostrar na F-1 todo o seu talento. Em 85, quando defendia o título mundial de Esporte-Protótipos em Spa-Francochamps, sofreu um espetacular acidente que lhe tiraria a vida. Ao tentar ultrapassar Jackie Ickx (sim, ele mesmo) na perigosa Eau Rouge, por fora, Bellof perdeu o controle de seu Porsche e voou por sobre o guard-rail. O alemão havia ido longe demais.

O futuro é sempre incerto, mas o momento durou para sempre. Nas ruas de Montecarlo, naquele ano de 1984, Ayrton Senna e Stefan Bellof tornaram-se eternos.

Podium

GRANDE PRÊMIO DE MôNACO – 03 de junho de 1984.

1. Alain Prost – McLaren/TAG – 1h01min07.740
2. Ayrton Senna – Toleman/Hart – 1h01min15.186
Stefan Bellof – Tyrrel/Ford – 1h01min36.817 (desclassificado)
3. René Arnoux – Ferrari – 1h01min36.817
4. Keke Rosberg – Williams/Honda – 1h01min42.986
5. Elio de Angelis – Lotus/Renault – 1h01min42.986
6. Michelle Alboreto – Ferrari – 1h01min08.404

Autor: Olavo Bittencourt Neto
e-mail: oobn21@hotmail.com

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