Reis da Chuva VI: REI DOS REIS

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 às 19:09
O herói…

Uma tarde chuvosa e fria no circuito de Donington Park, Inglaterra. Cenário ideal para Ayrton Senna demonstrar toda a sua habilidade em condições adversas. Não importava o fato de sua McLaren, em 1993, não ser páreo para a magnífica Williams-Renault de seu arqui-rival Alain Prost, nem que seu motor Ford fosse de uma versão anterior ao do da Benetton de Michael Schumacher. Senna estava pronto para mostrar ao mundo que ele ainda era o melhor de todos, e que merecia a chance de pilotar um carro à altura de seu talento.

As posições de largada foram decididas no treino oficial de sábado, disputado em pista seca. Sem maiores dificuldades, Alain Prost cravou a pole, com o tempo de 1min10s458. Em segundo, seu companheiro na Williams, Damon Hill, inspirado pela animada torcida local, marcou 1min10s752. Senna deu seu máximo, mas acabou ficando a dois segundos do tempo da pole, perdendo até o confronto com Schumacher pelo terceiro lugar no grid. Prost cantou vitória antes do tempo, mesmo com a perspectiva de um belo aguaceiro no domingo. “Esta pista não é tão ruim na chuva. E, como é sempre difícil ultrapassar durante os GPs, a pole-position é ainda mais importante num circuito travado como este”.

Senna ultrapassa Prost

Ultrapassar seria difícil? Bem, não para Senna. Quando a luz verde foi acesa, debaixo de uma fina garoa, Senna iniciou o que foi para muitos a mais incrível volta da história do automobilismo. Uma lição antológica de como controlar um Fórmula 1 no limite da aderência, sem visibilidade e contra adversários mais bem equipados. Um tremendo espetáculo!

Prost saiu na frente, seguido por um cauteloso Hill. Senna foi espremido por Schumacher, sendo jogado para a zona de saída dos boxes, o que custou a ambos a terceira posição, conquistada por Karl Wendlinger. Senna respirou fundo e deu o troco no alemão já na saída da primeira curva. Grudou no austríaco da Sauber na seqüência de curvas seguintes, passando-o por fora na Craner. As próximas vítimas seriam as Williams. Numa velocidade fora do comum para aquelas condições, Senna chegou em Hill na curva McLeans, superando-o sem maiores dificuldades na curva seguinte, a Coppice. Incrível! Abusando do controle de tração “fly by wire” de sua McLaren, Senna vinha de lado, corrigindo constantemente a direção como se estivesse pilotando um kart!

Prost olhou no retrovisor e se assustou ao ver o carro branco e vermelho. Sempre soube o quanto Senna era bom no molhado, afinal vinha sendo seu mais íntimo adversário há várias temporadas. Lembrou do Grande Prêmio de Mônaco de 1984, quando um jovem Ayrton, de Toleman, ameaçou seu triunfo em condições ainda piores (leia REIS DA CHUVA 4). Pensou como raios o brasileiro havia conseguido passar todo mundo tão rápido, como ele estava tão veloz numa pista escorregadia que nem aquela,… Pensou mesmo quando ele tentaria ultrapassá-lo, porque ele tentaria sim, com toda a certeza. De repente, percebeu o bico branco da McLaren a sua direita quando contornava o grampo Melbourne, a última curva do circuito. Senna freou para lá do Deus me livre e contornou a curva com maestria, completando a primeira volta na liderança. Prost ficou surpreso, mas realmente não dava para acreditar que tudo aquilo fosse possível. Senna havia feito mágica!

A diferença foi crescendo rapidamente, até começarem as paradas nos boxes. Em pleno mês de abril, o tempo estava imprevisível como em toda primavera britânica. O Grande Prêmio da Europa, terceiro da temporada, foi realizado nesta histórica pista devido à falência do grupo Autópolis, que organizaria um GP da Ásia no Japão. Mas também o dedo de Bernie Ecclestone estava presente na escolha; o chefão da F-1 queria mostrar para os administradores de Silverstone que o GP da Inglaterra poderia ser realizado em outras pistas, como Donington. O problema foi que a data existente implicava na necessidade de enfrentar-se as constantes mudanças climáticas da ilha britânica. A chuva ia e vinha, deixando loucos meteorologistas e vendedores de guarda-chuvas. Sem contar os pilotos, é claro.

Senna aproveitou esta indefinição climática para abusar da utilização de pneus slciks num asfalto parcialmente molhado. Mark Blundell, da Ligier, tentou e não conseguiu. Schumy também tentou, mas acabou na brita. Os únicos pilotos que também vinham tendo sucesso nesta ousada iniciativa eram Johnny Herbert e Rubens Barrichello.

Rubens Barrichello

Rubinho estava impressionando a todos logo na sua terceira corrida de Fórmula 1. Trouxe sua Jordan da 12a colocação no grid para o quarto lugar ao fim da primeira volta. Naquele chove-não-chove, aproveitou para se meter entre as duas Williams, chegando mesmo a ultrapassar Prost na disputa pelo terceiro posto. O francês estava pirando com aquela situação. Quando a pista secava, ele ia correndo botar slicks. Mas era só começar a cair algumas gotas que ele voltava para os boxes para por pneus biscoito. Fez isso 7 vezes, o que obrigou a equipe a reciclar pneus para as últimas voltas.

Enquanto isso, Senna fazia as melhores escolhas. O astro brasileiro conseguia “ler o tempo” como ninguém, trocando pneus 4 vezes, sempre na hora certa. Um exemplo foi o que aconteceu na volta 57. Senna estava com slicks e entrou nos boxes para colocar outro jogo de pneus para pista seca. Mas quando estava no pitlane, percebeu as nuvens negras no céu e o tilintar de grossos pingos de chuva em seu capacete. De repente, apostar que a pista

continuaria a secar não parecia a melhor opção. Abortou a parada, gesticulando para seus mecânicos enquanto passava reto pelos pits. Como a pista dos boxes era mais curta que o traçado normal do circuito, Senna acabou cruzando a volta mais rápida da prova!

A turma foi ficando para trás, até que todos ficaram com pelo menos uma volta de desvantagem. Pareciam duas corridas: de um lado, a Fórmula 1; do outro, a Fórmula Senna. A superioridade com que “navegava” pela pista molhada demonstrava que seus instintos estavam no auge.No final da prova, Damon Hill conseguiu descontar uma volta. Rubinho teve que abandonar, por falha no pescador de combustível, quando estava seguro em terceiro. Senna recebeu a bandeirada com uma baita folga, vibrando muito com aquela conquista incontestável. Um Prost nitidamente nocauteado completou o pódio, à frente de Herbert. O inglês parou uma única vez para trocar pneus, levando sua Lótus de slicks até o final da corrida, que teve o recorde de paradas nos boxes: 69, no total dos 25 carros.

O sorriso de Ayrton no pódio dava idéia da grandeza daquela performance. “Talvez tenha sido minha maior vitória” refletiu, emocionado. A prova teve também uma importância pessoal para o tri-campeão, pois, naquela mesma pista, 10 anos antes, ele teve seu primeiro contato com um carro de F-1, pilotando uma… Williams. “Tive problema de embreagem, o câmbio estava péssimo e, no final, meu jogo de pneus estava horrível” desculpou-se Prost, na coletiva de imprensa. Senna ficou vermelho de raiva, bateu nas costas do baixinho francês e metralhou: “Por que você não troca comigo?” Prost olhou com desgosto, pensou em mandar o brasileiro “catar coquinho”, mas engoliu a seco a vitória. Senna o havia vencido de forma inexorável. Tamanho controle de um F-1 na chuva jamais havia sido visto. O triunfo do piloto sobre os limites da máquina, superando enormemente seus adversários para impor uma conquista absoluta, colocou Senna no hall dos Deuses do

Esporte. Seu trono até hoje permanece seguro: o de REI entre os Reis da Chuva!

Valeu campeão!

P. Piloto Carro/Motor
1 Ayrton Senna McLaren/Ford
2 Damon Hill Williams/Renault
3 Alain Prost Williams/Renault
4 Johnny Herbert Lotus/Ford
5 Riccardo Patrese Benetton/Ford
6 F.Barbazza Minardi/Ford

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